Como o ensino superior nos países emergentes tem se transformado para lidar com os novos desafios econômicos e sociais? Para debater esse e outros temas relacionados à educação, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) promoveram o Seminário Internacional de Políticas de Ensino Superior nos Países em Desenvolvimento, nos dias 21 e 22 de setembro, na sede da ABC, no Rio de Janeiro.
Organizado pelo Acadêmico e sociólogo Simon Schwartzman, o evento teve como pano de fundo o seu livro recém-lançado “Ensino superior nos BRICS – investigando o pacto entre ensino superior e sociedade”, que engloba trabalhos realizados por pesquisadores do mundo todo. Um dos objetivos do seminário foi, justamente, apresentar os principais resultados de estudo comparativo do desenvolvimento, das políticas e das perspectivas da educação superior nos BRICS, e discutir as implicações de tais descobertas.
O diretor da ABC Luiz Davidovich, o presidente da ABC, Jacob Palis, e o coordenador do evento, Simon Schwartzman
A intenção de fazer essa análise em comum dos BRICS – bloco de países emergentes que engloba o Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – leva em conta algumas características semelhantes que esses países compartilham, como a liderança em suas respectivas regiões, uma renda média e a rápida expansão e transformação pela qual passam seus sistemas de ensino superior.
Um dos questionamentos a serem feitos, conforme comentou Schwartzman na abertura do seminário, é: estes países são capazes de produzir pessoal qualificado para enfrentar os desafios do desenvolvimento social e econômico? “Nossa abordagem consiste em olhar para o ensino superior como um processo de mobilidade social, levantando as demandas e iniciativas do governo”, afirmou o Acadêmico.
Alguns temas foram citados por Schwartzmann (foto ao lado) como chave, por exemplo: como os BRICS são afetados pela expansão extraordinária que ocorreu na educação superior no mundo todo, principalmente na ultima década? Nesse caso, ele apontou, como um aspecto positivo, a geração de mais recursos humanos capacitados, e um negativo foi o aumento dos custos.
Outro tema é como o sistema de ensino superior tem mudado para lidar com o crescimento exponencial do número de matrículas de estudantes e instituições. “A diferenciação entre as instituições de elite e massa, pesquisa e ensino, a expansão do setor privado, o ensino superior como um negócio e o impacto de novas tecnologias são alguns dos aspectos a serem observados, nesse caso”, disse o sociólogo.
Outro tema levantado no evento foi sobre quem são os principais stakeholders (agentes interessados) que moldam as formas em que a maioria dos sistemas de ensino foi originalmente estabelecida e, posteriormente, transformada. Mais um assunto debatido foi como os governos lidam com as questões de acesso, financiamento, garantia de qualidade e relevância social, e como as instituições estão respondendo a essas mudanças, se com resistência ou adaptação.
Nesse sentido, a Rússia, o maior PIB per capita dos BRICS, atuou desde o planejamento central para estratificação e mercados institucionais. A Índia também experimentou a estratificação, além de políticas de ações afirmativas, uma regulação falha e privatização. A China é marcada pelo controle governamental, uma forte estratificação institucional e, também, ações afirmativas. A África do Sul, que já tinha um sistema de educação antes do regime do apartheid, passou por um processo de transformação e integração. O Brasil vem experimentando um enorme crescimento do acesso ao ensino superior e expansão do setor privado – uma característica comum com os outros. “Descobrimos que todos os países estão passando por processos intensos de diferenciação”, destacou Schwartzman.
As agências governamentais de todos os BRICS, acrescentou o organizador, tiveram que lidar com a questão da igualdade social, implementando políticas de ação afirmativa, suporte estudantil e disparidades regionais. As universidades estão mudando internamente para lidar com a pluralidade, com stakeholders internos e externos promovendo a mudança do modelo acadêmico tradicional para diferentes formas de governança. Além disso, o estudo observou que a educação à distância está crescendo em todos os lugares, mas seu impacto não é claro, e pesquisa e inovação são aspectos importante nos cinco países.
“Para que se crie um pacto entre educação superior e sociedade, é preciso que as instituições mantenham e aumentem seus valores centrais – liberdade acadêmica, autonomia e relevância social -, em face ao aumento da diversidade, supervisão externa, participação de stakeholders e recursos limitados”, resumiu Schwartzman.
