
Carneiro é engenheiro industrial elétrico e doutor pela Universidade de Nottingham, na Inglaterra. Foi diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), além de diretor-geral e de relações internacionais da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Atualmente, é gerente-geral de Parcerias e Recursos da Vale. Em 2005, recebeu a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, dirigida a personalidades que se distinguem por relevantes contribuições à ciência.
Confira, abaixo, a entrevista na íntegra.
Quais são os desafios da engenharia no Brasil, hoje?
Sandoval Carneiro: Cientistas e estudiosos estão definindo a era atual como Antropoceno, tal o impacto que a humanidade está produzindo no planeta Terra. A transição da Era Holoceno para a Antropoceno ainda não foi definida, mas o autor da proposta sugeriu o ano de 1874, data da invenção do motor a vapor por James Watt.
Eu diria que não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, o principal desafio das ciências e, consequentemente, da engenharia, é buscar soluções para minimizar os danos ao meio ambiente e corrigi-los, quando possível. É o caso, por exemplo, da captura de CO2 da atmosfera, que é apontado como o principal responsável pelo efeito estufa. A introdução das chamadas “energias limpas” vem contribuindo substancialmente para a redução deste gás na atmosfera.
Em relação à qualidade da engenharia, o Brasil apresenta números ruins quando comparados aos parceiros do BRICS. Por que isso acontece?
Sandoval Carneiro: Esta é uma questão bastante complexa, pois são muitos aspectos a serem considerados. A primeira verdadeira universidade brasileira foi criada apenas em 1935 e a pós-graduação se iniciou na década de 1960, ou seja, pouco mais de 50 anos atrás. Na África do Sul, a Universidade de Cape Town foi instituída em 1829, enquanto que na China e na Índia, há culturas milenares e duas das maiores populações do mundo. Podemos tomar como exemplo o “Indian Institute of Technology”, que conta com 16 campi e a competição para o ingresso é de mais de oito mil candidatos por vaga, o que assegura uma seleção extremamente rigorosa.
Em pouco mais de cinco décadas, verificou-se um progresso quantitativo e qualitativo na ciência brasileira. A partir de 2011, atingimos a 13ª posição na produção científica mundial em periódicos indexados. O progresso nas engenharias foi um pouco abaixo em termos mundiais, mas neste período diversos programas de excelência foram consolidados e produziram pesquisas relevantes para diversos setores da economia brasileira. É o caso da engenharia offshore, aeronáutica, motores elétricos, motores flex (etanol), compressores para ar-condicionado, entre tantas outras.
O que as universidades podem fazer para melhorar a qualidade da engenharia no país? Existe uma necessidade de renovação dos cursos da área?
Sandoval Carneiro: Apesar de constar claramente na Constituição de 1988, a autonomia da universidade brasileira é uma ficção. No caso das engenharias, as diretrizes curriculares estabelecem um número excessivo de horas-aula para a formação de engenheiros. A pouca flexibilidade que resta encontra obstáculos nos modelos departamentais e de atuação docente, que vinculam, por exemplo, a dimensão do corpo docente à carga horária de disciplinas. O progresso científico e tecnológico impõe a renovação contínua dos cursos, o que se pode questionar é a velocidade com que isto ocorre. No Brasil, existem instituições bastante ágeis na atualização dos seus cursos, enquanto que outras permanecem muito defasadas. Entretanto, há um conjunto de universidades que desenvolvem programas de excelência em nível de graduação e de pós-graduação, produzindo pesquisas de alto nível e com impactos importantes para a sociedade brasileira.
Países como a Alemanha, Estados Unidos e França buscaram flexibilizar os modelos de ensino superior, incentivando formações intermediárias. Um exemplo dessa flexibilização são os “community colleges” nos Estados Unidos, que propiciam um primeiro nível de formação. Os alunos mais talentosos podem então partir para graus de ensino mais elevados nas universidades. As principais mudanças que deveriam ocorrer nos cursos de engenharia seriam a diminuição do número de disciplinas e a exigência de mais trabalhos individuais. Somente dessa forma os estudantes “aprenderão a aprender” e vão adquirir independência de pensamento.
O Brasil conseguirá suprir as demandas da engenharia no futuro, sobretudo se a economia se aquecer a níveis superiores aos atuais?
