Na tarde de 22 de agosto, no auditório da biblioteca do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN/UFRJ), foi outorgado ao Acadêmico Diogenes de Almeida Campos o título de Doutor Honoris Causa – locução latina que significa “por causa de honra”.
A cerimônia foi presidida pelo vice-reitor da UFRJ, Antonio Ledo Alves da Cunha, que estava acompanhado na mesa pela diretora do Museu, Cláudia Rodrigues Ferreira da Cunha, do Acadêmico e pesquisador do MN Alexander Kellner e do homenageado.
Além de inúmeros amigos e ex-alunos, estavam presentes no evento Elisa e Aurélio, dois de seus três filhos – o terceiro, Diogo, estava em Brasília – e sua esposa Celeste Mendes Nogueira Campos, com quem está casado desde 1997.
Alexander Kellner de pé; na mesa, Claudia Rodrigues, Antonio Ledo
e Diogenes Campos. À direita, a Comissão de Honra.
Coube a Kellner falar sobre Diogenes de Almeida Campos. Ele começou festejando o fato da homenagem estar sendo prestada exatamente no dia do aniversário de 186 anos do Museu Nacional e declarou sua dificuldade em resumir em poucas palavras tudo que Diogenes conquistou, suas importantes contribuições para o Museu Nacional/UFRJ e tudo o que ele fez pelo desenvolvimento da pesquisa no país. Mas se empenhou na missão, em cujo resultado foi baseado o texto a seguir.
Diogenes de Almeida Campos é filho de Aristeu Nogueira Campos e Odete de Almeida Campos, e nasceu na cidade de Irará, na Bahia, em 12 de setembro de 1943.
Seu pai era um ativo político de esquerda, membro do Partido Comunista (PC) e um dos responsáveis por sua organização na Bahia. Foi eleito deputado estadual pelo Partido Socialista Brasileiro em 1963 e cassado em 1964. Em 2014, em uma sessão especial da Assembléia Legislativa da Bahia, lhe foi devolvido, em ato simbólico, o seu mandato de deputado. Naquele evento, Diogenes representou a família – composta por suas duas irmãs, Vera e Mariana.
Quando pequenos, as três crianças foram com os pais para Salvador. Lá estudaram e Diogenes se formou em geologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Embora tivesse passado num concurso para a Petrobras em 1968, no período da ditadura militar, teve impedida a sua contratação, por ser filho de um militante comunista. Mudou-se então para o Rio de Janeiro e foi trabalhar na seção de paleontologia do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Terminou o mestrado defendendo uma dissertação sobre quelônios fósseis na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1978, sob orientação do professor Ignácio Machado Brito.
No DNPM, Diogenes Campos conheceu Llewellyn Ivor Price – o maior paleoherpetólogo do Brasil. Price teve uma enorme influência na vida de Campos. Foi a partir do empenho pessoal de Price que Diogenes Campos ingressou oficialmente no DNPM, onde trabalhou até 2013, quando se aposentou. Hoje, Diogenes trabalha na Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), que é o Serviço Geológico do Brasil, cuidando do Museu de Ciências da Terra, recentemente repassado a essa instituição.
Ensino e pesquisa
Uma vez que não era ligado oficialmente a uma instituição de ensino, Diogenes Campos não orientou alunos formalmente. Porém, auxiliou dezenas de estudantes com orientação informal e disponibilizando material para as suas dissertações e teses. No Programa de Pós-Graduação em Zoologia do Museu Nacional da UFRJ, poucas foram as dissertações e teses defendidas nas últimas duas décadas nas quais não tenha sido expressivo, senão determinante, o uso de material do Museu de Ciências da Terra. “Todos nós, alunos novos e alunos não tão novos, que atuam como orientadores formais, somos muito gratos a essa contribuição do Diogenes”, ressaltou Kellner.
Em sua atividade científica, Campos descreveu novos espécies de animais extintos, sobretudo répteis. Foram pterossauros, crocodilomorphos e dinossauros, contribuindo para um melhor conhecimento da fauna que outrora habitou o Brasil. Um dos grupos que mais lhe interessam é o dos pterossauros, répteis alados sobre os quais existem diversos importantes registros no Brasil. Uma de suas principais pesquisas foi a descrição do pterossauro Anhanguera blittersdorffi, procedente da Bacia do Araripe, que acarretou a proposta de uma família nova: os Anhangueridae. Depois de serem encontrados no Brasil, estas formas foram reconhecidas em outras partes do mundo, inclusive na China.
