Dinossauros atraem o imaginário das pessoas. Algumas, em certa fase da vida, têm um grande interesse por esses répteis; outras, fazem dessa curiosidade sua profissão. É o caso do paleontólogo e Acadêmico Alexander Kellner, que manteve o entusiasmo para a investigação. Em palestra na Reunião Magna 2015 da Academia Brasileira de Ciências, Kellner explicou sobre a interdisciplinaridade da paleontologia e falou sobre museus e exposições do Brasil e do mundo.
A paleontologia estuda a vida no passado da Terra e o desenvolvimento ao longo do tempo geológico, o que inclui a formação dos fósseis de diversos organismos. Ela é uma ciência interdisciplinar, que envolve outras áreas de estudo, como a biologia e a geologia, utilizando cada vez mais conhecimentos da física, química e matemática, para citar outros ramos científicos.
Com as novas tecnologias, a pesquisa paleontológica ganha um dinamismo cada vez maior. A tomografia computadorizada é uma das novas técnicas usadas na área, que possibilita um olhar diferente sobre os fósseis. As cavidades vazias nos crânios, por exemplo, viabilizam estudos relativos a respeito da fisiologia do animal.
Em aplicações de aspecto socioeconômico, os microfósseis, estudados pela paleontologia, são fundamentais para a pesquisa da geologia do petróleo. Segundo Kellner, o Brasil pode se orgulhar de ter um “laboratório fantástico”, como o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello (Cenpes) da Petrobras, que analisa rochas e estuda os microfósseis. Quando uma empresa de petróleo faz perfurações em grandes profundidades, informou o Acadêmico, ela precisa saber as idades das rochas no fundo do mar e também poder reconstruir os ambientes onde estas se formaram. Para chegar a esse resultado, há uma série de metodologias, muitas delas desenvolvidas pelos pesquisadores do próprio Cenpes, tendo entre as ferramentas principais os microfósseis.
Entendendo o mundo pelos fósseis

“Os dinossauros não estão extintos, eles aprenderam a voar”. A partir da afirmação, o Acadêmico explicou que foram encontrados indícios na China de como os dinossauros desenvolveram características anatômicas e evoluíram ao longo do tempo, fazendo com que surgissem as primeiras aves. “Além dos répteis, plantas, como as angiospermas, também se defenderam das mudanças que ocorriam ao seu entorno, e se modificaram ao longo das eras e períodos geológicos.”
Outro aspecto que envolve a interdisciplinaridade da paleontologia são as mudanças continentais. Os continentes não estão parados. A placa tectônica africana e a placa sul-americana, por exemplo, se separam a razão de aproximadamente dois centímetros por ano.
Uma das evidências da deriva continental vem dos fósseis, como os mesossauros. Esses pequenos répteis, superficialmente parecidos com lagartos, viviam nos mares rasos há aproximadamente 240 milhões de anos e foram encontrados na América do Sul e na África, o que demonstra que esses continentes já estiverem próximos.
Falar em migração dos continentes é falar em geologia. Para Kellner, presenciamos as mudanças todos os dias, como por exemplo, as falhas continentais. “Começamos a falar de geologia, de fósseis e terminamos em temas atuais que afetam diretamente várias populações”, contou. “Como o tsunami na Indonésia, em 2004, que deixou 250 mil mortos e, mais recentemente, o terremoto do Nepal, que levou à morte de quase 8 mil pessoas. Tudo isso mostra que a natureza pode fazer mudanças extremamente fascinantes e que tem como pano de fundo aspectos de geologia.”
A pesquisa dos grandes vertebrados está ligada às extinções. “O que as pessoas pensam, do que elas se lembram, é a extinção que ocorreu há 66 milhões de anos – a tese de que teriam sido extintos todos os dinossauros não-avianos (as aves são descendentes dos dinossauros e por isso fazem parte desse grupo de répteis)”, contou Kellner.
Mas não é só a extinção que faz modificações profundas no nosso planeta. A invasão marinha, por exemplo, altera o entorno da costa e suprime florestas. Essas e outras mudanças acarretam em modificações ambientais com sérias consequências para a biota, da qual o ser humano faz parte.
