Como explicar um conceito científico complexo, como os conjuntos infinitos, em apenas 3 minutos? Isso para um público não especializado, usando apenas a voz e gestos, sem nenhum recurso de imagem e som. E sem Power Point.
O matemático Jackson Itikawa conseguiu e se tornou o primeiro vencedor da edição brasileira de uma das maiores competições de comunicação científica no mundo, o FameLab. Realizado pela primeira vez no Brasil pelo Conselho Britânico em parceria com a Fapesp, o evento teve final no dia 11 de maio, em São Paulo.
Perguntado por um dos jurados como explicaria para o público leigo por que a pesquisa teórica é tão importante quanto a pesquisa prática, Itikawa respondeu que é porque a primeira permite enxergar o mundo de outra forma, que chega até mesmo a ser mais bonita.
“Um dos grandes propósitos da humanidade quando criou as artes foi enxergar o mundo de uma maneira que não é a usual. E, quando se faz pesquisa teórica, como em Matemática, temos a grande oportunidade não só de aprender ciência, como a de enxergar o mundo com outros olhos”, disse.
Para explicar o conceito dos conjuntos infinitos, elaborado pelo matemático russo Georg Ferdinand Ludwig Philipp Cantor (1845-1918), Itikawa usou a analogia do paradoxo do Hotel de Hilbert – um experimento mental matemático sobre conjuntos infinitos apresentado pelo matemático alemão David Hilbert (1862-1943), que imaginou um hotel com infinitos quartos que, mesmo todos ocupados, sempre restaria um para um novo hóspede.
Isso seria possível ao mover os hóspedes para outros quartos com números correspondentes ao dobro do que estavam. Dessa forma teriam infinitos quartos livres no hotel, que seriam os de números ímpares, imaginou Hilbert.
“A partir dessa teoria de conjuntos infinitos foram desenvolvidas outras teorias matemáticas, que afetam a Física quântica e a Filosofia, por exemplo. Quando Cantor mostrou que existem infinitos maiores que outros – como o infinito dos números reais, que é maior do que o infinito dos números naturais – houve um questionamento inclusive na religião, na época, que passou a se perguntar o quão infinito pode ser Deus”, explicou Itikawa, que realiza pós-doutorado no Instituto de Ciências Matemáticas e Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos, com Bolsa da FAPESP – projeto “Centros uniformes isócronos em sistemas diferenciais polinomiais planares de grau 5”.
Itikawa representará o Brasil na final mundial do FameLab, prevista para ocorrer entre os dias 12 e 16 de junho durante o Festival de Ciência de Cheltenham, na Inglaterra. A final reunirá 32 concorrentes, ganhadores das etapas da competição em diversos países.
“O FameLab atende um dos objetivos da Fapesp que, além de apoiar as melhores pesquisas científicas e tecnológicas realizadas no Estado de São Paulo, também tem a preocupação de criar oportunidades para que essas pesquisas sejam comunicadas ao público em geral”, disse o Acadêmico Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fapesp, na abertura da final brasileira.
Lançado em 2004 com o Festival de Ciência de Cheltenham, o FameLab tem como objetivos incentivar o desenvolvimento de competências de comunicação entre pesquisadores e promover o engajamento público em ciência.
A ideia da competição é que, ao estimular os participantes a se envolver com o público, eles têm a oportunidade de promover suas carreiras, abrir futuras possibilidades de cooperação e contribuir para derrubar barreiras de comunicação entre a ciência e a sociedade.
“Tirar os pesquisadores de suas caixas – que muitas vezes pensam que, por serem especialistas acadêmicos, não precisam se comunicar – é muito importante para que possam mostrar o que fazem de uma forma interessante, atingindo públicos diferentes e adequando a mensagem para cada um deles”, disse Eric Klug, vice-diretor do Conselho Britânico em São Paulo, na abertura do evento.
