Coordenadora geral de Tecnologias da Educação da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC), Maria Beatriz Coelho é doutora em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP).
Descrevendo a estrutura do ensino brasileiro, Beatriz explicou que o Conselho Nacional de Educação (CNE) define as diretrizes da educação básica, que são orientações levadas aos estados e municípios,, ”Os municípios têm autonomia para trabalhar a educação. Então, tudo é negociado. O governo federal completa, muitas vezes, os recursos dos municípios, através de verbas ”carimbadas” do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
”Conseguimos o ensino de nove anos, estamos com 50% das crianças na pré-escola, existe todo um trabalho nas creches para mudar o atendimento e construir mais unidades. O processo é muito mais lento do que gostaríamos, mas está andando”, afirmou Beatriz.
Ela credita o atraso na educação brasileira ao fato de a instituição universitária ser jovem no país. ”A primeira universidade do Brasil é da década de 30, no século XX, enquanto que a de Bolonha é do século XI e a de Paris, do século XIII.” Outro fator que contribui para o atraso no setor educacional são as desigualdades socioeconômicas, muito grandes no país, tanto no nível público como no ensino particular, de acordo com a palestrante. ”A falta de escolaridade dos pais dificulta o rendimento dos alunos”, afirma.
Ela conta que através do Programa Fora da Escola não Pode, promovido pela UNICEF e que conta com parceria do MEC, está sendo feita a busca ativa das crianças e adolescentes fora da escola, que são em torno de 3.500. ”São crianças que moram em áreas isoladas, ou que apresentam algum tipo de deficiência que dificulta sua ida à escola. Neste número também estão incluídos os adolescentes que abandonam a escola, muitas vezes para trabalhar”, explicou Beatriz. ”O ensino fundamental foi universalizado no país e quase todas as crianças já estão frequentando a escola.”
Beatriz destacou a importância dada pelo governo ao Pacto de Formação de Professores Alfabetização na Idade Certa e ao Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio. Esse segmento do ensino é considerado desinteressante, desatualizado, estanque, muito focado nas disciplinas e desenvolvido por professores cansados, que correm de uma escola para outra a cada turno letivo. ”Assim, não há como existir um trabalho interdisciplinar”, lamenta a coordenadora.
Embora a Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008, garanta que 1/3 do tempo do professor deve ser dedicado à sua formação continuada, na prática isso não ocorre. Ela relata que está sendo conduzido um grande programa de formação presencial, coordenado pelas universidades parceiras, que envolve cerca de 480 mil professores. ”Esta formação acontece nas próprias escolas em que eles trabalham, e uma das contrapartidas dos estados e Distrito Federal é garantir a liberação dos professores nestes horários.” Os participantes ganham uma bolsa pequena para garantir a dedicação exclusiva, de modo que se formem grupos de professores em cada escola. ”Aí poderá haver interdisciplinaridade e a qualidade do ensino vai melhorar”.
Beatriz destaca que o acesso ao conhecimento produzido pela humanidade é um direito garantido aos estudantes. Mas os professores são mal remunerados, então quem hoje procura a profissão tem baixa formação e baixo padrão de exigência. ”Ainda vemos professores sem contrato, tendo que ministrar uma disciplina diferente a cada ano.”
Colaboração da sociedade para novas diretrizes
As bases que dão sustentação ao projeto nacional de educação responsabilizam o poder público, a família, a sociedade e a escola pela garantia a todos os educandos de um ensino estruturado de acordo com determinados princípios. E para corresponder a isso, novas diretrizes curriculares vêm sendo discutidas nos últimos dois anos por um Grupo de Estudo, que elaborou um documento e o passou para o MEC. ”O Ministério avaliou, mexeu em algumas coisas e agora o documento está sendo debatido com os estados e municípios. Vamos pedir à ABC para contribuir”, ressaltou Beatriz.
Mas como transformar diretrizes em realidade? Para Beatriz, a teoria é boa, mas a prática ainda não. ”É difícil mudar a cultura dos professores e dirigentes das escolas, assim como da família, que precisa estar mais próxima da escola. Onde isso acontece, os alunos rendem mais”. A qualidade dos livros didáticos é outro problema apontado por ela. ”Eles não respeitam a diversidade brasileira. Com a aprovação da base nacional comum, os livros didáticos deverão ter o conteúdo obrigatório reduzido, dando ao professor a possibilidade de desenvolver um trabalho mais próximo da realidade dos alunos”, apontou Beatriz.
Grandes desafios
Segundo Beatriz Coelho, o Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024) aprovado este ano tem diferenças em relação aos anteriores. Uma delas é o fato de ser decenal por força constitucional, o que significa que ultrapassa governos. Além disso, tem vinculação de recursos para o seu financiamento, com prevalência sobre os Planos Plurianuais (PPAs). ”Começa com 7% do PIB, subindo para 10%, assim como inclui 75% dos royalties do pré-sal para a educação.”
