A astrofísica Thaisa Storchi Bergmann, professora da UFRGS, tem pós-doutorado na Universidade de Maryland (EUA) e desenvolve pesquisa sobre buracos negros. Foto: Brigitte Lacombe/Divulgação
A cientista polonesa Marie Curie foi a primeira mulher a receber um Prêmio Nobel e única a receber dois — o primeiro em Física, em 1903, ao lado do marido Pierre Curie, e o segundo em Química, oito anos depois, pela descoberta dos elementos químicos rádio e polônio. Ela foi cientista em um tempo em que não havia espaço para as mulheres nessa área. Morreu de leucemia, vítima do seu próprio objeto de pesquisa, a radiação, em 1934, provavelmente por causa da intensa exposição durante todos os anos dedicados à ciência.
Ninguém acreditaria que, em 1955, a ictióloga (especialista do ramo da zoologia que estuda peixes) norte-americana Eugenie Clark criaria um pequeno laboratório em um barraco de madeira em Plácida, na Flórida (EUA). Na época, professores da Universidade de Columbia, em Nova York (EUA), haviam lhe dito que aceitá-la em um programa de pós-graduação seria uma perda de tempo, pois ela terminaria como uma dona de casa. Apesar de ter se casado cinco vezes e ter tido quatro filhos do segundo marido, Eugenie terminou um PhD na Universidade de Nova York e hoje é considerada uma das pioneiras nos estudos dos tubarões, sendo apelidada de “The Shark Lady” (ou “A dama tubarão”, em tradução livre).
Cientistas como Marie Curie e Eugenie Clark continuam a inspirar mulheres em todo o mundo a desenvolverem seus talentos no campo científico. Mas segundo dados da Unesco, do total de profissionais envolvidos com a pesquisa científica, apenas 30% são mulheres. Há grandes exceções: na Bolívia, por exemplo, 63% dos pesquisadores são do sexo feminino, enquanto na França, a taxa é de 26%.
Mesmo em países em que as mulheres são maioria nos campos científicos, como na Argentina, que tem 52% de mulheres pesquisadoras, elas trabalham para o setor público e costumam ser preteridas no privado, que costuma pagar melhores salários — só 29% se dedicam à pesquisa em instituições privadas.
No Brasil, um levantamento feito no ano passado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) mostrou que a participação feminina nas bolsas de Produtividade em Pesquisa correspondia a 36% do total de bolsas concedidas em 2013. Eram 4.970 bolsas para mulheres e 8.994 para homens.
Já na bolsas oferecidas para iniciação científica nas universidades, 56% dos jovens cientistas beneficiados são mulheres. “Nos anos iniciais da formação, muitas mulheres começam a fazer pesquisas científicas, mas à medida que a carreira avança, essa porcentagem diminui. As mulheres se tornam mães e abandonam a carreira cientifica”, afirma a astrofísica Thaisa Storchi Bergmann, professora do Instituto de Física da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
“Para Mulheres na Ciência”
Formada em Física pela UFRGS em 1977, hoje com 59 anos, Thaisa Bergmann é chefe do departamento de Astronomia e Grupo de Pesquisa em Astrofísica, tem doutorado em física pela UFRGS e fez pós-doutorado na Universidade de Maryland e no Space Telescope Science Institute, ambos nos Estados Unidos.
Thaisa descobriu que a maioria das galáxias ativas tem buracos negros e dedica a sua vida profissional a estudar esse fenômeno. “Os buracos negros são a manifestação extrema da gravidade. O estudo da gravidade hoje é essencial para o nosso dia a dia, pois o posicionamento dos GPSs, dos satélites, depende dos cálculos relativos ao campo gravitacional da Terra. Temos que conhecer a gravitação nos seus maiores detalhes e o estudo dos buracos negros nos proporciona isso”, diz.
Para ela, apesar dos avanços, a mulher precisa se esforçar mais para provar que é tão boa quanto os homens em sua área. E conta que viveu um episódio em que o fato de ser mulher e mãe quase prejudicou sua carreira. “Eu ganhei um turno de observação em um observatório no Chile e, nessa época, meu filho caçula estava com quatro meses e precisava mamar. Perguntei se poderia levá-lo e recebi resposta negativa. Eles tinham receio que ele começasse a chorar e atrapalhasse o sono dos outros pesquisadores. Mas eu insisti e me colocaram em uma casa separada. Tive que contratar uma babá para me acompanhar. Fiz todo um esforço que provavelmente alguém do sexo masculino não precisaria fazer”, afirma.
Thaisa Bergmann é uma das pesquisadoras que receberá no dia 18 de março o prêmio “Para Mulheres na Ciência”, entregue pela Unesco em parceria com a LOréal, em Sorbonne, na França. Outra brasileira, a professora adjunta da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás Carolina Horta Andrade, 31, também será premiada, dentro do programa Talentos Internacionais em Ascensão.
Carolina é graduada em Farmácia pela Universidade Federal de Goiás, tem doutorado em Fármacos e Medicamentos pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP (Universidade de São Paulo), com estágio de doutorado-sanduíche em Química Medicinal e Computacional na Universidade do Novo México (EUA).
Ela afirma ser de uma geração diferente da de Thaisa Bergmann. “Eu nunca senti nenhum tipo de dificuldade. Inclusive, acredito que muitas possuem preconceito contra elas mesmas, acham que não podem desenvolver a mesma atividade, com a mesma eficácia, que um pesquisador”, diz.
Carolina Horta Andrade desenvolve pesquisas para a descoberta de novos fármacos no tratamento da leishmaniose, uma doença crônica causada por protozoário, que pode se manifestar na pele ou nas vísceras. “Os medicamentos usados hoje foram desenvolvidos na década de 1950. Além disso, são terapias muito caras. Levando em consideração que é uma doença que afeta países em desenvolvimento, é imprescindível que esses remédios sejam mais acessíveis”, explica. A pesquisa vem sendo desenvolvida há três anos. “Esse prêmio vai nos ajudar até financeiramente a alavancar as pesquisas nessa área”.
Estereótipos
A questão levantada por Carolina Horta Andrade de que há pesquisadoras que têm preconceito com outras mulheres foi a mesma abordada pela neurocientista Suzana Herculano-Houzel em uma de suas colunas no jornal Folha de S. Paulo.
Bióloga formada pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), com mestrado na Case Western Reserve University (EUA), doutorado na Universidade Paris VI (França), pós-doutorado no Instituto Max-Planck de Pesquisa do Cérebro (Alemanha), afirma que o problema está nos estereótipos. “São sobretudo os estereótipos contra as mulheres, inevitavelmente internalizados por elas, mudando suas expectativas e a forma do seu cérebro decidir e agir, que as afastam de algumas carreiras”, diz. Segundo ela, para desfazer o estrago causado por estereótipos é preciso começa a “enxergá-los e repudiá-los”.