“O título dessa palestra é uma anti propaganda.” Foi assim que Otávio Velho, professor emérito de antropologia social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), começou sua apresentação “As ciências sociais e suas perspectivas de intervenção de um ponto de vista brasileiro” durante a 68ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
O Acadêmico fez questão de explicitar o propósito de sua fala:”O que eu quero dizer é que estamos vivendo um momento complicado, que constitui um desafio para as ciências sociais”.
Nascido no Rio de Janeiro, Otávio Velho concluiu sua graduação em ciências sociais na Pontifícia Universidade Católica do Rio em 1964 e se titulou mestre em antropologia social na UFRJ em 1970, fazendo parte de uma geração de pesquisadores das áreas de humanidades que pensaram a sociedade brasileira em meio à ditadura militar.
Autor de obras de referência na antropologia brasileira como “Capitalismo autoritário e campesinato”, de 1976, Otávio Velho disse enxergar paralelos entre os estudos feitos naquela época com o atual panorama político e econômico do Brasil. “Nunca fui de refletir muito sobre o passado, mas agora estou vendo que o tempo faz a gente enxergar algumas coisas”, observou o Acadêmico.
Otávio Velho recorda que, antes das décadas de 60 e 70, os trabalhos antropológicos feitos no Brasil tinham um aspecto de ensaios analíticos. Sua geração foi responsável por desenvolver estudos com maior embasamento em pesquisas. Segundo ele, a partir de 1964 se dizia era que de uma democracia o país tornou-se uma ditadura. Mas Velho e seus contemporâneos identificaram elementos autoritários desde antes desse período. “Havia um ambiente favorável ao regime, ele não surgiu do nada.”
“Muitas das características que nós atribuíamos ao regime autoritário não eram exclusivas da ditadura militar. Não enxergávamos o que havia de autoritário em nossa sociedade”, disse Velho. “Eu acho que esse perfil da nossa sociedade está se tornando mais evidente.”
Segundo o antropólogo, o Brasil caminha, desde então, para uma compreensão menos generalista e mais ampla das diferenças regionais e de identificação dos grupos sociais do país e essa mudança na percepção da sociedade gera reações. “A partir do momento que o governo interino fecha ministérios e secretarias voltados para a diversidade racial e de gênero, por exemplo, demonstra a intenção de retornar a uma visão de sociedade muito unitária e muito fechada”, disse Velho.