Pesquisas inovadoras no campo do aprendizado infantil estão sendo realizadas em vários países e levando a descobertas inéditas sobre o processo de aquisição de conhecimento em crianças, adolescentes e até mesmo bebês. Alguns desses estudos de pesquisadores estrangeiros foram apresentados na mesa-redonda “What Science tells us about STEM Learning”, realizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) no dia 7 de julho, com o apoio da BG Brasil, membro institucional da ABC.
O presidente da ABC, Jacob Palis, e a Gerente de Responsabilidade Social da BG Brasil, Pâmella De-Cnop
O termo “STEM Education” – Science, Technology, Engineering and Math – compreende o ensino de ciências, matemática, física, química e biologia. Estudos dessa área analisam também o impacto da tecnologia na educação e utilizam técnicas inovadoras, como o mapeamento cerebral de bebês, para compreender o processo de aprendizado.
A influência dos estereótipos sociais
O pesquisador da Universidade de Washington, Andrew Meltzoff, mostrou a influência dos estereótipos sociais no aprendizado das crianças, mais relevante do que se pensava. Segundo ele, nos Estados Unidos, predomina a ideia de que os meninos estão mais voltados para a matemática, enquanto as meninas estão mais ligadas à leitura. Isso gera efeitos consideráveis, pois as meninas se acostumam, desde o início da educação básica, ao pensamento de que elas não são capazes de compreender essa disciplina e, consequentemente, de seguir uma carreira ligada a ela, fechando suas aspirações (o pesquisador mostrou o raciocínio que se dá na vida escolar da menina: “girls don`t do math, I`m a girl, I don`t do math”).
Ao mesmo tempo, os meninos se acostumam com o raciocínio de que eles são capazes de compreender matemática, o que os estimula a seguir carreiras ligadas a essa disciplina. Meltzoff deu uma mostra desse fato, informando que, na Universidade de Standford, por exemplo, há 29% de mulheres no Departamento de Psicologia, enquanto que, no Departamento de Matemática, são apenas 3%. “Em Harvard, esse número é ainda menor.”
O psicólogo apresentou dados que mostravam que a presença de mulheres na ciência da computação vinha caindo, enquanto que, em outras disciplinas STEM, como química, esse número aumentou – em 1975 era cerca de 20% e, hoje, chegou a 40%. “Antes, também acreditava-se que meninas não tinham ligação com a química e, hoje, isso mudou.”
A diferença, defendeu Meltzoff, não se trata de inaptidão, mas de influência cultural. “Não podemos dispensar os fatores biológicos, mas pensamos que o ambiente e modelos sociais têm um papel nessa questão. Isso é um problema, porque as garotas são tão boas quanto os garotos em matemática.” Seus estudos levam em conta dois problemas a serem resolvidos: o primeiro é como fazer as crianças se interessarem pelas disciplinas STEM e como representar as minorias – no caso, as mulheres. O segundo é, quando as crianças estão interessadas, como manter esse interesse.
O pesquisador apontou que, muitas vezes, as meninas não se identificam com o estereótipo da matemática ou da ciência da computação – os “nerds”, nem com o ambiente dessas disciplinas, o que acaba as afastando. Ele afirmou que uma forma de intervir nesse processo é acostumá-las desde cedo a esses ambientes, proporcionando, por exemplo, a convivência delas com robôs.
Meltzoff destacou a necessidade de explorar de onde vêm esses estereótipos – pais, colegas, escola, mídia – para que se pense em práticas educacionais que mudem essa situação desde o ensino primário.
Cérebro flexível e ambientes informais
O psicólogo também falou sobre uma pesquisa feita com crianças bilíngues que reconheceu que o conhecimento de dois idiomas na infância é bom para certas funções e para a criatividade, pois o cérebro torna-se mais flexível. “Se a criança aprende dois nomes para as coisas, ela pensa que palavra usar para aquele determinado objeto, o que é bom para o cérebro.”
Ele mostrou um teste bastante interessante que revela essa flexibilidade. Dois bebês, um que tinha contato com apenas uma língua e outro bilíngue, tinham que pegar um brinquedo dentro de uma caixa, cuja abertura estava virada para a direita. Os dois tentavam até encontrar a abertura e conseguiam pegar o brinquedo. Em um segundo momento, a caixa era entregue para eles com a abertura virada para o lado esquerdo. Os dois bebês, inicialmente, tentavam a solução antiga, que era pegar o brinquedo pela direita, mas, ao perceber que não estava dando certo, o bebê bilíngue tentou outra solução – pegar o brinquedo pelo lado oposto – e conseguiu, enquanto que o bebê monolíngue não inovou na solução e não conseguiu pegar o brinquedo.
O pesquisador também enfatizou a importância dos ambientes informais na educação das crianças, visto que, nos Estados Unidos, elas passam apenas 18.5% do tempo nos ambientes formais (escolas), enquanto que 81.5% do tempo são passados com amigos, família, em comunidade, praticando esportes e outras atividades. “As crianças passam muito mais tempo aprendendo em ambientes informais, por isso estamos interessados em coordená-los com os ambientes formais de aprendizado.” Segundo Meltzoff, isso é importante porque as crianças costumam se interessar pela ciência através do que veem na internet, em clubes e museus, mas, não raramente, ficam entediadas com o ensino na escola.
Uso de tablets para a Educação STEM
O pesquisador Alejandro Maiche, da Universidad de la Republica, no Uruguai, falou sobre a iniciativa do governo uruguaio de oferecer computadores portáteis para todas os estudantes e professores de escolas públicas, o Plano Ceibal, e apresentou resultados de uma intervenção feita com 500 crianças e o uso educativo de tablets.
