A Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) realizou, no dia 16 de março, uma audiência pública para discutir a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 19/2016, que prevê a redução em 50% do repasse da receita do estado para a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
Foram convidados pela comissão para representar a Faperj, com direito de fala na audiência, o presidente da instituição, Augusto Raupp; o seu diretor científico, o Acadêmico Jerson Lima Silva, e a diretora de Tecnologia, a Acadêmica Eliete Bouskela. Também tiveram espaço na tribuna o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Jacob Palis; a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciências (SBPC), a Acadêmica Helena Nader; o reitor da Uerj, Ruy Garcia Marques (que presidiu a Faperj); o diretor da Fundação Oswaldo Cruz, Wilson Savino, além de outros representantes de instituições científica do estado e integrantes dos coletivos de bolsistas e pós-graduandos financiados pela Faperj.
Outras pessoas ligadas à pesquisa no Rio de Janeiro também estiveram presentes, como os Acadêmicos Débora Foguel, Luiz Davidovich, Antonio Paes de Carvalho, Vitor Francisco Ferreira e Adalberto Vieyra; o professor do Instituto de Física da UFRJ e vice-presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira e os membros afiliados da ABC Stevens Rehen e Pierre Mothé, no período 2008-2012, e Emiliano Medei, no período 2011-2015 .
Bolsistas e integrantes de grupos de pesquisa financiados pela Faperj também compareceram à sessão. O presidente da Comissão de Educação, o deputado Comte Bittencourt (PPS/RJ), permitiu a entrada de parte dos estudantes, que se sentaram no chão da sala 316 do Palácio Tiradentes, onde foi realizada a audiência. Os demais foram encaminhados a outras salas, a pedido do deputado Marcelo Freixo (PSOL/RJ), onde acompanharam a audiência em TVs.
Em sua fala durante a sessão, Jerson Lima Silva disse que os alunos mereciam uma homenagem, pois eram quem, de fato, tocavam os projetos financiados pela Faperj. “Esses jovens estão protestando, mas eles vão embora do Rio de Janeiro, se não houver dinheiro para suas pesquisas, e nós não queremos isso”.
Atualmente, a Faperj financia mais de 3 mil projetos e oferece bolsas a aproximadamente 5 mil pesquisadores e é uma das responsáveis pelo bom desempenho das universidades cariocas no ranking nacional. De acordo com dados divulgados pelo presidente Augusto Raupp, o Rio de Janeiro tem quatro universidades entre as principais do país e é responsável por aproximadamente 20% da produção científica nacional.
Raupp lembrou a importância da Faperj no financiamento a novas iniciativas empresariais, com o lançamento de editais para pequenas empresas. “Não estou falando de grandes empresas recebendo recursos, estou falando de start ups“, apontou. “Em tempos de crise, o empreendedorismo se desenvolve”, afirmou.
Helena Nader, presidente da SBPC, disse considerar a PEC uma “aberração”. “Se a cada crise orçamentária, muda-se a Carta Magna de um estado, há um problema com a nossa democracia”, criticou.
A PEC 19/2016, assinada pelo Poder Executivo do estado, representado pelo governador Luiz Fernando Pezão, propõe o acréscimo do artigo 93 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da atual Constituição fluminense, que irá diminuir o repasse de 2% da arrecadação do estado para a Faperj – estipulado em 2007 – para 1%, significando uma redução de até R$ 200 milhões.
O reitor da Uerj, Ruy Garcia Marques, recordou quando a porcentagem de 2% da arrecadação foi aprovada. “A média de recursos da Faperj era de R$ 90 milhões entre 2000 e 2006. No mesmo ano de 2007, esse orçamento saltou para 200 milhões”. Até 2014, com esse novo repasse, a Faperj lançou 250 editais e investiu cerca de R$ 2 bilhões em pesquisas científicas e tecnológicas. “Garantiu aos empreendedores a previsibilidade necessária para seus investimentos”, disse Garcia. “Falar em cortar o orçamento da Faperj é correr o risco de jogar fora todo o trabalho feito por essa instituição”, declarou.
