O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) constituiu-se como um importante orientador de decisões políticas em relação ao clima mundial, a partir de seus relatórios, que trazem diagnósticos das transformações climáticas globais. No entanto, não havia nenhuma iniciativa desse tipo para a biodiversidade. Por isso, em abril de 2012, foi criada, no Panamá, uma rede global com o objetivo de geral base científica para tomada de decisões políticas nessa área: a Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES).
A plataforma é uma cooperação entre o Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP), Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (UNESCO), Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e outras organizações. Ele foi apresentado pelo Acadêmico Carlos Alfredo Joly, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em uma conferência da 67ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada em São Carlos, de 12 a 18 de julho. Joly é um dos representantes da América Latina no IPBES.
O IPBES tem, atualmente, 124 países-membros, e é sediado na Alemanha. Sua função é gerar o conhecimento necessário para os tomadores de decisão. No entanto, não faz nem subsidia pesquisas novas, mas usa os resultados já existentes produzidos pela comunidade científica pra traduzi-los em uma linguagem que os políticos entendam. “Para isso, são feitos diagnósticos de biodiversidade regionais, sub-regionais e globais, sobre temas importantes”, informou Joly. As funções do IPBES também envolvem identificar o tipo de necessidade que os tomares de decisão têm e as melhores ferramentas e metodologias para passar esse tipo de informação.
A plataforma também investe na capacitação profissional, tanto dos pesquisadores quanto daqueles que fazem a interlocução entre a comunidade acadêmica e os políticos. “Nós, cientistas, somos péssimos nessa comunicação”, afirmou o biólogo. Nesse aspecto, apesar de o IPBES ser uma adaptação do IPCC, ele se diferencia do painel de mudanças climáticas, que não tem essa função de capacitação profissional. “Além disso, o IPCC se baseia somente em trabalhos publicados em revistas de impacto; já o IPBES utiliza os dados de todos os formatos disponíveis.”
Outra peculiaridade do IPBES é o reconhecimento da importância dos saberes das populações locais e indígenas e a incorporação desse conhecimento, além do científico, para elaborar os diagnósticos.
A estrutura do IPBES
O plenário é composto pelos representantes dos países-membros, e toma as decisões maiores. Eles são diplomatas ou pessoas indicadas pelos Ministérios das Relações Exteriores – no Brasil, são diplomatas do Departamento de Meio Ambiente do Itamaraty. “É complicado, porque 124 países têm que concordar com o texto que está sendo apresentado”, ressaltou Joly.
Há um bureau responsável pela parte administrativa, o secretariado e um painel independente composto de especialistas. São 25 pessoas, incluindo cinco representantes da América Latina e Caribe, sendo Carlos Joly um deles. O Acadêmico presidiu esse painel por dois anos e meio e, atualmente, o presidente é o representante da Etiópia, conforme um sistema de rotação.
Esse painel independente gerencia os grupos de especialistas, que tratam de temas específicos. Um exemplo é o grupo que vem trabalhando o problema do declínio da população de abelhas nativas em vários países, afetando a polinização, fundamental para a produção de alimentos, pois algumas espécies comestíveis dependem desse processo de transferência do pólen de uma flor para outra. “Existe uma massa de informação científica muito grande sobre esse assunto, então esse grupo tinha que reunir todas as informações para fazer o diagnóstico e, assim, produzir um resumo de no máximo cinco folhas para os tomadores de decisão. Essa é a parte mais difícil, e precisa de gente treinada e formada nessa área.”
Além disso, há as forças-tarefa da capacitação profissional que, diferentemente dos grupos de especialistas, não terminam quando o trabalho do diagnóstico é finalizado. Elas continuam atuando na integração de dados e de conhecimentos tradicionais e indígenas. Joly informou que o IPBES busca usar três linguagens diferentes: a da ciência, a dos tratados internacionais e a dos conhecimentos tradicionais. “Esses povos veem a natureza como uma grande mãe que cuida de nós. Então, desde o começo, usamos uma linguagem que eles entendem, aceitam e se sentem incluídos.” Essa abordagem em relação ao conhecimento tradicional foi tema de publicação em duas revistas de grande impacto.
No entanto, Joly enfatizou que a plataforma ainda está fazendo estudos piloto para entender como utilizar esse conhecimento tradicional, pois se trata de uma questão muito regionalizada. “Mas é uma iniciativa importante. Foi através do conhecimento tradicional que vimos que as populações de abelhas nativas estavam reduzindo.”
Participação da comunidade científica
Joly explicou que o que é produzido pelo IPBES vai para o Itamaraty e, de lá, para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). “Falta repassar para a comunidade científica. Então já acordamos com o MCTI que isso também tem que ser passado para a SBPC e Academia Brasileira de Ciências (ABC), para elas passarem para a comunidade.”
A plataforma busca, também, o envolvimento de mais parceiros – não apenas os tradicionais que financiam as atividades, mas também parcerias com o setor privado, que podem colaborar com bolsas e treinamento.
O Acadêmico informou que, ainda no mês de julho, começa em Bogotá, na Colômbia, a reunião do diagnóstico que será feito das Américas do Norte, Central, do Sul e Caribe. Serão, portanto, quatro diagnósticos sub-regionais que terão que se integrar para formar um regional, que, futuramente, se integrará com os demais para formar um global. Em 2019, será lançado o primeiro diagnóstico da plataforma de biodiversidade, um somatório dos resultados regionais.
Os diagnósticos são uma avaliação crítica sobre um tema ou uma região. Todas as regiões do mundo terão que usar as mesmas metodologias, parâmetros e métricas para produzi-los. Dois temas são prioritários: a polinização associada à produção de alimentos e a análise e modelagem de cenários.
A seleção dos especialistas
Em 2014, formaram-se 14 grupos de especialistas. Foram 516 selecionados de um total de 1.691 nomeações recebidas. A seleção é feita da seguinte forma: no caso do diagnóstico de restauração e degradação, por exemplo, a chamada de especialistas é encaminhada para os Ministérios das Relações Exteriores e do Meio
Ambiente e também para a ABC e SBPC, para que divulguem a seleção. O IPBES, então, receberá todos os currículos e vai fazer uma escolha que preze pelo balanço geográfico, para que todos os escolhidos não sejam de uma só região do planeta, e pelo balanço de gênero, que é fundamental para a Organização das Nações Unidas (ONU).
Ambiente e também para a ABC e SBPC, para que divulguem a seleção. O IPBES, então, receberá todos os currículos e vai fazer uma escolha que preze pelo balanço geográfico, para que todos os escolhidos não sejam de uma só região do planeta, e pelo balanço de gênero, que é fundamental para a Organização das Nações Unidas (ONU).
Para a montagem do grupo da polinização, por exemplo, foram selecionados 75 especialistas de todas as regiões, com dois copresidentes (sendo um deles do Brasil, a pesquisadora Vera Imperatriz Fonseca), 17 coordenadores, 44 autores principais e 12 revisores. No entanto, é possível a participação externa. Podem ser feitos comentários sobre a revisão, assim todos os pesquisadores podem contribuir de alguma forma. “Na primeira revisão no caso da polinização, foram recebidos 5.200 comentários do mundo inteiro”, contou Joly.
O IPBES também faz chamadas para participantes jovens, de menos de 35 anos. “Não temos como financiar bolsas, mas pagamos a participação deles nas reuniões”, informou o Acadêmico. A próxima sessão plenária da plataforma vai acontecer na Malásia, em fevereiro de 2016.