Maiche informou que o Plano Ceibal tem o objetivo de aumentar a igualdade social e estimular que os estudantes sejam mais criativos e produzam conhecimento. “Tendo todas as crianças conectadas e ligadas a tecnologias, é mais fácil permitir que elas se envolvam em novas ideias.” O plano foi estabelecido em 2009 e incluiu também conexão de internet sem fio para todas as escolas públicas uruguaias. Em 2013, a ideia se expandiu para os tablets, tendo início com a distribuição de 10 mil aparelhos em todo o país.
Segundo Maiche, bebês de seis meses já são capazes de distinguir a quantidade de pontos nas telas. “Se treinarmos crianças de 6 anos com jogos que explorem essa atividade – por exemplo, contar quantas bolas azuis aparecem na tela em poucos segundos -, podemos obter melhores resultados em matemática.” O teste feito com as 500 crianças envolvia a promoção de atividad
es desse tipo com o uso de tablets, duas vezes por semana, durante 40 minutos. Uma das conclusões foi que o status social e econômico interfere fortemente no resultado: as crianças que vinham de um contexto favorável tinham resultados consideravelmente melhores em matemática. “Isso é uma verdade em qualquer lugar do mundo.” A boa notícia é que esse tipo de intervenção com tablets pareceu ser capaz de mudar esse padrão.
Os benefícios desse tipo de intervenção, contou Maiche, não parecem ser iguais para todas as crianças. Os maiores ganhos foram para aqueles não tão bons em matemática no nível inicial. “Nas crianças já boas em matemática e com bom nível social não houve muito efeito, mas, em relação àquelas boas em matemática, mas com baixo nível social, os resultados foram bons.”
O raciocínio espacial na Educação STEM
David Uttal, da Universidade de Northwestern, nos Estados Unidos, explicou que o raciocínio espacial é importante para as disciplinas STEM: “Há correlações positivas fortes entre habilidade espacial e a Educação STEM. Esse tipo de raciocínio funciona como uma porta de entrada para tais disciplinas. Mas ele se torna menos relevante quando um conhecimento mais especializado é adquirido”.
De qualquer forma, Uttal ressaltou a importância do treinamento do raciocínio espacial, que pode ser relativamente simples – por exemplo, com o uso de Material Dourado, blocos que têm como foco o trabalho com a matemática. Ele explicou que é difícil, no entanto, despertar o interesse das pessoas por esse tipo de aprendizado. Outro recurso são os videogames, que têm forte relação com o raciocínio espacial.
O pesquisador citou uma iniciativa bem sucedida nesse tema: um projeto chamado “The Geospatial Semester”, uma parceria entre escolas de ensino médio de Virgínia, nos Estados Unidos, e o Departamento de Ciência Integrada e Tecnologia da Universidade James Madison. “Nele, os estudantes aprendem sobre tecnologias geoespaciais e as aplicam a projetos locais”, contou Uttal.
Construção da base curricular brasileira
O secretário de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Manuel Palácios da Cunha Melo, falou sobre a construção da base nacional curricular, que requer o engajamento da comunidade científica para ser aprovada até meados de 2016. Ele pediu que a Academia Brasileira de Ciências, bem como outras sociedades, organizem grupos para discutir essa proposta. Segundo Palácios, uma das maiores dificuldades enfrentadas é o “imenso ceticismo” de muitos pesquisadores, que acreditam que o empreendimento não será bem sucedido.
O secretário do MEC ressaltou a importância de engajar a comunidade acadêmica nesse debate. “Universidades e escolas são próximas só no papel, porque o diálogo entre elas nem sempre é muito fecundo, mas é preciso aproximar esses dois personagens.” Ele também afirmou que é essencial a participação de associações, como a Sociedade Brasileira de Matemática (SBM). Elas devem apresentar uma proposta estruturada e documentada, informando o que pensam do assunto e que sugestões fazem. Esta será encaminhada ao Conselho Nacional de Educação.
“Todo mundo quer colocar mais um assunto no currículo, e assim temos a multiplicação de temas”, apontou Palácios. “Mas acho que seremos capazes de conduzir um debate em que todos serão guiados para a síntese.” O palestrante falou que tecnologia, no entanto, é um exemplo de tema com pouca presença nas discussões curriculares, e que deve ser trabalhado. O secretário também citou as questões mais controversas:
– Como criar possibilidades de escolhas no ensino médio, para que o estudante possa optar por determinados temas em detrimento de outros. “Trata-se de permitir aprofundar os estudos em uma área específica em vez de se estender para outros assuntos.” Esse não é um tema de resolução fácil por conta do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A avaliação precisaria mudar para acompanhar a proposta que for aprovada. “Se o estudante puder escolher um tema em detrimento de outros, isso tem que ter efeito na avaliação que ele faz”, afirmou Palácios.
– Quão detalhada deve ser uma referência curricular. “Se detalhamos muito, isso pode acabar sendo uma prescrição do que deve ser ensinado em cada momento. Mas uma proposta que não especifica uma orientação clara é pouco precisa. Encontrar o justo equilíbrio é difícil.”
– A necessidade de construir, na elaboração dos objetivos de aprendizagem, alguma proposta de transversalidade, como direitos humanos e desenvolvimento sustentável.
Manuel Palácios comentou, ainda, que a educação científica é um tema que tem que estar presente desde os anos iniciais ate o ensino médio.