“O mundo depois do silício” foi o tema do primeiro encontro do Pint of Science realizado no Rio de Janeiro, no dia 23 de maio. Luiz Alberto Oliveira, físico e curador geral do Museu do Amanhã, e Marcela Sabino, diretora do Laboratório de Atividades do Amanhã, falaram sobre física, inovação, novas tecnologias, ciência cidadã e outros assuntos, com um público diversificado e em um ambiente descontraído: o Bar Desacato, no Leblon, zona sul do Rio.
Você sabe o que é um pint?

Pint é uma unidade de volume muito usada nos Estados Unidos e Reino Unido para medir quantidade de bebida. Se você for aos Estados Unidos e pedir um pint, receberá pouco menos que meio litro de sua bebida predileta – 473 ml. Mas se estiver em um pub inglês, seu copo terá 553 ml de cerveja, limonada ou do que mais você quiser beber! Saiba mais assistindo ao vídeo “Você sabe o que é um pint?”
O Pint of Science é um festival internacional de divulgação científica que nasceu na Inglaterra, em 2013, e logo cresceu. A ideia é promover um bate papo informal sobre temas abrangentes entre cientistas e público, enquanto bebem cerveja – ou o que preferirem – no bar. Fugindo do modelo tradicional de palestras em ambientes formais, a troca de conhecimento se torna mais fluente e agradável.
Em 2016, o Pint of Science acontece simultaneamente em 100 cidades de 12 países. No Brasil, são sete, e é a primeira vez do Rio de Janeiro. No Rio, o Pint of Science é organizado pelo Laboratório Em Formação, do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo De Meis da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBqM-UFRJ) e teve o apoio da Euraxess e da Academia Brasileira de Ciências.
A onipresença das novas tecnologias

Luiz Alberto Oliveira falou sobre como miniaturização dos componentes leva à onipresença das novas tecnologias. A afirmação não parece clara à primeira vista, mas o físico explicou. A miniaturização dos componentes torna os artefatos portáteis. Isso individualiza o uso, o que leva à necessidade de massificação da produção.
“A natureza opera segundo três figuras de átomo”, informou Oliveira. Primeiro, os átomos substanciais, hoje encarnados nos elementos químicos da tabela periódica, são a base de nosso entendimento sobre a composição de materiais. Depois, ao se investigar que os átomos não eram indivisíveis e possuíam uma estrutura, veio a ideia do átomo de atividade, ou quantum. E a terceira figura foi a do átomo de organização, o bit. “A Catedral de Chartres e um monte de pedras e vidro não têm diferença em termos de elementos constitutivos, o que muda é a organização”, exemplificou.
Com essas três variedades, afirmou Oliveira, podemos descrever todos os sistemas da natureza. “Com eles, chegamos a geringonças com muitas funcionalidades condensadas, como os celulares que são telefones, câmeras, televisões etc. A tendência é que esses artefatos se tornem invisíveis pela sua onipresença, já que estão em todos os lugares e não se destacam mais. Hoje trazemos o celular no bolso, logo vamos tatuá-lo na pele.”
Fazer ciência: ao alcance de todos

Marcela Sabino abordou o conceito de ciência cidadã e ressaltou a importância de os cientistas trabalharem com isso cada vez mais. “Ao longo de muito tempo, a ciência foi feita em instituições, universidades, e os conhecimentos sempre foram muito fechados. Mas a pessoa em sua própria casa também pode fazer ciência”, ressaltou. Ela acrescentou que, a cada um ou dois anos, a tecnologia dobra a sua capacidade e diminui seu custo em 50%, então o acesso das pessoas à informação e novas ferramentas é cada vez maior, possibilitando a ampliação da ciência cidadã.
Marcela citou exemplos de iniciativas que promovem esse conceito, como o Fold It, um jogo de computador experimental sobre o enrolamento das proteínas, desenvolvido nos Estados Unidos. “Eles usam gamificação e internet para explicar como as proteínas viram estruturas em 3D, que as pessoas não entendem.” Mencionou, também, o Galaxy Zoo: Hubble: “Esse projeto ajuda os astrônomos a entender como as galáxias se formam e evoluem, usando gamificação e internet para que cientistas cidadãos possam ajudar no processo de classificar suas formas”.
Marcela também falou sobre uma exposição em cartaz no Museu do Amanhã chamada “Capte-me – nenhuma presença será ignorada”, que apresenta aquilo que possuímos, porém não vemos: uma aura de dados registrada por múltiplos sistemas, muitas vezes, sem percebermos. “Ela mostra que dados abertos à livre visualização, transparência, colaboração e compartilhamento são a base para uma sociedade mais justa e sustentável.”
“Abordamos o caso de uma câmera de rua que estava apontada para o mar e jovens surfistas viram que através daquela câmera dava para ver as condições das ondas todo dia”, contou. “Então, eles criaram uma empresa em que pegavam as imagens dessas câmeras e disponibilizavam aos surfistas.” Marcela afirmou que, à medida em que democratizarmos o processo de ciência cidadã, serão estimuladas a criatividade, a inovação e a transdisciplinaridade.
E o papo rolou…

