É nos primeiros anos de vida que o cérebro da criança mais amadurece e, por isso, essa fase é crucial para investimentos na aprendizagem. Apesar disso, as políticas educacionais não estão dando a devida atenção a esse fato, e muito se perde no desenvolvimento dos estudantes e futuros profissionais.
A análise, feita pelo médico neurorradiologista e professor da Universidade de São Paulo (USP) Edson Amaro, que faz pesquisas sobre o cérebro, é fruto do trabalho “Aprendizagem infantil – uma abordagem da neurociência, economia e psicologia cognitiva”, publicado em 2011 pelo grupo de estudos da Academia Brasileira de Ciências (ABC) que trata do tema. Sua contribuição ao livro, sobre a base neurobiológica da leitura, foi um dos assuntos tratados durante o 2º Encontro Regional de São Paulo dos Membros Afiliados da ABC, realizado em 19 de agosto.
Exames como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA, na sigla em inglês) demonstram que o desempenho educacional dos nossos estudantes não é bom. Constantemente, o Brasil está posicionado atrás dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a evolução das notas em matemática, leitura e ciências é praticamente nula. Em 2011, a Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização, a Prova ABC, revelou que quase 60% dos alunos do terceiro ano do ensino fundamental não conseguem resolver problemas básicos de matemática, como soma ou subtração.
A fase da “janela de oportunidades”
De acordo com Amaro, um dos principais problemas desse cenário é a pouca atenção que se dá ao período pré-natal – antes do nascimento até os primeiros anos de vida, em que acontece grande parte do desenvolvimento da estrutura cerebral. “Creche não é depósito de crianças, tem que ser um momento de aprendizado muito rico”, declarou. É a chamada fase da “janela de oportunidades”, em que o cérebro ainda é muito moldável e é fundamental estimulá-lo. À medida que o tempo passa, isso se torna cada vez mais difícil. “As políticas de educação ignoram esse fato.”
Ele pode ser comprovado, na prática, por dados. Cada dólar investido na educação de uma criança de três a quatro anos de idade tem retorno de 17% ao ano. Já o investimento em uma pessoa de 40 anos tem uma taxa de retorno nula ou até mesmo negativa. Isso não significa que não se deve investir em programas de recuperação tardia, pois, para adultos que são alfabetizados, o benefício é enorme. Mas para a sociedade, não há ganhos. “Pensando economicamente, vale mais a pena investir numa pessoa antes de entrar na escola”, diz Amaro.

Elizeu Macedo e Edson Amaro

Ou seja, investimentos na mais tenra idade produzem habilidades que serão usadas para a acumulação de outras – por exemplo, é muito difícil formar um engenheiro que não tenha uma capacidade básica em álgebra. Dificuldades na linguagem também têm impacto negativo: quem não consegue ler, também não será capaz de desempenhar outras atividades. E, ao se considerar que, no Brasil, 40% da população teve acesso apenas à educação pré-primária ou primária (na Indonésia, essa taxa é de 60%), é fácil perceber o desafio a ser enfrentado.
É importante ressaltar, no entanto, que os melhores alunos, correspondentes à elite brasileira, têm pontuação no PISA equivalente à média dos países escandinavos, referências na educação. Ou seja, apesar da redução recente da desigualdade social, ela ainda é um fato relevante nesse âmbito. Além disso, mesmo com o índice de natalidade de 1,9% no país, abaixo da taxa de reposição da população, metade das crianças que nascem são oriundas de famílias de baixa renda. “Quais são as perspectivas de se repor mão de obra?”, questionou o palestrante.
Diante desse cenário, o trabalho de Amaro consiste em usar métodos de neuroimagem e converter várias tecnologias para fazer uma análise detalhada do cérebro, de forma a se descobrir um “histórico” do indivíduo. “Vemos tudo o que tem dentro da pessoa, o que aconteceu, em que parte do cérebro aconteceu. Chegamos ao big data“, diz o cientista. “Tudo o que é observado macroscopicamente, é bem diferente microscopicamente.”
A evolução do Q.I.
Doutor em psicologia experimental e professor adjunto da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Elizeu Macedo falou sobre o impacto do pensamento científico no desenvolvimento individual e coletivo e a “evolução” da inteligência ao longo dos anos.
Segundo o palestrante, o século XX assistiu a ganhos enormes de Q.I. [quociente de inteligência] de uma geração para outra, e as crianças de hoje, de uma forma geral, são mais inteligentes. Nesse período, houve grande evolução em certas habilidades cognitivas, enquanto outras, no entanto, entraram em depressão.
“Nossos ancestrais não eram deficientes. Sua inteligência estava ancorada na realidade cotidiana”, explicou Macedo, informando que, hoje, usamos mais abstrações e raciocínio lógico, bem como hipóteses para atacar os problemas formais que surgem quando a ciência libera o pensamento de situações concretas. “Somos um pouco mais engenhosos, indo além de regras preconcebidas para resolver problemas imediatos.”
Nesse contexto, ele fez uma diferenciação entre inteligência fluida e cristalizada. A primeira está associada a componentes não-verbais, pouco dependentes de conhecimentos previamente adquiridos e da influência de aspectos culturais. A capacidade fluida opera em tarefas que exigem a formação e o reconhecimento de conceitos, a identificação de relações complexas, a compreensão de implicações e a realização de inferências.
Já a inteligência cristalizada representa tipos de capacidades exigidas na solução da maioria dos complexos problemas cotidianos, sendo conhecida como “inteligência social” ou “senso comum”. É desenvolvida a partir de experiências culturais e educacionais, estando presente na maioria das atividades escolares. “Daí decorre o fato das capacidades cristalizadas serem demonstradas, por exemplo, em nível de vocabulário, aritmética e informação”, disse Macedo.
“A inteligência fluida não exige aprendizado, a cristalizada sim”, continuou o professor, acrescentando que, dos anos 50 até os dias atuais, a inteligência fluida se desenvolveu mais. Por isso, a capacidade de abstração melhorou, enquanto aquela ligada à informação, aritmética e vocabulário é a que menos cresce. “As habilidades da década de 50 eram diferentes. Antes a pessoa tinha mais facilidade em consertar coisas, por exemplo, mas teria mais dificuldade em abstrações, e vice-versa”, ressaltou Macedo.