“De uma forma simplificada, as mesmas modificações que ocorreram no passado acontecem no presente, o que difere são os atores, os organismos atingidos”, explicou. “Para mostrar as mudanças e a diversidade que existiu no passado para o público, devemos passar pelos fósseis, evidências diretas dessas grandes mudanças. Esse é um potencial para a divulgação científica que não é bem explorado no nosso país.”
Os museus
Fósseis e artefatos ficam guardados em museus, classificados pelo Conselho Internacional de Museus como “instituições permanentes, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento; abertas ao público; que adquirem, conservam, investigam, difundem e expõem os testemunhos materiais do homem e de seu entorno, para educação e deleite da sociedade”.
Segundo Kellner, apesar dos esforços de vários professores, muitas pessoas ainda não associam museu com educação. “Esta noção, infelizmente, é real. Nós não conseguimos passar para a sociedade a finalidade do museu. Para muitos, essa instituição é apenas o passado”.
O Museu Nacional é a mais antiga instituição científica do Brasil e o maior museu de história natural e antropológica da América Latina. Criado por D. João VI em 6 de junho de 1818 e, inicialmente, sediado no Campo de Santana, serviu para atender aos interesses de promoção do progresso cultural e econômico no país.
No início desse ano, o Museu Nacional fechou para visitação por falta de dinheiro para pagar funcionários da segurança e limpeza. “Foi um desespero. Os diretores do museu pagaram do próprio bolso a passagem de ônibus da equipe de limpeza, pois temiam que a sujeira afetasse o acervo, composto, em grande parte, de material orgânico”, contou Kellner.
Sem problemas de investimentos como o Museu Nacional, o Louvre, na França, é o museu mais visitado do mundo e recebeu perto de 10 milhões de pessoas em 2013. Em relação a museus de história natural, o que recebeu mais visitantes – 8 milhões -, no mesmo ano, foi o Museu de Smithsonian, localizado em Washington, nos Estados Unidos. Já o Museu Americano de História Natural, em Nova York, com o planetário, conseguiu chegar a 5 milhões de visitantes em 2013.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), que congrega 29 museus, o Museu Imperial de Petrópolis é o mais visitado do país. Em 2013, ele recebeu 280 mil visitantes. No entanto, Kellner afirmou que, em abrangência nacional, este dado não está certo, já que o IBRAM computa nessa lista apenas as instituições que estão filiadas a esse instituto. Assim, o Museu Nacional está em primeiro lugar, com cerca de 310 mil visitantes no mesmo ano.
Museu Nacional e Museu Imperial de Petrópolis
Exposições e iniciativas de popularização da ciência no Brasil
Segundo o pesquisador, existe interesse por exposições no país. Um levantamento realizado em 2013 pelo jornal inglês The Art Newspaper mostrou que o Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB) realizou algumas das exposições mais visitadas do mundo. Isso significa que a população brasileira tem interesse em mostras nas mais diferentes áreas.
Uma iniciativa importante de divulgação científica, feita pelo Museu Nacional e financiada Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj), foi o Projeto “De pijama no museu”, em que crianças passavam uma noite na instituição. “A intenção era trazer as crianças para o museu e mostrar as diferentes áreas do saber. E, para divulgar a ciência básica, usamos os dinossauros como chamariz”, contou Kellner.
O projeto contou com três eventos em 2009, que foram amplamente divulgados pela imprensa. “As crianças chegavam depois que o museu fechava, às 17h, e eram recepcionadas por um grupo de pessoas vestidas de escravos, que contavam a história daquela casa. Havia atores que representavam também Dom Pedro, Carlota Joaquina e Maria, a louca”, relatou o pesquisador.
No começo do circuito pelo museu, cada criança ganhava uma lanterna e partia para a investigação dos dinossauros. Depois, eram divididas em grupos e exploravam diferentes áreas, aprendendo sobre a origem do mundo e também indo à procura do meteorito Bendegó – o maior encontrado no Brasil.
“Foi um evento de grande sucesso e importante para a difusão da ciência. Infelizmente, não pôde continuar por falta de verba. Mas devemos frisar o seguinte: um museu que não dialoga com a sociedade está condenado à extinção; mas a sociedade que não valoriza e não investe em seus museus já está, pelo menos em parte, culturalmente extinta”, assegurou Kellner.