Acadêmica e presidente da SBPC, Helena Nader dialoga com ministro Gilberto Kassab durante seminário no Congresso Nacional
Em defesa da Medida Provisória para acelerar a derrubada dos vetos ao Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação e promover o desenvolvimento científico e tecnológico do país, cientistas, parlamentares e o setor industrial querem convencer os Ministérios da Fazenda e do Planejamento sobre a importância do restabelecimento dos dispositivos vetados na nova legislação para estimular o desenvolvimento econômico nacional. Esse foi um dos pontos centrais do seminário do dia 2 de agosto no Congresso Nacional, proposto pelo senador Cristovam Buarque (PPS/DF) e realizado conjuntamente entre o Senado e a Câmara dos Deputados.
No seminário, o ministro Gilberto Kassab, da pasta de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) adiantou que a Receita Federal aponta resistência à criação da medida provisória para a derrubada dos vetos ao Marco Legal da CT&I (constituído pela Lei 13.243/2016). Há duas semanas, o presidente interino Michel Temer prometeu editar a medida provisória para desbloquear os vetos, medida que esbarra na burocracia da equipe econômica do governo federal.
Cientistas, parlamentares e o setor industrial, entretanto, prometeram não baixar a guarda na luta pela criação da medida provisória, no seminário que reuniu cerca de 20 instituições científicas, além do setor industrial representado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), deputados, senadores e representantes dos ministérios (MCTIC, MEC e MDIC).
O senador Lasier Martins (PDT/RS), que mediou parte do seminário no Senado, propôs uma audiência com os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Dyogo de Oliveira, com a participação do grupo envolvido na construção do Marco Legal da CT&I.
Concordando com o posicionamento, o deputado Celso Pansera, ex-ministro da pasta de Ciência, Tecnologia e Inovação, considerou fundamental enfrentar a burocracia sinalizada pela equipe econômica à criação da medida provisória. “Se não enfrentar a burocracia agora, ela vai se manter, inclusive, no projeto de lei (PLS 226/2016) – de autoria do senador Jorge Viana (PT-AC), para a derrubada dos vetos”, disse. O parlamentar sugeriu ainda à pasta de CT&I assumir o papel de indutor para agilizar a regulamentação da nova legislação.
Judicialização e insegurança jurídica
O novo arcabouço legal foi aprovado por unanimidade e de forma republicana nas duas casas do Congresso Nacional para dar segurança jurídica à área de CT&I e desatar os nós que impedem o dinamismo desse setor, estratégico para o desenvolvimento de qualquer nação.
A presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, disse, entretanto, que os vetos implicam em judicialização da área. Segundo ela, isso inviabiliza o avanço do sistema de ciência, tecnologia e inovação. “O Brasil moderno está parado porque as pessoas temem a judicialização”, disse. Nader defende o diálogo para o País sair desse impasse e sugeriu ainda criar o que chamou de cartilha didática sobre a regulamentação dos pontos do Marco Legal para facilitar a sua utilização.
O presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, reforçou a importância da presença da academia no eventual encontro com a equipe econômica do governo federal para mostrar a relevância da criação da Medida Provisória. O cientista voltou a defender o protagonismo da ciência, tecnologia e inovação no desenvolvimento do País e reiterou que “uma ponte para o futuro sem ciência, tecnologia e inovação cai na primeira ressaca, a exemplo do desabamento de ciclovia no Rio”. O cientista criticou o fato de o documento Uma Ponte para o Futuro, segundo a qual é baseada a política de Temer, desprezar a ciência.
A diretora de inovação da CNI, Gianna Sagazio, também enalteceu a importância do diálogo com a equipe econômica do governo federal. “É importante informar que sem pesquisa, desenvolvimento, inovação e sem ciência e tecnologia, não existe futuro para o País. As empresas precisam de novas tecnologias e de inovação para avançar”, declarou e citou o processo de desindustrialização que o País enfrenta há décadas.
Exemplificando como os vetos prejudicam o desenvolvimento do País, Sagazio citou o dispositivo que permite a redução e isenção do imposto de importação para execução dos projetos de desenvolvimento, pesquisa e inovação (máquina, aparelhos, equipamentos e partes). Segundo ela, esse veto prejudica as empresas e os 100 institutos de tecnologia e de inovação do Senai ao redor do País.
“Esse veto mantido torna esses custos 100% mais caros, no momento em que vivemos um forte processo de desindustrialização. O setor produtivo, considerando produtiva também a ciência, precisa de estímulos como ocorre em qualquer país desenvolvido. Não se trata somente de arrecadar, mas também de estimular a produção das empresas para que o Estado possa arrecadar e gerar empregos de qualidade”, defendeu.

Bolsas de estudo
A concessão de bolsas é também um dos pontos atingidos pela retirada dos dispositivos da nova legislação. Segundo o secretário de Políticas e Programas de Pesquisa do MCTIC, Jailson Bittencourt de Andrade, os vetos retiraram a possibilidade de alunos de ICTs privadas de receber bolsa de estímulo à inovação. Retiram ainda a previsão da não integração da base de cálculo da contribuição previdenciária das bolsas do âmbito de projetos de estudos específicos, fator que era considerado outro avanço significativo. “Em linhas gerais, os vetos acabaram trazendo insegurança jurídica”, reforçou.
Para Andrade, que é também conselheiro da SBPC, é preciso derrubar os vetos, seja pela Medida Provisória, seja pelo projeto de lei. “O que ganhar a corrida terá o papel vencedor”, brincou.
Orçamento aquém das necessidades
Outros assuntos foram abordados no seminário. Uma deles, a preocupação com a redução drástica do orçamento da pasta de Ciência, Tecnologia e Inovação. Segundo Andrade, além de o orçamento da pasta hoje ser 50% menor do que o de 2013 (que somou R$ 9, 6 bilhões), os recursos hoje são equivalentes ao de 2001. “Houve avanço do sistema, mas o orçamento foi congelado ao nível de 2001”, revelou, defendendo o descontingenciamento do orçamento da pasta.
Os cálculos são de que os valores arrecadados dos fundos setoriais somam R$ 8 bilhões, recursos que nos últimos anos têm sido utilizados pelo Tesouro Nacional para compor a meta do superávit primário – o pagamento do juro da dívida pública.
Para a presidente da SBPC, Helena Nader, o bloqueio do orçamento da pasta também inviabiliza consideravelmente o dinamismo do sistema de CT&I. “Estamos em uma crise de financiamento. Se o Brasil é hoje a 7ª (ou 8ª) economia do mundo temos de reconhecer que isso é por conta da ciência, do aumento da produtividade da soja aumentando a receita”, exemplificou.
O secretário-executivo do MCTIC, Luiz Fernando, disse ser
necessário explorar novas fontes de fomento e criar medidas que possam destravar os investimentos privados para que o País consiga atingir a meta de superar 2% do PIB em 2020, a exemplo do que existe nos países desenvolvidos. Para ele, é preciso melhorar o ambiente regulatório e estimular a inovação. Uma das saídas, de acordo com ele, é a derrubada dos vetos ao Marco Legal da CT&I, que deve trazer estabilidade, segurança jurídica e clareza em sua execução.
“A lei foi um avanço, trouxe novidades, políticas de inovação, dispensa de licitação, participação de pesquisadores em setores empresariais de inovação”, disse.
A presidente da SBPC também demonstrou preocupação com alguns projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional. Um deles é o projeto de lei nº 559/2013, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, originário do Senado e que ameaça o Marco Legal da CT&I.