Naercio Menezes Filho, Wynne Harlen e Nelio Bizzo

Educação aumenta a cidadania, a produtividade das empresas, a justiça social e, consequentemente, reduz a desigualdade. O Brasil, no entanto, é um dos países mais desiguais do mundo, ficando atrás do Panamá, México, Bolívia, Equador, Peru e Vietnã. As razões para isso e outros aspectos relacionados a educação foram tema de debate na Reunião Magna comemorativa do centenário da Academia Brasileira de Ciências (ABC), realizada entre 4 e 6 de maio no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.

O Acadêmico e economista Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, afirmou que nossa desigualdade se deve, em parte, ao baixo investimento em educação no século 20. Em 1900, a taxa de analfabetismo, do Brasil era igual à da Espanha, ficando estagnada até 1920, quando começou a cair, mas num ritmo mais lento que a taxa espanhola e até mesmo a argentina. “Nos ensinos médio e superior, de 1940 a 1970 o Brasil aumentou pouco a quantidade de alunos. O acesso ao ensino superior é restrito aos mais ricos desde 1960.”

Taxas de analfabetismo de quatro países ao longo dos anos


Um país atrasado

Apenas a partir dos anos 90, o número de pessoas com nível médio completo aos 22 anos de idade passou de 15% pra 40%. “O que os Estados Unidos fizeram no início do século 20, nós fizemos em 1990”, informou Menezes Filho. Já a educação superior chegou a somente 5% da população. “A produtividade do país está estagnada desde 1980, mesmo aumentando a escolaridade. Na verdade, tivemos até uma leve queda na produtividade.” Segundo o palestrante, falta concorrência, pois o Brasil está cada vez mais fechado para novas empresas e produtos. Ou seja, para crescer, é preciso comprar insumos de fora, cada vez mais caros.
Segundo Menezes Filho, é importante que o capital humano se traduza em produtividade para o país, mas a baixa qualidade da educação dificulta isso. “O PISA [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes] mostra esses fatos. Dos estudantes de 15 anos, 60% estão abaixo do nível básico, e grande parte dos professores também está nessa faixa. Daí vem a dificuldade de alavancar a educação no Brasil.”
Influência da família e o exemplo de Sobral

Não é só uma questão de colocar mais recursos na educação. Se a maneira como os recursos são aplicados não for modificada, não conseguiremos melhorar a qualidade. “O retorno econômico de se investir um real nos primeiros anos de vida é muito maior do que se investir depois. A educação deve começar cedo”, destacou Menezes Filho.
O economista citou o exemplo da cidade de Sobral, no Ceará, que, em 2005, saiu de uma nota 4 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que é a média do Brasil, para a nota 8, em 2013, ultrapassando até mesmo escolas privadas de São Paulo e países da OCDE. “Foi um salto enorme na educação em um curto espaço de tempo.” O que o município fez foi focar no desenvolvimento da primeira infância, ou seja, investiu nos primeiros anos de aprendizado e na alfabetização. Não houve nenhum aumento substancial de gastos, mas melhora na gestão, com os professores e diretores sendo responsáveis pelo sucesso ou fracasso de seus alunos.
Um fator a se considerar é que, se a criança vem de uma família que tem um boa escolaridade, ela terá muito mais facilidade de também tê-la. Dos filhos que nascem de mães com zero a quatro anos de escolaridade, 81% repetem de ano, e 60% estão fora da escola aos 18 anos. Já no caso dos filhos cujas mães tem 12 anos ou mais de escolaridade, metade entra no ensino superior, contra 2% dos filhos de mães com até quatro anos de estudo.
O interesse dos alunos por ciência

Nélio Bizzo, professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em educação, mostrou resultados curiosos de pesquisas sobre o que os estudantes pensam e sentem em relação à ciência. O que se observa no Brasil e no mundo é que, em locais menos desenvolvidos, os jovens costumam gostar mais de ciência do que em lugares mais desenvolvidos. Por isso, em países africanos os estudantes têm muito interesse por essa área, enquanto países escandivavos tem altos índices de discordância a afirmações como “eu gosto de ciência” e “eu gosto das disciplinas de ciências mais do que as outras”, método usado nas pesquisas.
No Brasil, em estudo feito em 2007 com jovens de 15 anos, quando se perguntou ao estudante se ele gostaria de ser um cientista, houve pouca discordância em Tangará da Serra, pequeno município do Mato Grosso, e alta em São Caetano do Sul, cidade com o melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, que faz parte do Grande ABC paulista. O mesmo no caso da afirmação “eu gostaria de trabalhar no setor de tecnologia”.
Em pesquisa feita em 2010, ao serem perguntados sobre se gostariam de ter um emprego em ciência e tecnologia, a concordância dos estudantes foi maior em regiões pouco industrializadas e baixa no Sudeste. No caso da pergunta sobre se gostariam de ser cientistas, a aversão foi grande em todas as regiões do Brasil, mas em locais mais industrializados, com universidades, a discordância é maior.
Estudantes não querem ser cientistas

