Mudanças climáticas são, definitivamente, o desafio do século 21. A afirmação foi citada pelo Acadêmico Adalberto Val, pesquisador do Laboratório de Ecofisiologia e Evolução Molecular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a partir de um encontro sobre o clima realizado em Paris, em julho de 2015. Ele fez uma apresentação sobre os efeitos das mudanças climáticas na biota aquática no terceiro dia da 67ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), de 12 a 18 de julho.
Os efeitos das mudanças climáticas têm um potencial grande de impactar todas as regiões do planeta e, para reduzi-los, é preciso um compromisso comum de conservar o sistema para o futuro. Nos últimos 200 anos, foram lançadas quantidades massivas de CO2 na atmosfera, o principal gás causador do efeito estufa, por meio do desmatamento e uso de combustíveis fosseis, alterando o ritmo natural que existiu por milhares de anos.
Uma das consequências disso é o aumento da temperatura global, o efeito mais visível das mudanças climáticas, mas elas também alteram o nível dos oceanos e o processo de precipitação e têm impactos nos ecossistemas, na segurança alimentar, saúde humana, recursos hídrico e outros fatores. “Podemos, ao menos mitigar esses efeitos”, afirmou Val, lembrando que as atividades humanas, como o uso de aerossóis, foram determinantes para provocar essas alterações.
Mitigação e adaptação
“Algumas mudanças vão acontecer, durar muito tempo e precisamos nos adaptar a elas”, alertou o biólogo. Na América Latina, por volta de 2050, vamos ter um aumento de temperatura e diminuição da quantidade de água no solo, o que provocará a substituição da floresta tropical por savana. Isso vai gerar perda de biodiversidade por meio da extinção de várias espécies.
“Quando há um desafio ambiental, a mudança comportamental mais óbvia do organismo é fugir daquele ambiente, e isso vem acontecendo de forma efetiva com as mudanças climáticas. Os peixes tendem a migrar para fugir das regiões mais quentes”, informou Val. Ele explicou que o que acontece primeiro é a resposta adaptativa. Depois, a resposta no nível fisiológico e, em seguida, aclimatizações para se adaptar a um conjunto de variáveis. Essas três fases acontecem no nível do indivíduo; ainda não são atingidas populações. Mas já há mudanças na taxa de mortalidade e fecundidade, além de alterações genéticas mais profundas.
Dezessete dos últimos 20 anos foram os mais quentes da história, e há muitos casos estudados de espécies que se adaptaram a essa condição. Alguns autores observaram a posição de plantas nos Alpes franceses. Antes, elas se concentravam a 1.200 metros da base, agora estão a 1.400 metros. “É como se as plantas estivessem caminhando para níveis mais altos na montanha.”
Val atentou para o fato de que as migrações de espécies devem ser vistas do ponto de vista político e biológico, uma vez que os organismos, obviamente, não conhecem limites geográficos. “As andorinhas, por exemplo, vão continuar migrando do Canadá para o Brasil, não adianta colocar uma placa no céu limitando a passagem”, brincou. Por isso, continuou o palestrante, a Amazônia deve ser considerada como um todo, levando-se em conta o fato de que a maior parte dos rios amazônicos não está localizada em território brasileiro.
Por dentro da região amazônica
Dentro da Amazônia brasileira, que engloba nove estados, cabe praticamente uma Europa inteira. A Amazônia da América do Sul tem 5,5 milhões de km2 – 60% deles em território do Brasil. A região abrange uma bacia hidrográfica de 7,2 milhões de km2, 1,8 milhões de km2 de florestas não densas, 1,9 milhões de km2 de florestas densas e 700 mil km2 de vegetação aberta, sendo 12% de área ocupada por vegetação secundária e atividades agrícolas. “Nunca vamos conseguir recompor a biodiversidade das áreas degradadas”, disse Val. “Temos que pensar em um desmatamento zero para a Amazônia.”
A região também abrange 13 mil km de fronteiras, cerca de 100 bilhões de toneladas de carbono (floresta viva) e 20% de toda a água doce do mundo, além de vários desafios estruturais: comunicação, distribuição de energia, malha viária, saúde, ciência e tecnologia e sistema de proteção contra o desflorestamento.
