O mediador, professor Patrício Langa, ao lado dos pesquisadores:
professor Michael Cross e professora Maria Helena Magalhães.
Um dos países enquadrados no bloco dos emergentes, os BRICS (que também inclui Brasil, Rússia, Índia e China), a África do Sul começou a ganhar destaque em diversas áreas a partir da década de 1990, com o fim do regime do apartheid. Na pesquisa científica, não foi diferente. O investimento nas universidades cresceu, assim como a autonomia delas, e foram ampliados os programas de acreditação, ou seja, avaliação para investimentos em projetos de pesquisa desenvolvidos nas instituições acadêmicas.
Esse foi o tema discutido no painel “Avaliações e Garantia de Qualidade no Ensino Superior”, parte do evento “Higher Education Policies in Developing Countries” (Políticas de Ensino Superior nos Países em Desenvolvimento), promovido pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), sob organização do Acadêmico Simon Schwartman. O evento também foi palco do lançamento do livro homônimo produzido pelo sociólogo, com textos de pesquisadores do mundo todo.
Na mesa, mediada pelo professor da Universidade de Moçambique, Patrício Laga, estavam o professor da Universidade de Johanesburgo, Michael Cross, e a professora do Departamento de Sociologia da UFRJ, Maria Helena Magalhães Castro.
Em sua fala, Cross destacou as atividades do Conselho de Educação Superior (CHE, na sigla em inglês) e do Comitê de Qualidade no Ensino Superior (HEQC), o segundo voltado especificamente para a avaliação das universidades e dos projetos de pesquisa que merecem investimentos a partir de padrões estabelecidos previamente.
Magalhães, entretanto, apontou que esses padrões podem impedir a liberdade acadêmica dentro das instituições.
Ensino superior na África do Sul

Para explicar o quadro atual do ensino superior na África do Sul, a professora Maria Helena Magalhães de Castro apresentou um panorama histórico, remetendo ao período entre os anos de 1948 e 1994, quando vigorou o regime do apartheid. Nessa época, as instituições de ensino superior sul-africanas foram divididas entre universidades e escolas técnicas e destinadas a públicos definidos etnicamente. Dessa forma, brancos ingleses residentes no país contavam com quatro universidades e compartilhavam oito escolas técnicas com os brancos sul-africanos, aos quais eram destinadas seis universidades.
As universidades inglesas que se declarassem “abertas”, ou seja, admitissem negros e brancos, e rejeitassem a participação do Estado em suas relações institucionais, estavam sujeitas à interferência do governo. Elas eram chamadas de “universidades liberais” e se tornaram um sério desafio para as políticas do apartheid.
No caso das universidades africanas para brancos, parte do aparato ideológico do Estado oficial, tinham status especial sob as vistas do governo.
Já as universidades voltadas para os negros, seis no total, eram como extensões dos Bantustões, guetos para onde as famílias negras eram mandadas. O ato de 1959 deu ao Estado poder absoluto sobre essas instituições, podendo determinar quem a universidade admitia e o que era ensinado.
Com o fim do apartheid, as universidades particulares cresceram de pouco mais de 500 em 1994 para mais de 1500 em 2001. Em 2004, apenas 145 universidades particulares contabilizavam mais de 100 mil alunos.
As faculdades particulares praticamente não produzem pesquisas científicas – concentram-se em educação e treinamento e se restringem a preparar os estudantes para o mercado, não competindo, portanto, com as universidades públicas.
Programas de acreditação
Em 1997, um ato sobre ensino superior na África do Sul entregou ao ministro o poder de decisão sobre as políticas referentes às universidades públicas e privadas.
Estabeleceu também o Conselho do Ensino Superior (CHE) e o Comitê de Qualidade do Ensino Superior (HEQC). O CHE escolhe pessoas com atuações de destaque no ensino superior, indústria e sociedade civil como seus representantes.
A responsabilidades do HEQC é avaliar as universidades e propostas de programas para receberem investimentos do governo. Esse processo se chama “acreditação”.
Após 1997, todas as instituições de ensino passaram a ser consideradas universidades, divididas em três categorias: “universidades tradicionais”, “universidades de tecnologia” e “universidades abrangentes”. Dessa forma, todas têm seus projetos avaliados igualmente pelo HEQC.
Porém, ao avaliar essas universidades e dividi-las em categorias, as diferenças entre elas ficaram expostas. Por exemplo: as universidades inglesas pouco foram afetadas nas avaliações, pois já possuíam trabalhos de pesquisa sendo desenvolvidos, mas as universidades africanas precisaram abrir mão de uma administração centralizada e autônoma para se adequarem ao “managerialism“, espécie de meritocracia da educação. As universidades que, durante o apartheid, eram voltadas para negros foram as mais afetadas, por não corresponderem aos requisitos.
Objetivos e dificuldades
Os resultados possíveis para os programas avaliados pelo HEQC são “fully accredited“, ou seja, plenamente acreditados, quando atendem saisfatoriamente aos padrões especificados; “accredited with conditions“, quando o projeto foge pouco aos padrões, requerendo algumas melhoras, e “not accredited”, quando não satisfaz os padrões mínimos.
Para a professora Maria Helena, esses padrões violam a liberdade acadêmica, pois são baseados numa filosofia voltada apenas para resultados. “O ciclo de planejamento consiste na avaliação do desempenho das instituições em função dos objetivos e metas definidos nos seus planos institucionais aprovados pelo Ministro da Educação”, diz a professora.
Segundo o professor Michael Cross, “os problemas ainda enfrentados pelos programas de acreditação são os limites ideais da HEQC – basicamente, conciliar raça, gênero e representação institucional com objetivos profissionais”. Cross também aponta a dificuldade de cooperação entre as universidades mais adiantadas na pesquisa e as demais. “Os acadêmicos nem sempre sensíveis aos problemas enfrentados por outros profissionais, em instituições menos privilegiadas”.