No bate papo após a apresentação dos palestrantes, os temas foram amplos: automatização dos serviços, participação das mulheres na ciência e Educação a Distância. Sobre esse último tópico, a pesquisadora visitante do Laboratório Em Formação – grupo do IBqM/UFRJ que trouxe o evento Pint of Science para o Rio de Janeiro – Cristina Maia, doutora nesse tema, afirmou que ensino à distância “é uma coisa bonita porque permite que um jovem do interior do Brasil, que não teria um acesso adequado à educação, estude em Harvard”. Lamentou, no entanto, o fato de as universidades estarem muito atrasadas no processo de adaptação.
A Educação a Distância é uma modalidade mais democrática de educação porque permite acesso a quem tem dificuldade geográfica ou econômica e amplia enormemente o alcance do conhecimento. “No Laboratório Em Formação, a EaD está inserida nas ações educacionais, facilitando o acesso de professores da educação básica e público interessado na formação continuada e nos ajudando a chegar aonde a internet permite”, comentou Cristina. “A EaD é o veículo de maior amplitude de acesso ao conhecimento e às discussões sociais, o que, ideologicamente, pode facilitar a mobilidade social e o empoderamento”, concluiu.
Respondendo a uma pergunta, Luiz Alberto Oliveira falou sobre a influência dos cursos online na evolução do processo educativo.
Segundo ele, um dos grandes dramas contemporâneos é o dos educadores porque, em menos de duas gerações, eles passaram a ver que seus educandos são mais hábeis do que eles próprios no manejo das ferramentas tecnológicas. “A disseminação dos cursos online indica uma erosão do antigo conceito de profissão. Acreditava-se que as pessoas se apossavam de certas habilidades e que as exerceriam ao longo de toda a vida. Agora, com o aumento da longevidade o domínio dessas ferramentas, vamos ter que nos formar a vida inteira, adquirindo as habilidades novas e desadquirindo as antigas – e deseducar é muito difícil.”
Assim, os cursos online são um sintoma desse novo panorama, “dessa vasta reformulação da própria ferramenta de fazer gente, que é a educação”, afirmou Oliveira. “No museu, constatamos que, pela primeira vez, hoje, no século 21, mais de metade da humanidade é letrada.” Dessa metade, disse o palestrante, mais da metade são mulheres. No começo do século 20, o número de mulheres letradas no mundo era ínfimo.
Marcela Sabino fez um adendo ao tema, citando um estudo da Universidade de Oxford que mostrou que 47% dos trabalhos nos Estados Unidos poderão ser feitos por máquinas em menos de duas décadas. “Qualquer trabalho repetitivo é mais fácil de ser automatizado.” Deste modo, é possível observar a imensa transformação psicossocial em curso. Como sintetizou Luiz Alberto Oliveira, “educação é a ferramenta ética chave pela qual vamos poder constituir uma ponte entre o que veio antes de nós e o que virá depois de nós.”
Confira o vídeo completo do primeiro dia do Pint of Science – Rio de Janeiro:

Confira aqui o texto feito pelo jornalista Bernardo Esteves sobre o evento para a revista Piauí na sessão “Esquina”.