Em artigo publicado no mês de janeiro no Jornal do Commercio online, Francisco Cesar de Sá Barreto, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), comentou o VI Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para os anos de 2011 a 2020.

Presidente da Comissão Nacional que elaborou o documento, o Acadêmico identifica alguns pontos que dão continuidade ao quinto plano, como a priorização da inclusão social.
Entre os principais pontos do texto destacados pelo pesquisador estão o estímulo à formação de redes de pesquisa; a ênfase em questões ambientais, saúde e educação e a atenção às gerações atuais de crianças e jovens.
Leia o texto na íntegra abaixo:
“O que acrescentaria ou complementaria ao PNPG 2011-2020 neste momento de 50 anos da Pós-Graduação no país” (*). F.C.Sá Barreto.
O quadro em que se inscreve o sexto plano tem como fundo os planos anteriores, os legados históricos, o momento atual do país, os desafios que despontam e os grandes gargalos que nos ameaçam.
Vivemos num país que cultua o jeitinho e descrê de planos e ações concertadas. Trata-se, sem dúvida, de um caldo de cultura que não favorece ações como as ensejadas aqui, e de um país de mercadores e de predadores, não exatamente de inovadores e provedores. Por isso, de nada serviriam as ações de governos e os planos como os da CAPES, que dependem da sociedade e dos indivíduos.
Poderia ser arguido e levantado contra a CAPES e seus planos, dizendo que se alguma coisa deu certo não é por sua causa, mas malgrado eles, em razão da dinâmica do sistema e de um esforço coletivo que vão além dos governos e das agências. Contudo, só um desalmado não reconheceria que a CAPES e seus planos, com todas as suas distorções, abriram o caminho e protagonizaram uma mudança profunda no conjunto da educação brasileira, ao criar o Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG). E o que é importante: num curto espaço de cinquenta anos e numa instituição como a universidade, que está habituada a medir suas ações e seus resultados com parâmetros mais dilatados, lastreados na cultura, nos laboratórios e no ethos.
Muitas propostas dão continuidade ao quinto plano e continuam válidas, como o combate às assimetrias, a ênfase na inclusão social e a busca da internacionalização. Não faltaram inflexões importantes na avaliação e nas ações estratégicas, lastreadas pela proposta de criação de uma Agenda Nacional de Pesquisas, em parceria com o CNPq, a FINEP e as FAPs. Além do êxito e do sucesso, o fracasso e a meia-vitória estão inscritos no horizonte da ação e dos planos, e todo cuidado será pouco. Assim, junto com a esperança e o otimismo, não escondemos nossos temor e reservas, visto que somos os primeiros a reconhecer que o país está mal preparado, poderá fechar a janela da oportunidade e mais uma vez perder o bonde da história. Isto, não por causa dos planos ou por falta deles, que não estão em jogo, mas por causa de incúria política dos governantes e de nossos legados históricos, que são pesados e incontornáveis, podendo trancar a perspectiva que se entreabria.
Se faz bem para a nossa autoestima a ideia de que Deus nos abençoou e a natureza nos brindou com recursos naturais invejáveis, em contrapartida sabemos que somos pouco operosos; e um passado colonial e mesmo pós-colonial por demais cruel deixou o nosso povo despreparado. O resultado é conhecido e avassalador: os déficits em recursos humanos, os gargalos imensos no sistema de ensino e os gaps culturais profundos do brasileiro médio, tanto das elites quanto do povo, agravados pela corrupção endêmica, nunca punida no meio político, solapando a confiança nas instituições e condenando o futuro da nação.
À vista disso, o Plano definiu as seguintes diretrizes a serem observadas, implementadas por ações específicas e induzidas, e definidas pelos governos e comunidade:
• Estímulo à formação de redes de pesquisa e pós-graduação, na fronteira do conhecimento, com vistas à descoberta do novo e do inédito.• Ênfase nas questões ambientais, buscando o desenvolvimento sustentável e o uso de tecnologias limpas.
• Garantia de apoio ao crescimento inercial do SNPG.
• Atenção às atuais gerações de crianças e jovens.
• Ações voltadas para o ensino básico e superior, com a participação da pós-graduação nas áreas de saúde e educação.

Uma das urgências é vencer o grave déficit de cultura de inovação que atinge o empresariado nacional e a universidade brasileira, resultando em nossa dificuldade secular de transformar ciência em tecnologia, cujo sinal mais evidente é a nossa indigência em patentes.
No Brasil, há aulas demais e pesquisas de menos. Na pesquisa, o taylorismo campeia e levou ao triunfo da quantidade sobre a qualidade. Prevalece o ensino da imitação, e a pesquisa está estacionada no eixo da incrementação, de modo que todo o esforço a ser feito deverá justamente passar para o espaço de três dimensões, fazendo aparecer a coordenada da criação, para deixarmos de ser um país meramente consumidor e difusor de C&T, e passarmos a ser produtor e criador (ver gráficos: 1,0 é o impacto médio mundial).
Passados quase seis anos, ainda na espera de maiores resultados, nossa convicção é de que o Programa Nacional de Pós-Graduação (PNPG) fez o diagnóstico certo e propôs as medidas adequadas; porém, quem fez o Plano não tem o poder de executá-lo. O sucesso ou o fracasso do sexto PNPG dependerá de sua capacidade de atrair ou não a comunidade acadêmica e a sociedade civil organizada. Fincado num ambiente mais favorável, o Plano, com a nossa ajuda, descerá das prateleiras, servirá de guia para as ações e poderá converter-se em realidade, tendo ainda quatro anos pela frente ou oito, para se adequar ao PNE.
Em 3 de dezembro o parecer CFE 977/1965 completou 50 anos e há motivos para comemorarmos. Há 51 anos, disse o poeta Thiago de Mello, em seu “Estatuto do Homem” “Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras. O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.”
… E, portanto, muito ainda falta para comemorarmos.