Políticas científicas eficazes dependem diretamente do diálogo entre cientistas e tomadores de decisão. Instituições como o Conselho Internacional para a Ciência (ICSU, na sigla em inglês) vêm realizando importantes ações nesse sentido, conforme mostrou seu presidente, Gordon McBean, no Seminário Internacional Sociedade e Natureza, realizado na Academia Brasileira de Ciências (ABC) nos dias 30 de setembro e 1º de outubro. O evento foi fruto de uma parceria da ABC com o ICSU e o Conselho Internacional para Ciências Sociais (ISSC).

O ICSU promove a universalidade da ciência e a colaboração internacional entre pesquisadores, com o objetivo de identificar e endereçar as questões mais importantes tanto para a ciência quanto para a sociedade. Segundo McBean, é essencial, nesse contexto, facilitar a interação entre cientistas de todos os países e disciplinas – intuito que o Seminário Sociedade e Natureza, que reuniu cientistas naturais e sociais em busca de soluções para problemas globais, justamente buscou cumprir.

 

Programas que unem ciência e sociedade

Por isso, o ICSU tem participação ativa e intensa em muitas iniciativas nesse sentido. No campo das mudanças climáticas, por exemplo, promoveu e ainda promove, desde 1957, diversos projetos, como o Programa de Pesquisa Global da Atmosfera, o Programa de Pesquisa sobre o Clima Global e o Programa Internacional Geosfera-Biosfera. Outro empreendimento importante é o Ano Internacional Global (IPY), organizado em parceria com a Organização Meteorológica Mundial (WMO), o maior programa de pesquisa científica focado nas regiões do Ártico e Antártico.

 

Uma das iniciativas mais importantes é a plataforma de pesquisa global FutureEarth, que fornece o conhecimento e apoio para acelerar as transformações rumo a um mundo sustentável, nas próximas décadas. Foi lançada em 2012 e é fruto de uma parceria entre o ICSU, o ISSC, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), entre outras instituições. ”São cientistas naturais e sociais trabalhando juntos pela sustentabilidade, como nesse evento”, afirmou McBean, durante sua apresentação.

Para McBean, é imprescindível criar um programa de ”co-design”, ”co-production” e ”co-delivery”, em que cientistas não se limitem a apenas participar de congressos e encontros, mas entreguem resultados. ”É preciso estar envolvido de fato, não basta listar o nome e fingir que está participando. Temos que pensar na ciência para a política e na política para a ciência. Façamos isso para nossos netos.”

 

Espaço para mudanças

Gabriel Blanco, presidente do Comitê Executivo de Tecnologia da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), comentou os resultados do mais recente relatório do Painel Interamericano de Mudanças Climáticas (IPCC), o AR5, do qual ele participou. O já conhecido (e preocupante) cenário, de aumento das emissões de CO2 e de gases de efeito estufa por ação antropogênica, apresenta, ainda assim, espaço para mudanças. Para mitigar esses problemas, no entanto, são necessárias transformações tecnológicas grandiosas.

Para Blanco, deve-se considerar os fatores que estão diretamente relacionados a essas emissões, como as populações dos países, seus respectivos PIBs
Produto Interno Bruto] per capita e a intensidade energética da sua produção. Fatores secundários, como disponibilidade de combustíveis fósseis, padrões de consumo e escolhas comportamentais da sociedade também devem ser levados em conta. ”Aspectos subjacentes estão sujeitos a políticas e medidas que podem ser aplicadas sobre eles”, disse o palestrante.

Visando a implantação de políticas que lidem com esses problemas a serem enfrentados globalmente, foi criado o ”The Technology Mechanism” em 2010, durante a 16ª Conferência das Partes (COP 16), pela UNFCCC. O objetivo é facilitar o aprofundamento de ações de desenvolvimento e transferência de tecnologia que promovam a mitigação e adaptação em relação às mudanças climáticas. ”Os países em desenvolvimento devem ajudar nesse processo”, ressaltou Blanco.

Ele enfatizou, no entanto, que as mudanças climáticas são apenas ”a ponta do iceberg”. ”Os problemas sociais e econômicos são mais profundos. Precisamos lembrar que o desafio que enfrentamos não é tecnológico. Ele está ancorado no paradigma de que o crescimento econômico e os recursos naturais são ilimitados. Essa ideia tem base filosófica em Bacon, Descartes, Newton, Locke e Smith”. Lidar com esse problema, completou Blanco, requer uma abordagem integrada, em que a sociedade e a natureza sejam vistos como um todo indivisível.

 

O cenário crítico da Amazônia

O secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e Acadêmico, Carlos Nobre, falou sobre aspectos ambientais relativos à Amazônia. O cenário é preocupante: todos os modelos de projeção das consequências das mudanças climáticas mostram que, até o final do século 21, entre 18 e 48% da floresta tropical terá sido substituída por savana (veja imagem abaixo). ”Essa transformação está parecendo inevitável”, alertou.

Em 2050, a floresta amazônica terá tido redução de 50%, segundo Nobre, que mencionou, ainda, projeções que indicam um prolongamento das estações de seca na região por conta das mudanças climáticas, desmatamento e queimadas. Apenas nos últimos dez anos, houve dois recordes de secas (2005 e 2010) e três de inundações (2009, 2012 e 2014). ”Será apenas uma manifestação da probabilidade ou pode ser um sinal precoce do aquecimento global?”

A boa notícia é que as emissões de gases de efeito estufa a partir de mudanças do uso da terra, em relação às emissões globais, estão diminuindo: esse percentual era de 36% em 1960, 19% em 1990 e 8% em 2013. Ainda assim, as emissões decorrentes de combustíveis fósseis continuam aumentando, o que pode gerar uma elevação na temperatura global de 3 a 4°C.

”As autoridades podem e devem corresponder a esse cenário, através de políticas que levem em conta tecnologias inovadoras que já vem sendo desenvolvidas”, afirmou Carlos Nobre, destacando a importância de usufruir da biodiversidade amazônica de forma sustentável, para adicionar valor a seus produtos, como o açaí, e beneficiar a população. ”A ciência e a tecnologia devem oferecer soluções para a emergência de uma bioindústria local inovadora, juntamente com a capacitação e a educação em massa do povo da floresta.”

 

Os pequenos passos do México

José Franco, da Academia Mexicana de Ciências, ressaltou que, para que decisões políticas efetivas sejam tomadas, informação científica é fundamental. Ele informou que seu país e a América Latina em geral não são bons exemplos nesse sentido: ”Houve um divórcio entre cientistas e tomadores de decisão, tanto no setor público quanto privado, por muitas décadas”.

No México, conforme contou Franco, o ambiente da ciência nunca foi positivo. A comunidade científica, de cerca de 45 mil pesquisadores, não tem impacto político, econômico e social, o orçamento para pesquisa & desenvolvimento (P&D) foi muito baixo por quase quatro décadas (atualmente é de cerca de 0,5% do PIB, sendo que a maior parte vem de fundos públicos), e por muito tempo praticamente não houve relação entre as universidades e o setor privado.

A situação vai se modificando aos poucos. Um conselheiro científico foi contratado pela Presidência do país, a relação dos cientistas com os legisladores vem melhorando e diversos seminários e workshops vêm sendo realizados. ”O problema-chave ainda é a falta de investimentos do setor privado”, lamentou o palestrante.