Segundo Adalberto Val, é uma região de dinamicidade muito grande, com períodos de cheia intensos. “No Rio Negro, há uma variação de cerca de 20 metros a cada ano.” Mais recentemente, no entanto, começaram a acontecer situações extremas. Em 2005, houve uma seca muito forte na Amazônia. Já em 2009, aconteceu uma cheia em uma intensidade que não se observava desde 1956. Em 2010, outra seca significativa e, em 2012, ocorreu novamente uma das maiores cheias da Amazônia. “Esses ciclos estão cada vez mais extremos.”
A Amazônia, diferentemente do que parece ao ser vista de cima, não é homogênea. Há igapós, várzeas, cachoeiras, além de diferentes tipos de água. As águas do Rio Negro, por exemplo, são extremamente ácidas – em alguns pontos, o pH é 2.2. (no Rio Amazonas, o pH é 7). Mesmo assim, há peixes adaptados àquela condição. A enorme biodiversidade da Amazônia inclui mais de 4 mil espécies de peixes, mas tem-se informações de cerca de 12, apenas. Por isso mesmo, não é possível generalizar as informações sobre as espécies.
Peixes e mudanças climáticas
O pesquisador do Inpa explicou que, desde o fim da revolução industrial até hoje, praticamente dobramos a quantidade de CO2 na atmosfera. “Não damos tempo para que as espécies se adaptem.” No caso dos peixes, Val destacou que é muito provável que esses organismos tenham conservado no seu genoma informações que possibilitassem que eles, em tese, sobrevivessem às mudanças.
A maior parte dos peixes surgiu a baixos níveis de oxigênio. Val apresentou o caso do pirarucu, um peixe que precisa do oxigênio para sobreviver e, se impedido de sair da água, morre afogado. “No processo de adaptação, quando não havia oxigênio na água, ele foi para a superfície. Fora da água, ele toma cerca de 80% do oxigênio por meio de uma bexiga natatória adaptada. O pirarucu nasce respirando na água, mas, no primeiro ano de vida, ele muda para a respiração aérea obrigatória.”
Já o tambaqui é uma espécie que corre um grande risco. Quando está em um ambiente de pouco oxigênio, esse peixe desenvolve lábios e fica próximo à coluna dágua, onde há mais oxigênio. O problema é que, quando eles chegam perto da superfície, acabam ficando expostos aos raios ultravioleta. O DNA dentro do núcleo da célula, com a exposição ao ultravioleta, se degrada. “Existe capacidade de reparo de um DNA quebrado, mas uma parte não volta ao sistema original e pode causar mutações extremamente significativas”, explicou Val. Em 240 minutos de exposição, ocorrem cerca de 80% de danos.
Efeitos das mudanças climáticas
Alguns efeitos diretos das mudanças climáticas são o desaparecimento de habitat, alterações no comportamento reprodutivo e aumento de CO2 no sistema. Já os indiretos incluem a exposição aos
raios ultravioleta, e os efeitos interativos, causados por um ou mais estressores ambientais, são a incidência de cobre e acidificação. Os efeitos aditivos são as adaptações e extinções. “Aumento da temperatura e acidificação são desafios para os peixes, no que se refere à transferência de oxigênio para os tecidos.”
Adalberto Val também deu um exemplo de adaptação das árvores ao desmatamento. Os espaços desflorestados acabam ocupados por espécies que têm uma densidade da madeira menor, o que as leva a estocar menos carbono. “Quando há essas mudanças, acontece uma diminuição das espécies clímax. Depois de um tempo, um conjunto de novas espécies entra nesses ambientes e acaba se consolidando.”
Para estudar as adaptações dos organismos as alterações ambientais, foi criado o INCT Adapta. Foram construídas, no Inpa, quatro salas climáticas. A primeira é uma sala controle, que copia as condições da floresta, e as outras reproduzem as condições dos cenários brando, intermediário e drástico. Aí, observa-se as respostas das espécies.
A partir daí, foi possível perceber que os cenários mais drásticos fazem os tambaquis crescerem menos. “Ou seja, quem gosta de comer esse peixe saiba que, em um cenário climático complicado, vai ter menos tambaqui.”
Val enfatizou que, para entender a adaptação atual das espécies, é preciso considerar a história evolutiva e a habilidade adaptativa dos organismos, as características ambientais locais, a distribuição espacial e as adaptações às condições ambientais locais. “A história evolutiva dos peixes, incluindo as estratégias de adaptação, está escondida no DNA dos animais vivendo lá atualmente.”
Por isso, apontou o biólogo, é importante a preservação. “A floresta é o determinante biológico na Amazônia; quase todas as relações biológicas dependem dela. Mexer na floresta é mexer em todos os organismos que nela vivem.”