João Vital da Cunha Júnior teve uma infância feliz e singela, em diferentes cidades no Rio Grande do Norte. Nascido em Mossoró, viveu no sítio do avô paterno, em Natal e em Currais Novos, cidade dos seus avôs maternos.

Seu pai serviu o exército, onde apreendeu o oficio de operador de máquinas pesadas. A mãe, educada para ser dona de casa, trabalhava também como professora do ensino fundamental. Em seu ponto de vista, a proximidade dos avôs ampliou em João sua dimensão emocional e seu senso de responsabilidade. A vida em diferentes cidades preparou seu espírito para sair de casa mais tarde.

João era o caçula de três filhos homens – o primeiro da família aprovado no vestibular, motivação extra para se dedicar aos estudos. No ambiente familiar, João percebeu o valor do contato com adultos e suas experiências. ”Ouvia-os atentamente, suas histórias e conselhos”, relembra. Sempre chamavam atenção para a importância dos estudos e os principais feitos valorizados na família eram os atos dos doutores.

Os passatempos da infância eram os mais variados e inventivos. ”No sítio fazíamos nossos próprios anzóis, linhas e varas de pescar. Nossas boias eram de madeira menos densa que água, construíamos ‘instrumentos’ para bulir nas caixas de maribondo, tirar goiaba e mangas. Cantávamos e inventávamos músicas, emboladas e histórias”, rememora João Cunha. Já na cidade, o futebol passou a ser dominante, acompanhado pelo vôlei e basquete. E o interesse pelos livros o acompanhou por toda a infância, como filho de professora que era…

Na escola, tirava notas boas em todas as matérias, mas tinha predileção pelos problemas da matemática. Como o irmão mais velho dizia que ia ser engenheiro e o do meio, médico, João sabia que não podia escolher essas carreiras, sob o risco de ser acusado de ”plágio”. Mas desde que conheceu o Super Homem, aos seis anos, dizia que queria ”viajar pelos mundos”, e a mãe o orientava para ser cientista ou astronauta. Com o passar do tempo, a ideia amadureceu, o gosto pela astronomia foi sedimentado e os cursos tradicionais, mais ”bem vistos”, não atraiam João. Aos 12 anos já era o melhor aluno do colégio e tomou a decisão definitiva de ser cientista. Como não conhecia nenhum, passou a buscar na biblioteca da escola livros de astronomia, física e matemática. ”Já sabia que meu destino profissional seria escrito em números e que meu coração se acharia no rastro das estrelas”, diz um poético João.

No final do ensino médio, seu bom aproveitamento levou os professores a quererem ”puxar a brasa para a sua sardinha” e sugerir carreiras para João. ”O professor de português indicava o curso de advocacia ou jornalismo, o de biologia insinuava a odontologia ou medicina, já o de matemática sugeria as engenharias.” Mas João foi fiel ao seu sonho e entrou para o bacharelado em física na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Começou a iniciação científica (IC) com o professor Janilo Santos ainda no primeiro ano, na área de gravitação. No segundo ano, conseguiu uma bolsa de estudo PET-CAPES e no ano seguinte seu orientador o encaminhou para o professor José Ademir Sales de Lima para prosseguir com a orientação de IC na área de cosmologia. A esta altura, João já queria seguir na pesquisa. Formou um grupo de estudo com amigos, com quem assistia a seminários durante a semana e estudava de domingo a domingo. ”O bom era que éramos ‘apaixonados’ pelas ciências, o que tornava essas atividades prazerosas e divertidas”, conta o Acadêmico.

Concluiu a graduação como melhor aluno da turma e entrou no mestrado da UFRN com bolsa da Capes, sob orientação do professor Ademir, desenvolvendo um tema ligado ao Problema da Constante Cosmológica que deu origem a um artigo original publicado no prestigioso periódico europeu ”Astronomy and Astrophysics”.

Estimulado para prosseguir na pesquisa e entusiasmado pelas perspectivas abertas no estudo e compreensão da energia escura, cujo principal efeito é gerar uma expansão acelerada no universo atual, João Cunha iniciou o doutorado novamente como bolsista da Capes, com o mesmo orientador e em 2006 defendeu a tese ”Energia Escura: Origem, Candidatos e Vínculos Observacionais”. ”A quantificação precisa da energia escura e matéria escura, relativamente às outras componentes do universo, assim como a determinação de sua natureza, é apontado por físicos e astrônomos como o problema mais fundamental da interface envolvendo cosmologia, astrofísica e física de partículas”, explica Cunha. Sua tese de doutorado foi contemplada com o Prêmio Professor José Leite Lopes de Melhor Tese em Física de 2007, conferido pela Sociedade Brasileira de Física (SBF), e foi premiada pela Capes com Menção Honrosa na área de Astronomia/Física.

Atualmente professor adjunto da Universidade Federal do Pará (UFPA, João Vital Cunha estuda a história cósmica do universo, ou pelo menos, os dez últimos bilhões de anos. Seus focos são a energia escura, a matéria escura, a dualidade das distâncias, a anisotropia do universo, a forma dos aglomerados de galáxias, a idade do universo e a formação das primeiras galáxias. Pratica esporte e escreve poesia – que considera ”uma linguagem lógica, ‘irmã’ da matemática”. Seu encantamento com a ciência ultrapassa o prazer pelo conhecimento: a considera um mecanismo de emancipação social e individual, imprescindível no mundo atual. ”Além disso, a ciência é uma das poucas criações da humanidade que transcende as linhas territoriais.”

O título de membro afiliado da ABC teve muitos significados para João Vital Cunha. ”A realização de um sonho, o reconhecimento do meu trabalho pelos pares, a possibilidade de aprender com renomados cientistas brasileiros, a oportunidade de servir de exemplo para jovens nas regiões interioranas carentes em ensino. Sinto-me inspirado e na obrigação de manter o nível do meu trabalho”, avalia.

Uma das principais contribuições que pretende dar à ABC diz respeito à formação de pesquisadores e à disseminação da ciência, principalmente na região Norte. “Quanto mais qualificado cientificamente é um povo, melhor pode se defender e ocupar seu lugar no cenário mundial. Nós sabemos que o Brasil e a Amazônia podem muito mais. A ciência é, de fato, um legado de poucos, mas o cientista pode tornar o cerne do conhecimento científico acessível a todos – ou, pelo menos, tentar.”