Os objetivos do FameLab são tanto melhorar as habilidades de comunicação dos pesquisadores, como torná-los bons divulgadores de ciência, explicou Fernanda Medeiros, diretora-adjunta de educação do Conselho Britânico.
“A comunicação da ciência é fundamental hoje até para justificar os investimentos em pesquisa. Por isso, muito países vêm solicitando que seus pesquisadores melhorem suas habilidades nesse campo para que o público consiga entender a importância do trabalho que realizam e atrair futuros talentos para a área”, disse Medeiros.
Ela contou que a ideia de realizar uma edição no Brasil do FameLab surgiu a partir da constatação de que não havia no país nenhuma iniciativa voltada a treinar especificamente as habilidades de comunicação científica oral de pesquisadores brasileiros e em razão do aumento da visibilidade da ciência produzida no país.
“A ciência no Brasil vem crescendo e ganhando maior reconhecimento internacional por meio do aumento de parcerias e acordos de cooperações com universidades e instituições de pesquisa do Reino Unido. Identificamos que era um momento muito oportuno para trazer o FameLab para o Brasil”, disse Medeiros.
Processo de seleção
A fim de selecionar os participantes da edição brasileira da competição, a Fapesp e o Conselho Britânico lançaram em março deste ano uma chamada de propostas voltada a estudantes de mestrado, doutorado, doutorado direto e pós-doutorado, com Bolsa da Fundação vigente até 30 de junho, nas áreas de Ciências da Vida, Exatas e Engenharias, e fluentes em português e inglês.
Os candidatos foram desafiados a fazer apresentações em vídeo, em português e inglês, com duração de 3 minutos cada, sobre um tópico de ciência ou tecnologia sem usar recursos de edição ou efeitos especiais.
Um comitê, formado por pesquisadores, especialistas em comunicação e jornalistas, indicados pela Fapesp e pelo Conselho Britânico, selecionou nove candidatos com base no conteúdo, na clareza e carisma dos candidatos demonstrados nos vídeos.
Os finalistas participaram de um treinamento intensivo, em inglês, na Fapesp, nos dias 9 e 10 de maio, com o especialista britânico Malcolm Love, responsável pelos treinamentos em comunicação científica do FameLab em diversos países, para prepará-los para a final, realizada na sede do Conselho Britânico, em São Paulo.
Professor da University of the West of England (UWE) e produtor e apresentador de programas de rádio e TV em emissoras como a BBC, Love realizou uma série de exercícios com os participantes durante os dois dias do treinamento para melhorar suas habilidades de comunicação oral e ajudá-los a encarar a plateia na apresentação final.
“O FameLab é um exercício muito interessante para os pesquisadores porque os encoraja a encarar o público de frente”, disse Love, que foi um dos fundadores do Festival de Ciência de Cheltenham.
Algumas das dicas que o especialista deu para os finalistas da competição foi explorar a linguagem corporal e “falar mais com menos palavras”, ao usar analogias que estimulem a imaginação do público.
As dicas foram l
evadas à risca por Itikawa, que ganhou a competição tanto pelo voto do público como do júri, composto por Flávia Rodrigues, professora e treinadora do programa Research Connect do Conselho Britânico; Henrique Pereira, vencedor na categoria empreendedorismo este ano do prêmio Education UK Alumni Awards, concedido pelo Conselho Britânico em parceria com instituições de ensino superior britânicas; Julia Knights, primeira-secretária e diretora de ciência e inovação da Embaixada Britânica em Brasília; Mayana Zatz, professora do Instituto de Biociências da USP e coordenadora do Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco (CEH-CEL) – um dos Cepids apoiados pela Fapesp; e a jornalista Mônica Teixeira, coordenadora do Núcleo de Divulgação Científica da USP.
O vencedor do FameLab Brasil foi anunciado por Joanna Crellin, consulesa-geral do Reino Unido em São Paulo.
Mais informações sobre o FameLab Brasil aqui.