Cientistas recomendaram, em audiência pública realizada no dia 25 de junho, quinta-feira, na Câmara dos Deputados, cautela na avaliação de dois projetos de lei, em trâmite desde 2013, que criam a política nacional de nanotecnologia e regulamenta a rotulagem de produtos resultantes de partículas utilizadas em celulares, computadores, cosméticos e na área de saúde.
O debate conjunto das comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara reuniu especialistas e governo num debate de propostas de regulamentação de um setor que, uma vez desenvolvido e regulamentado, tem potencial de movimentar trilhões de dólares por ano. Nos Estados Unidos, por exemplo, o governo investe atualmente US$ 2,2 bilhões para aprofundar o conhecimento em nanotecnologia.
Por enquanto, nenhum país regulamentou o setor, embora essa inovação já esteja em uso em alguns lugares do mundo. A mobilização internacional é para criar uma legislação com o mínimo de impacto na população e no meio ambiente.
No Brasil, as pesquisas ligadas à nanotecnologia avançam a passos largos. Cientistas, porém, consideraram fundamental aprofundar o conhecimento científico na área e os impactos ambientais e temem que “a pressa” para se criar uma legislação possa travar as pesquisas e trazer impactos negativos para o Brasil.
Equilíbrio
São dois os projetos de lei que tramitam na Câmara. Um é o Projeto de Lei (PL) 6741/13, que institui a Política Nacional de Nanotecnologia e determina que o poder público controle os riscos e impactos relacionados ao setor. O outro é o PL 5133/13, que regulamenta a rotulagem de produtos resultantes da nanotecnologia ou que façam uso de nanocomponentes. Ambas as propostas são de autoria do deputado Sarney Filho (PV-MA).
Na audiência pública, Jorge Bermudez, vice-presidente de produção e Inovação em Saúde da Fundação Osvaldo Cruz, defendeu um “equilíbrio” nas propostas para não haver risco de engessar a área de nanotecnologia em uma única legislação ou criar uma norma impraticável em razão da existência de outras regulamentações de agências como Anvisa.
Bermudez disse que a nanotecnologia é uma área abrangente que pode ser utilizada em diversas áreas. Por isso, é fundamental trabalhar aspectos específicos diante da altíssima especificidade que existem entre vários produtos no campo das várias áreas do conhecimento. Dentre os quais listou alimentos, cosméticos, medicamentos e vacinas. Ele fez questão de acrescentar a letra “s” na palavra nanotecnologia, porque existem várias áreas de “nanotecnologias”.
Os projetos de lei, segundo Bermudez, tratam as áreas de nanotecnologias de forma “restritiva”. Outro problema, avaliou, é o fato de prever “autorização prévia” para realização de pesquisas podendo acarretar atrasos em projetos. “Não podemos engessar demais e ao mesmo tempo expor a população a riscos que possam ser evitados”, disse.
Dentre outras iniciativas, o projeto fixa também multas que variam de R$ 5 mil a R$ 1,5 milhão para reparar inconvenientes e eventuais danos causados pela nanotecnologia.
Para Bermudez, a lei de nanotecnologia precisa ser bem fundamentada. “Queremos uma lei bem feita. Precisamos ter informação qualificada sobre nanotecnologia, sobre os benefícios, riscos e toxicologia. E tratar tudo de maneira muito clara e em benefício da nossa população.”
Cedo demais
Representando a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), na audiência, o Acadêmico Fernando Galembeck, diretor do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), considerou restritivos e precipitados os dois projetos de Lei em tramitação na Câmara dos Deputados.
“Eles são precipitados porque propõem uma série de medidas que, pela experiência que tivemos com projetos semelhantes em outras áreas, vão trazer, na prática, paralisia para as atividades da nanotecnologia. E a paralisia pode acontecer no momento em que precisamos de muita ação”, analisou.
“Queremos ser o primeiro país do mundo que quer o desenvolvimento sem desenvolver a nanotecnologia, enquanto outros países estão progredindo”, complementou.
O deputado Átila (Lira PSB-PI), presidente da comissão do Meio Ambiente sinalizou apoio ao posicionamento de Galembeck. “Não vamos mais fazer projetos de lei aqui sem esgotar a questão científica. Precisamos evitar a criação de um cartório que venha prejudicar o desenvolvimento científico”, alertou.
No entendimento de Galembeck, as propostas que constam dos dois PLs “são radicais demais e vieram cedo demais”. Dessa forma, ele sugere deixar avançar o que vem sendo realizado no Ministério do Meio Ambiente e no Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) desde 2012. “E que continuemos dialogando sobre essas coisas”, sugeriu, referindo-se ao aperfeiçoamento das legislações que abordem problemas concretos detectados com o desenvolvimento da tecnologia.
