A Academia Brasileira de Ciências (ABC) recebeu, entre os dias 4 e 5 de novembro, a 18ª Conferência para Jovens Cientistas organizada pelo Escritório Regional para a América Latina e o Caribe (ROLAC, na sigla em inglês) da Academia Mundial de Ciências para o Avanço da Ciência nos Países em Desenvolvimento (TWAS) com o tema “Cross-Talk of Biology with other Sciences” (“Diálogo da Biologia com Outras Ciências”).
O evento recebeu 18 jovens pesquisadores da América Latina e do Caribe para apresentarem trabalhos interdisciplinares envolvendo a biologia.
As apresentações foram agrupadas, de acordo com os temas, em seis mesas mediadas pelos coordenadores do evento, os Acadêmicos Vivaldo Moura Neto, coordenador da TWAS-ROLAC; Débora Foguel, professora do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e Flávia Gomes, membro afiliado da ABC e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Morfológicas do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ.
Além dessas mesas, o evento teve palestras de Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho, membro titular da ABC e diretor de Inovação e Tecnologia do Inmetro, sobre a participação do Brasil na bioeconomia; do também Acadêmico Jorge Elias Kalil Filho, que falou sobre o desenvolvimento de vacinas contra a dengue no Brasil, e do presidente da Academia de Ciências da América Latina (ACAL), o venezuelano Claudio Bifano, que falou sobre educação.
Temas tratados
Na primeira mesa “Intersecções entre biologia, matemática e física”, o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) de Rio Claro, Sebastião Pratavieira, falou sobre o uso da luz no diagnóstico de doenças, principalmente o câncer. Pratavieira trabalha no laboratório de biofotônica no Instituto de Física da USP e se dedica, com sua equipe, a desenvolver tecnologias mais eficientes para que os diagnósticos de câncer sejam feitos mais rapidamente.
Entretanto, segundo o cientista, nem todas as aplicações já descobertas no laboratório são acessíveis atualmente. “O que a gente busca é desenvolver novas tecnologias, que estarão disponíveis em áreas remotas, que é o que chamamos de dispositivos Point of Care. Uma das tecnologias que a gente desenvolve são sistemas simples que, por exemplo, utilizam smartphones para fazer o diagnóstico. O médico faz uma imagem, tradicional, depois uma imagem de microscopia de fluorescência, sempre utilizando o celular e, com isso, ele pode dar um diagnóstico mais rápido, fazendo com que o tratamento tenha chance maior de sucesso”, explicou.
“Lá no meu grupo em São Carlos eu sou feliz, também por trabalhar com biólogos, farmacêuticos, dentistas. Lá, esse diálogo já acontece há algum tempo e sempre com esse objetivo, de a gente resolver um problema da sociedade. E cada um contribui com a sua área de conhecimento”, disse Pratavieira. “O biólogo vai saber mais de uma parte; o médico, o dermatologista, de outra. “
Também na primeira mesa do evento, a física cubana Karina García Martinez comentou sua pesquisa desenvolvendo fórmulas matemáticas para resolver problemas lógicos em diálogo com a biologia e a física. “É melhor estudar processos biológicos, associando o resultado com outras ciências, pois isso cria novos pontos de vista do mesmo fenômeno”, avaliou.
Prêmio para jovem pesquisador
Condecorado com o prêmio da TWAS para Jovens Pesquisadores por seu trabalho, o estatístico português Miguel de Carvalho, hoje na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), explicou que o diálogo com a biologia está no gene da área à qual se dedica atualmente. “Trabalho com métodos de matemática aplicada e dados de risco, essencialmente para avaliar problemas que tenham uma probabilidade muito pequena de acontecer, mas que podem ter consequências muito graves”, explicou Carvalho. “Alguns destes métodos foram desenvolvidos inicialmente por pessoas como Sir Ronald Fischer, que também tinha pesquisa em biologia, então acaba por ser surpreendente ver estes pontos de contato em termos até históricos”, divagou.
Interfaces da neurociência
Na primeira mesa do segundo dia de evento, a maior de toda a conferência, com seis palestrantes, o tema principal foi “Neurociência e sua Interface com Computação, Física e Química”. Nesta sessão, o pesquisador Bruno Pontes apresentou seu trabalho sobre a influência da membrana plasmática nas funções da célula. “O estudo é sobre duas propriedades físicas da membrana: uma delas é a resistência da membrana a dobrar e outra é o fato dela resistir à força protrusiva. ” Essa força “protrusiva”, explicou o professor, é o impulso dado pelo citoesqueleto para que a célula se movimente. Esse impulso é resistido pela membra plasmática. “No nosso caso, imagina que a membrana seja o ar, que a gente tem que vencer a barreira do ar para ir para frente”, exemplificou. “Já no caso da célula, a membrana, que está cobrindo-a, vai oferecer uma resistência.”
Ainda na mesma mesa, o membro afiliado da ABC Marcelo Farina falou sobre os efeitos tóxicos do metil mercúrio no organismo humano. Presente em muitas formas no meio ambiente, o mercúrio é encontrado na atmosfera em sua forma elementar e nos rios, em sua forma inorgânica. Porém, no meio aquático, o mercúrio pode se associar a uma molécula de metil, tornando-se o metil mercúrio, uma forma orgânica e tóxica. “O pequeno peixe que come o plâncton é exposto ao mercúrio. Um peixe um pouco maior vai ter mais mercúrio e o ser humano, quando ingere este tipo de peixe, está se expondo de forma exagerada, acentuada, ao metil mercúrio”, explicou o professor. “Em alguns estudos, investigamos compostos que podem antagonizar os efeitos tóxicos do mercúrio, na busca por antídotos que possam ser utilizados para amenizar o efeito do toxicante que é o mercúrio. “
Os novos desafios da ciência
Além de tentar descobrir as leis básicas que regem a vida e o mundo, a ciência é fundamental para resolver os impasses do cotidiano. Desde a criação de ferramentas que nos auxiliam em nossas atividades diárias até a avaliação de risco de obras que podem trazer consequências naturais e sociais, os pesquisadores se d
edicam, por meio de estudos, cálculos e experimentos, a antecipar acontecimentos e solucionar questões com base na evidência científica.
edicam, por meio de estudos, cálculos e experimentos, a antecipar acontecimentos e solucionar questões com base na evidência científica.
E em um mundo globalizado, bastante populoso e com áreas de grande densidade demográfica, os problemas tendem a ser mais complexos e, para isso, os cientistas não podem ater-se somente a uma área, precisam ter a capacidade de olhar as questões partindo dos diversos ramos do conhecimento.
“Não é incomum você ter físicos, químicos, matemáticos, gente de ciência da computação, biólogos, trabalhando todos no mesmo projeto. Isso é cada vez mais comum”, disse o Acadêmico Carlos Aragão. “Áreas como nanotecnologia e biotecnologia são, quase que naturalmente, áreas de interface, onde essas competências vêm se somar para dar conta de problemas cada vez mais complexos. “
A professora Débora Foguel opina no mesmo sentido. “Os problemas que nós temos que enfrentar não serão resolvidos por um único especialista, visão, conhecimento ou abordagem. Eu acho que a solução para os maiores problemas que a humanidade enfrenta certamente vai nascer da interface, da interseção entre os saberes. Então, promover o encontro dos jovens, o encontro das disciplinas foi uma decisão muito bacana que tivemos nesse encontro da TWAS-ROLAC.”