Leia o artigo escrito pelo Acadêmico Celso de Melo, em que faz um histórico do desenvolvimento brasileiro e de outras nações para questionar qual o tipo de país que queremos construir.
“Por volta de 2040, com o envelhecimento substancial de sua população, começará a se fechar para o Brasil uma das últimas oportunidades para materializar a antiga promessa de, enfim, se tornar o “país do futuro”. Até lá, porém, teremos condições de nos beneficiarmos de um bônus demográfico em que uma ainda importante leva de jovens, melhor educados como nunca antes em nossa história, estarão entrando no mercado de trabalho.
Por tanto se falar dos problemas reais da educação brasileira, ocorre com frequência o esquecimento dos progressos recentes nesse setor. Por volta do ano 2000, embora com séculos de atraso, conseguimos atingir um marco civilizatório expressivo, ao assegurar a cobertura universal do ensino fundamental a nossas crianças entre 7 e 14 anos. Como consequência, por dramáticos que ainda sejam os casos de escolas sucateadas ou de professores sem estímulo ou formação, o fato é que hoje a maioria expressiva de nossos adolescentes completa o ensino médio e tem justas expectativas de obter uma formação mais avançada. Basta examinar esses dois dados para se ver o quanto a sociedade brasileira mudou (para melhor) nas últimas seis décadas.
Ao lançar seu plano de governo, que previa o avanço de “cinquenta anos em cinco”, o Presidente Juscelino Kubitschek teve de optar por uma modernização exógena, com a abertura do mercado às empresas estrangeiras. Não havia base de capital, recursos humanos ou tecnologia local que pudesse servir de pontos de apoio a um projeto nacional autóctone.
Apesar da excelência de nossa arquitetura, música e cinema de então, esses casos nativos de sucesso mais se constituíam em exceção do que em regra. Em 1960, no Brasil que surpreendia o mundo ao inaugurar Brasília, a comunidade acadêmica era muito pequena, com a quase absoluta inexistência de pesquisa nas universidades ou de programas de pós-graduação, até mesmo em nível de mestrado.
Hoje, o Brasil forma cerca de treze mil doutores a cada ano e apresenta confirmados casos de sucesso no desenvolvimento de tecnologia própria em temas de fronteira como agricultura tropical, extração de petróleo ou indústria aeronáutica. E quanto a capital, temos a promessa dos recursos do pré-sal, o que nos permitirá começar a próxima década como um dos maiores exportadores de petróleo do mundo.
Isso torna premente a resposta à questão definidora de nosso futuro como nação: qual o tipo de País que queremos construir?
Uma visão já adotada em outras ocasiões de nossa história, foi a da modernização cosmética, voltada para compra de produtos estrangeiros mais sofisticados (ou simplesmente mais baratos), em detrimento da indústria nacional. Assim, por exemplo, o superávit comercial duramente obtido pelas contingências da recém-finda guerra mundial foi dilapidado no Governo Dutra com uma liberalidade na compra de meias de nylon, relógios suíços e automóveis importados, dentre outros itens não essenciais. Outras episódicas ondas de modernizações baseadas na abertura comercial irrestrita e sem proteção às empresas e tecnologia brasileiras ocorreram desde então.
Arguimos aqui por um modelo oposto: que nesses 25 anos que nos restam antes que cerre a janela demográfica ainda existente, nossos jovens sejam cada vez mais bem educados com base na ciência e tecnologia mais avançadas, de modo a que a comunidade técnico-científica brasileira se torne um vigoroso elemento a ser levado em conta no planejamento da modernização do País. E que essa qualificada força de trabalho seja integrada de modo efetivo ao desenvolvimento nacional.
Para isso, naturalmente, escolhas terão de ser feitas. Ao longo dos últimos cinquenta anos, os casos do Japão contemporâneo surgido nos anos 50, da Coreia do Sul industrializada com mão de ferro nos anos 70 e da China milagrosamente renascida por Deng Xiao Ping são exemplos de bem sucedidas modernizações aceleradas. Em cada uma delas, a coerência de seus respectivos projetos nacionais orientou e terminou por legitimar as opções feitas. Tal como então ocorreu com eles, hoje, pela necessidade de “correr atrás” da contemporaneidade que nos foge, teremos de privilegiar a formação de cientistas, engenheiros e técnicos voltados para a solução dos grandes desafios e problemas nacionais. O Brasil moderno, soberano e socialmente mais justo que desejamos não irá surgir pela repetição dos mesmos erros, em tentativas de modernização pela compra de tecnologia estrangeira ou pela adoção acrítica de modelos de desenvolvimento que tiveram sucesso em outros países e sob diferentes condições históricas.
Hoje, existe enfim à disposição da sociedade civil e dos órgãos e agências governamentais uma massa crítica de pesquisadores talentosos nas mais diversas áreas do conhecimento que, uma vez convocados, de muito bom grado se juntariam ao esforço de pensar o Brasil do século 21 a partir de nossa própria perspectiva.
É preciso identificar os gargalos nacionais e para eles colimar os esforços de formação de recursos humanos especializados que sejam voltados para a busca de soluções próprias. A inovação, nos dias de hoje o elemento crítico da tríade formada com a ciência e a tecnologia, não se faz no vazio, mas sim ao sermos confrontados com questões práticas e problemas concretos que precisam ser resolvidos.
Nessa corrida contra o relógio, em que a sociedade brasileira precisa atingir os patamares adequados de desenvolvimento e justiça social antes que eles se tornem inacessíveis a uma nação demograficamente envelhecida, o papel orientador do Estado não pode ser negligenciado. A identificação de problemas-chave, o estímulo à criação de institutos e centros de referência para a pesquisa competitiva nas áreas definidas como prioritárias, e a organização de programas mobilizadores de longo prazo poderiam (deveriam?) se constituir em elementos aglutinadores, garantindo a fixação dos jovens cada vez mais bem qualificados, e a participação de empresas no desenvolvimento de tecnologia local direcionada ao enfrentamento de cada problema específico. A erradicação das doenças da pobreza, a superação dos presentes nós logísticos nos diferentes modais de transporte e o trem-bala (por que comprar pacotes prontos e não desenvolver/adaptar localmente a tecnologia necessária?), a construção e lançamento de nosso satélite geoestacionário, e a modernização tecnológica ora em curso das forças armadas são apenas alguns exemplos de programas de médio e longo prazo em que a inteligência nacional e o setor empresarial poderiam ser convocados para o desenvolvimento de tecnologias próprias e inovadoras para nossos problemas específicos.
É isso que fizeram e continuam a fazer nossos competidores, uma vez assegurada a base de desenvolvimento da educação e do avanço da ciência e tecnologia como um sistema integrado. Os países líderes, quer adotem de maneira explícita ou não uma agenda nacional de pesquisas, sabem muito bem quais são suas prioridades e para onde seus recursos (necessariamente limitados) devem ser mais bem direcionados. A aquelas nações que não foram ainda capazes de identificar suas necessidades, ou de fazer suas próprias escolhas, resta term
inar por seguir as indicações e estratégias alheias.”
Celso P. de Melo é doutor em Física pela Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, mestre em Física e graduado em Engenharia Química, ambos pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). No ano de 1986-1987 foi Fulbright Senior Visiting Scholar junto ao Departamento de Ciência de Materiais do Massachusetts Institute of Technology (MIT), em Cambridge, EUA. É professor titular da UFPE e pesquisador 1-A do CNPq.