No entendimento de Galembeck, serão necessárias várias legislações diante das especificidades da nanotecnologia. Nesse caso, ele também criticou o fato dos dois PLs tratarem a nanotecnologia de forma abrangente. “Eles são simplistas e põem, no mesmo saco, muitas coisas diferentes. Isso não pode dar certo”, analisou.
Para MCTI, legislação requer cuidado
O subsecretário de Unidades de Pesquisa do MCTI, o Acadêmico Adalberto Fazzio, lembrou na audiência pública que o Brasil aderiu ao projeto europeu NanoReg, que trata da regulação internacional em nanotecnologia. Tal iniciativa envolve 64 instituições de 16 países europeus, além de Austrália, Canadá, Coreia do Sul, Estados Unidos e Japão.
Essa adesão foi aprovada pelo Comitê Interministerial de Nanotecnologia (CIN), que envolve quase uma dezena de ministérios, dentre os quais MCTI, as pastas do Meio Ambiente, da Agricultura, de Minas e Energia, e a do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Segundo ele, desde 2012, o Ministério montou um programa chamado Iniciativa Brasileira de Nanotecnologia (IBN), que conta com mais de 20 laboratórios associados que estudam o tema e traçam políticas. Uma das necessidades é o fomento ao setor produtivo, fomento à pesquisa e desenvolvimento e ICTs; formação de Recursos Humanos; cooperação internacional e também o marco legal e regulamentação do setor.
“Estamos interessados, sim, na regulamentação da nanotecnologia. O que não pode acontecer, porém, é a carroça entrar na frente dos bois”, disse Fazzio. Ele entende que essa regulamentação precisar ser conduzida com “cuidado”, conciliando interesses do setor produtivo, área científica e consumidores.
Demonstrando apoio aos dois projetos de lei, Wilson Engelman, professor da Universidade do Rio dos Sinos
do Rio Grande do Sul (Unisinos), afirmou que o Brasil poderia valorizar melhor os seus grupos de pesquisas que atuam no setor de regulamentação. Nesse caso, citou a Unisinos, que reúne um conjunto de pesquisadores de várias áreas, segundo ele, muito parecido com o Nanoreg.
do Rio Grande do Sul (Unisinos), afirmou que o Brasil poderia valorizar melhor os seus grupos de pesquisas que atuam no setor de regulamentação. Nesse caso, citou a Unisinos, que reúne um conjunto de pesquisadores de várias áreas, segundo ele, muito parecido com o Nanoreg.
Engelman destaca que o Nanoreg é um grupo de pesquisas que tem apoio financeiro da União Europeia, ainda que tenha participação de outros países. Ele acredita, porém, que o grupo de pesquisa europeu está trabalhando para atender interesses da União Europeia e não brasileiros.
Quanto às críticas sobre a abrangência dos projetos de lei que criam a política de nanotecnologia no Brasil, o professor da Unisinos defendeu que as propostas são um exemplo do Código Civil de 2002. Ou seja, pode ser utilizado o sistema aberto, “exatamente genérico e abrangente para que possa ser modificado com o andar do conhecimento científico, sem a necessidade de um novo projeto de lei.”
Acrescentou, ainda, que o PL 5133 é um exercício do direito à informação. Concordou, porém, que nem tudo pode ser rotulado como sendo nanotecnologia. “É preciso ter cautela e cuidado nessa questão”, reconheceu.
Impactos ambientais
Letícia Carvalho, diretora de qualidade ambiental do Ministério do Meio Ambiente, lembrou que o Brasil é signatário de um conjunto de convenções internacionais voltadas para proteção da saúde humana e do meio ambiente, normas que, segundo disse, precisam ser respeitadas.
Ela afirmou que a nanotecnologia hoje é um tema debatido internacionalmente, assim como aconteceu no passado com temas relacionados a poluentes e, mais recentemente, com o mercúrio. No caso da nanotecnologia, disse que a pretensão é estabelecer um consenso global sobre como os países devem conduzir as legislações regulatórias, localmente, protegendo a saúde humana e o meio ambiente.
“A comunidade internacional se debruça para encontrar soluções que possam gerar benefícios globais, já que os impactos são globais e não se restringem a um local ou a um território”, frisou.
Balanço do relator
O deputado Bruno Covas, relator dos dois projetos de lei, avaliou a audiência pública e considerou positivo o resultado. Disse que tentará corrigir os projetos iniciais, para que a legislação não engesse as pesquisas sobre a nanotecnologia e traga impactos negativos para o Brasil. Acrescentou que o deputado Sarney Filho permitiu fazer esse tipo de alteração. “Ele mesmo disse que o projeto serve mais para iniciar o debate do que uma fórmula pronta que não possa ser alterada”, disse o deputado Covas.