O estudo foi repetido em 2014 para avaliar a evolução desse interesse dos jovens por ciência – e o resultado foi surpreendente. A concordância aumentou, em alguns casos consideravelmente, para algumas afirmações: “o que eu aprendo nas aulas de ciências é útil na minha vida”; “as aulas de ciência estimulam a minha curiosidade”; “a ciência que eu aprendo na escola me ajuda a cuidar da minha saude”; “todo mundo deveria aprender ciência na escola”; “eu acho que a ciência que eu aprendo irá aumentar minhas oportunidades no mercado de trabalho”; “minhas aulas de ciência me fizeram admirar a natureza”.
Entre 2007 e 2010, havia aumentado a concordância no caso da afirmação “eu gostaria de ter um emprego em ciência e tecnologia”, mas de 2010 a 2014, os jovens voltaram a discordar mais dela. No entanto, a maior surpresa se deu diante da afirmação “eu gostaria de ser um cientista”: a discordância dos jovens, que já era alta em 2007, aumentou consideravelmente. “Ficou difícil de compreender a lógica”, disse Bizzo, já que a visão dos estudantes em relação a vários aspectos da ciência melhorou – como foi possivel observar no aumento da concordância com as outras afirmações – mas o interesse deles em serem cientistas diminuiu.
“A primeira explicação seria que alguma experiência negativa em ciências na escola motivaria esse desinteresse em ser cientista, mas vimos que não é isso, e sim alguma outra coisa”, ressaltou Bizzo. Outro ponto curioso foi que, em relação à afirmação “ciência e tecnologia vão encontrar a cura para a AIDS e o câncer”, a concordância é elevada e vem subindo. Mas, no caso de “eu quero aprender mais sobre AIDS e como evitá-la”, houve um declínio vertiginoso de concordância entre 2010 e 2014. Não por acaso, dados de 2014 mostraram que os casos de AIDS entre jovens no
Brasil aumentaram em 50%. Ou seja, existe uma falsa impressão de que a AIDS está sob controle.
Outro problema foi a discordância no caso da afirmação “ciência e tecnologia ajudam os mais pobres “, que já existia e aumentou. O mesmo aconteceu no caso de “podemos sempre acreditar no que os cientistas dizem”.
IBSE – uma forma de mudar a educação

A britânica Wynne Harlen, especialista em educação científica, falou sobre o ensino de ciências baseado na investigação empírica (IBSE, na sigla em inglês) e suas implicações na pedagogia, no desenho de currículos e na avaliação de estudantes. Segundo a palestrante, em todos os países a ideia da educação com base na investigação por parte dos estudantes está sendo cada vez mais abraçada.
O ensino de ciências baseado na investigação é importante, informou Harlen, porque permite que os alunos possam desenvolver a compreensão de ideias fundamentais da ciência e da atividade científica e suas aplicações e relação com outras disciplinas, particularmente tecnologia, engenharia e matemática. “Ele dá a capacidade aos alunos de tomar decisões, como cidadãos responsáveis, sobre os problemas que afetam a vida pessoal e da sociedade – por exemplo, mudanças climáticas e degradação ambiental”, afirmou.
No IBSE, o entendimento é criado pelos próprios alunos por meio de sua atividade mental e física. “Criando links para ideias existentes, eles são levados à reconstrução e o desenvolvimento de novas ideias”, comentou Harlen.
O método envolve a coleta e uso de evidências para testar previsões baseadas nas ideias iniciais. Os estudantes trabalham em grupos, exploram e manipulam materiais físicos, constroem suas próprias experiências, levantam questões, comunicam suas ideias, ouvem as dos outros e argumentam com base na evidência.”O princípio não é aquisição de conhecimentos, mas geração de conhecimentos”, apontou a britânica.