Diretora de Tecnologia da Faperj e Acadêmica, Eliete Bouskela lembrou a importância da previsibilidade quando se fazem investimentos e que a ameaça de corte orçamentário prejudica esse planejamento. “A Faperj tem o projeto Tecnova [de fomento a pequenas empresas] e os investidores não sabem se podem continuar”, lembrou.
“Achei que nunca mais discutiríamos isso no Brasil [o corte de verbas] e sim o contrário, o aumento de investimento em C,T&I”, declarou Bouskela. “Quando os senhores forem discutir [a PEC], lembrem-se de que a construção é difícil, mas o desmonte é muito rápido”, finalizou.
Jacob Palis também lembrou a preocupação de outros países em investir em ciência e tecnologia mesmo em momentos de crise. “Numa ocasião de crise nos Estados Unidos, o presidente Obama disse: essa é a hora de investir mais em ciência e tecnologia, porque esse é o caminho do futuro. O presidente da China disse o mesmo. Esses dois países investem mais de 2% em ciência e tecnologia. Então deveríamos aproveitar essa situação de crise e olhar para o futuro. Não deveríamos reduzir para 1%, e sim aumentar para 4%. Esse é o caminho se quisermos chegar ao patamar desses países que eu citei.”
Pierre Mothé relembrou que a determinação de 2% da arrecadação para a Faperj foi central para o desenvolvimento da pesquisa no estado. “O primeiro fármaco genuinamente desenvolvido no país foi aqui no Rio de Janeiro e a Faperj teve muito a ver com isso; se perdermos esse investimento, serão amputadas logo as duas pernas da ciência brasileira”, opinou. “A gente consegue ter uma competitividade parecida com São Paulo e com muito menos dinheiro. Sem isso, vai ter fuga de cérebros – já está tendo”, completou.
Representando o Governo do Estado, o subsecretário de Educação Profissional e Ensino Superior da Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia (SECT), Alexandre Tande Vieira, afirmou que há uma divisão dentro do governo em relação à PEC. “Ficaram de um lado alguns secretários contra o corte e, de outro, os técnicos da Fazenda dizendo que é uma medida fundamental para o ajuste fiscal do estado”, explicou.
Por não conseguir solucionar o impasse, segundo Vieira, o governador encaminhou a proposta à votação dos deputados, reconhecendo a Assembleia como uma casa soberana e representante do povo.
Sobre as bolsas, Tande Vieira pediu desculpas aos pós-graduandos presentes e disse que o pagamento das bolsas de fevereiro seria realizado o mais rapidamente o possível. No mesmo dia da audiência, o site da Faperj anunciou que o pagamento seria efetuado no dia 18 de março.
O pagamento das bolsas é feito pela Secretaria da Fazenda e realizado ao fim de cada mês de exercício das atividades dos pesquisadores. O valor total é de a
proximadamente R$ 9 milhões – segundo Tande Vieira, um total irrisório perto da arrecadação do estado.
Vieira relatou que, em janeiro, com o agravamento da crise, o pagamento das bolsas começou a atrasar, pois a Fazenda não o considerava como o pagamento de servidores, mas como “apoio a pesquisa” ou “pagamento de fornecedores”.
“No primeiro momento, esse foi o nosso grande desafio”, disse Tande. “O pagamento de bolsas é pagamento de salário, as pessoas precisam disso”.
Esse critério foi alterado, já com um mês de atraso das bolsas, que serão pagas em julho ou agosto, segundo o subsecretário. Em março, o pagamento das bolsas de fevereiro sofreu um novo atraso, causado por problemas no sistema de dados do governo, já solucionado.
Tande disse que a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro se posicionará pela retirada da proposta. Se isso não for aceito, o coordenador da Comissão de Educação Comte Bittencourt declarou que fará outra audiência pública às vésperas da votação, que ainda não tem data definida.