Sandoval Carneiro: Os jovens talentosos estão atentos às oportunidades de carreiras que aliem os desafios a uma remuneração compensadora. Em anos recentes, ocorreu uma reversão na procura e na evasão dos cursos de engenharia, motivada pela ampliação na oferta de empregos em diversos setores da indústria, com ênfase na área energética, inclusive óleo e gás. Mas não me preocupa muito uma eventual escassez de mão de obra; podemos sempre atrair profissionais competentes de outros países.
Mas não seria melhor estimular a engenharia entre os jovens do país em vez de atrair profissionais de fora?
Sandoval Carneiro: Sei que a frase pode produzir controvérsias, mas afirmei de propósito. Claro que é sempre bom contar com mão de obra nacional, mas existe um inevitável tempo de resposta entre as oportunidades surgirem e os jovens orientarem suas carreiras. Os Estados Unidos souberam muito bem aproveitar os imigrantes de diversos países da Europa, que já vinham com a educação completa. Exemplos de imigrantes que muito contribuíram para a riqueza da nação americana são o alemão Wernher von Braun, que cooperou para o programa espacial americano, e o sérvio Nikola Tesla, que participou da criação dos Sistemas Elétricos de Energia. Atualmente, o Canadá recebe entre 150 e 170 mil imigrantes por ano, escolhidos a dedo graças aos atrativos que oferece. Estima-se que cada imigrante educado agrega cerca de 500 mil dólares a economia do país.
Como coordenador da mesa redonda “O Valor das Engenharias” durante a Reunião Magna 2015, o senhor pode dar um panorama sobre o que será apresentado?
Sandoval Carneiro: Os palestrantes convidados abordarão diversos aspectos da engenharia. Através de exemplos de suas especialidades, irão demonstrar que a principal missão da engenharia é fazer a ligação entre a ciência e as coisas úteis que a humanidade usa no dia a dia, enfatizando a importância de aliar estes progressos ao desenvolvimento sustentável.
O engenheiro civil
e professor da USP Vahan Agopyan falará sobre a origem da engenharia, mostrando que sua consolidação se deu somente no século XIX, quando aconteceu o casamento da experiência com as ciências básicas. Ele ainda comentará sobre a crescente demanda por maior interdisciplinaridade, inclusive com as áreas de ciências humanas e ambientais.
e professor da USP Vahan Agopyan falará sobre a origem da engenharia, mostrando que sua consolidação se deu somente no século XIX, quando aconteceu o casamento da experiência com as ciências básicas. Ele ainda comentará sobre a crescente demanda por maior interdisciplinaridade, inclusive com as áreas de ciências humanas e ambientais.
Em seguida, o engenheiro eletrônico e professor da UFRJ Edson Watanabe comentará sobre a crescente necessidade de assegurar a sustentabilidade dos processos e produtos desenvolvidos com base na apropriação de novos avanços científicos. Por fim, ele vai analisar as melhores estratégias para a busca de mais inovações, com ênfase no Brasil.
Mario Veiga, engenheiro eletricista, é o principal líder da empresa PSR. Durante o painel, ele vai mostrar como a engenharia teve um papel fundamental na transformação do mundo, enfatizando os sistemas elétricos de energia, que são considerados um dos mais complexos já construídos pela humanidade.
Finalizando, o engenheiro mecânico e professor da UFSC Álvaro Prata falará sobre o impacto das máquinas, equipamentos e das novas tecnologias e processos industriais na sociedade. Algumas importantes realizações tecnológicas ocorridas ao longo do século XX serão exploradas e novas fronteiras da engenharia no século XXI serão identificadas.
Não perca a mesa-redonda “O Valor das Engenharias”, no dia 4 de maio, 2ª feira, às 15h15, na Academia Brasileira de Ciências.
Nesta semana, a ABC publica uma série de entrevistas e reportagens com coordenadores de sessões e participantes da Reunião Magna 2015, que adiantarão os assuntos de suas apresentações e falarão sobre seus respectivos trabalhos e a relação deles com o tema do evento. Confira as entrevistas anteriores feitas com o coordenador da Reunião Magna, Vivaldo M. Neto, com o matemático francês Étienne Ghys e com a vencedora do Nobel de Química Ada Yonath.
SERVIÇO
Evento: Reunião Magna da ABC 2015
Data: 4 a 6 de maio
Local: sede da ABC, na Rua Anfilófio de Carvalho, 29, 3º andar, Centro, Rio de Janeiro/RJ. Próximo ao metrô Cinelândia.
Confira a programação.