O caso da Índia
Luiz Davidovich, Roopa Trilokekar, K. M. Joshi e Sheila Embleton
K. M. Joshi, do Departamento de Economia da Universidade de Maharaja Krishnakumarsinhji Bhavnagar, na Índia, complementou que, mesmo hoje em dia, o ensino superior no país é altamente burocratizado. Ele explicou que o sistema indiano é dividido em três tipos de universidades: as centrais, reguladas por leis do Parlamento, as universidades do Estado, reguladas por leis estaduais, e as universidades privadas que, por sua vez, se subdividem em outras categorias. As universidades públicas estaduais são maioria.
Além disso, há um sistema que é o único no sul da Ásia, o dos colleges, que são afiliados às universidades. Estes colleges conduzem seu ensino sob a supervisão acadêmica da universidade à qual eles são filiados. Os colleges não conferem os seus próprios diplomas aos seus formandos, mas sim os diplomas das suas respectivas universidades.
O número de estudantes ingressantes nas universidades indianas cresceu consideravelmente a partir dos anos 90 e 2000. Na década de 90, eram 4,9 milhões de matriculas e, em 2012, esse número chegou a 29,6 milhões (veja o gráfico abaixo). A participação de mulheres também cresceu, mas ainda é um número baixo. “As mulheres representam minoria em quase todas as áreas, menos na de educação”, mostrou Joshi. Nas outras áreas, como ciências, artes e humanidades, os homens estão em maior número.
Fonte: apresentação/ K. M. Joshi
Outro problema, informou Joshi, é a concentração massiva de estudantes em cursos relacionados às artes, humanidades e ciências sociais – cerca de 40,6%. Em segundo lugar vem a área de engenharia e tecnologia, com 16,3%, como mostra o gráfico abaixo. Além disso, as disparidades sociais e religiosas são grandes, e os muçulmanos são os mais afetados, com uma taxa de escolaridade de apenas 11%. A de cristãos é de 31%. “Os muçulmanos não têm acesso ao ensino superior”, comentou Joshi, ressaltando que os problemas básicos também envolvem a expansão sem qualidade e baixas posições no ranking global.
Fonte: apresentação/ K. M. Joshi

A professora Roopa Trilokekar, da Universidade de York, no Canadá, acrescentou que, além dos desafios em relação à equidade de gênero e de religião que se mantiveram – apesar do aumento do acesso de populações marginalizadas ao ensino superior na Índia -, outro problema é o desemprego dos graduados. “Há uma defasagem entre as demandas do mercado e as capacidades adquiridas pelos estudantes. Elas não satisfazem os empregadores. O governo está olhando muito para acesso e não tanto para qualidade.”
Roopa, que atua na área de internacionalização da sua universidade, enfatizou que é preciso construir instituições de classe mundial na Índia. “O governo indiano tem que olhar para a questão da excelência. As universidades do pais não estão no topo do ranking, a China está muito melhor nesse quesito”, afirmou. “Qualidade também é importante em termos de aumentar o acesso.”
Sheila Embleton, também da Universidade de York, concordou. “Falam tanto de acesso, mas acesso a quê? Com qual propósito? Isso nem sempre é o que importa, pois é necessário acesso a programas de qualidade.” Ela ressaltou que é preciso definir com qual propósito os estudantes se graduam. “Por exemplo: graduamos engenheiros de petróleo, mas se a indústria e o petróleo entram em crise, o que esses engenheiros fazem com essa formação? Em que vão se ocupar?” A palestrante disse, ainda, que é preciso criar oportunidades de emprego para mestres e doutores, o que não se trata de um favor: “Afinal, estamos mantendo essas pessoas longe do mercado por mais tempo.”
Sheila comentou que o mercado não fará o treinamento desses profissionais – ele espera que as pessoas já cheguem treinadas. “A expectativa é que as universidades e os colleges sejam responsáveis por isso, mas nunca aconteceu assim.” Ela opinou que a busca para se estar no topo do ranking também não é algo bom, pois apenas 200 universidades podem estar no top 200, evidentemente. “O que importa é qualidade, e ela pode aumentar sem que cresça a posição no ranking.”