Também por força de lei, cumpre a função de articular o Sistema Nacional de Educação em regime de colaboração entre a União, estados e municípios. Ela explica que têm que ser criados 27 planos estaduais e 5.556 planos municipais num período curto. ”Em um ano, todos os estados têm que estar com seus sistemas construídos. Mas uma dificuldade para alcançar essa meta é a falta pessoal qualificado no Brasil, inclusive para repassar verbas. As pessoas não sabem montar um projeto, não sabem fazer uma prestação de contas. Temos uma oportunidade única agora, com o que se chama de janela demográfica, por que em breve o país terá menos jovens do que adultos e idosos”, alertou a palestrante.
Debate suscita polêmicas
Aberta a discussão subsequente à primeira sessão do X Seminário ABC na Educação Científica, intitulada ”Ensino de Ciências no Contexto Educacional Brasileiro”, uma professora de uma escola municipal do interior da Bahia criticou o projeto Alfabetização na Idade Certa. ”Ainda temos muitos alunos do 6º ao 9º ano que são analfabetos funcionais. Eles não são reprovados, então vão sendo empurrados. A inclusão de alunos deficientes é outra questão: tem que haver um preparo para o professor, nós não sabemos o que fazer com esses alunos na sala de aula.” Ela destaca que o fator tempo é relativo. ”Estou numa escola há cinco anos e ela era ‘mais ou menos’. Hoje, ela está muito melhor. Então, 30 ou 50 anos ‘apenas’ não é desculpa pra não executar um projeto.”
Qual é o papel da escola e o do professor hoje em dia? Qual o papel do livro didático? Palestrante da sessão junto com Beatriz Coelho, o Acadêmico Jailson Bittencourt respondeu a essas perguntas, avaliando que os livros didáticos atualmente têm mais erros e falta de foco temporal do que acertos. ”Antigamente, quando eu estava na escola, não havia livros disponíveis em português, era melhor ter os livros didáticos do que estudar em livros estrangeiros. Usar o mesmo livro didático hoje em dia em todo o país é absurdo. Por exemplo, o rio que é mostrado no livro de geografia é azul, mas na Amazônia ele é marrom.”
Jailson Bittencourt, Viviane Briccia e Maria Beatriz Coelho
Bittencourt defendeu que o estudante na sala de aula hoje tem um instrumento fantástico que é o celular. ”Precisamos desenvolver mecanismos para que o estudante possa potencializar o uso desse recurso junto com o professor em sala de aula. Hoje um celular tem mais capacidade computacional do que a NASA teve pra levar o homem à Lua e trazer de volta.” Ele apontou que atualmente, enquanto o professor está dando aula sobre um determinado assunto, o estudante pode estar checando a veracidade, a transversalidade e a profundidade do que ele está apresentando.
”Este é um momento muito rico pra se pensar no papel do professor, que tem que se reinventar. E o caminho, no Brasil, é o ensino semi-presencial para equalizar o país. Só o ensino a distância não mantém a concentração do estudante e só o presencial tem um custo altíssimo. E para atingir essa meta o professor tem que ser devidamente preparado.”
Jailson referiu-se ao foco da sustentabilidade hoje, que é a tríade energia-água-alimento. ”Essas questões tem que ser vistas em três dimensões. A dimensão econômica e a tecnológica são sempre consideradas, mas há outra dimensão que vem sendo negligenciada e é emergente: a social.”
Ele avalia que não há uma preocupação com a percepção social sobre essas questões fundamentais para a sustentabilidade, por exemplo. ”Qual é a percepção de um jovem, sobre energia? Para alguns é um buraco na parede onde ele mete um fio e liga tudo que quiser. Para outros, os dois gravetos que ele esfrega pra fazer fogo. Qual a percepção de água para um jovem brasileiro? Se for baiano, é a Baía de Todos os Santos. Se for carioca, a praia. No Semiárido, é algo barrento ou algo a que ele não tem acesso.”
Jailson argumenta que a percepção social implica na percepção econômica e na percepção tecnológica. ”É preciso uma grande pactuação com a sociedade para que haja um avanço da educação. O professor tem que estar engajado, assim como a família e a criança, porque é ela que leva o novo conhecimento para a família e para a comunidade, ela é que promove a revolução.”
Para Maria Beatriz Coelho, essa pactuação é fundamental, mas muito complexa. Isso porque, por exemplo, envolve pais que não tiveram acesso à educação, professores com condições de trabalho precárias, um número imenso de escolas, escolas no campo com turmas multisseriadas, ou seja, com crianças de idades totalmente diferentes na mesma sala. Em relação à tecnologia, também existem problemas. Em seu ponto de vista, ”não adianta botar computador em todas as escolas se não tem banda larga, se não há infraestrutura. Temos escolas no semiárido ainda sem água, o MEC está fazendo um grande investimento agora em cisternas. O Brasil abandonou por muito tempo a questão da educação. Por isso, a mudança não é tão rápida como a gente quer. Mas as coisas estão acontecendo, estamos todos aqui trabalhando para melhorar.