Outra importante descoberta de Diogenes Campos foi a de um pterossauro de grandes proporções e desprovido de dentes na Bacia do Araripe. Descrito em 2002 como Thalassodromeus sethi, a descoberta desse animal teve uma grande repercussão na mídia (foto abaixo). Um dos principais aspectos desse trabalho foi a sugestão de Campos de que as depressões bem marcadas na superfície da enorme crista deste animal, interpretadas como vasos sanguíneos, deveriam servir para regular a temperatura do corpo do animal. Além disso, conseguiu viabilizar a ida de pesquisadores à China, através da Academia Brasileira de Ciências. Dessa iniciativa, capitaneada por Campos, saíram diversos trabalhos, publicados na “Nature” e nos “Proceedings of the National Academy of Sciences” (PNAS), entre outros periódicos de destaque.
Entre as suas principais realizações estão a publicação de mais de 100 trabalhos, o fato de ter feito parte da elaboração do Mapa Geológico do Brasil, do livro “Geologia do Brasil”, da elaboração do “Léxico Estratigráfico” e de ter contribuído em diversas outras obras de relevância para o desenvolvimento científico na área de geociências. Também foi membro ativo na Comissão Brasileira dos Sítios Geológicos e Paleobiológicos (Sigep).
Divulgação científica
Além da pesquisa, Diogenes Campos também se preocupou com a situação dos depósitos fossilíferos no país, dado que uma grande parte do patrimônio se esvai pelas fronteiras brasileiras. Visando mitigar essa situação, Campos incentivou a criação de museus. O mais importante é o Museu de Paleontologia de Santana do Cariri, no Ceará, criado pelo colega Plácido Cidade Nuvens. Foi com incentivo e suporte de Diogenes que esse museu cresceu e, como produto paralelo, a iniciativa despertou a consciência da população local para o valor científico daquelas “pedras”, incentivando a sua preservação. E o reconhecimento veio através da nomeação de uma das praças de Santana do Cariri nomeou com o seu nome: Praça Dr. Diogenes de Almeida Campos.
Outra iniciativa como essa foi a criação do Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price, na região de Peirópolis, em Minas Gerais. O trabalho de Campos gerou o embrião que, hoje, assume propor
ções cada vez maiores, com um museu bem estruturado, fruto do trabalho das pessoas da região.
Ao Museu Nacional, Diogenes Campos deu uma importantíssima contribuição: a cessão de 60 a 70% do material usado para a montagem da exposição “No Tempo dos Dinossauros”, oriundos do Museu de Ciências da Terra. “Essa mostra deu muita visibilidade ao MN, com grande repercussão na mídia, o que gerou imensas filas para visitação (foto acima). O Museu Nacional ganhou, a partir daí, uma maior atenção, inclusive por parte da própria UFRJ”, observou Kellner. Hoje essa exposição encontra-se montada, de forma permanente, no Museu de Ciências da Terra, na Urca.
Na Academia Brasileira de Ciências, Campos coordenou diversas atividades relacionadas principalmente à editoração e à educação científica, como o Programa ABC Mão na Massa.
Atividade política em prol da CT&I
Durante 12 anos, Diogenes Campos esteve diretamente ligado a Sociedade Brasileira de Paleontologia, tendo exercido o cargo de presidente por sucessivos mandatos. Sua ação política em prol do desenvolvimento da pesquisa básica é abrangente. Após uma conversa com o então ministro de da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) e Acadêmico Sergio Rezende, na Academia Brasileira de Ciências, na qual Campos fez ver a necessidade em investir na pesquisa dos fosseis em nosso país, foi publicado um Edital para o Fortalecimento da Paleontologia pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (CNPq). Este Edital – para cuja realização, naturalmente, houve a participação posterior de outras pessoas -, contou com aporte de aproximadamente 14 milhões, o maior já realizado para essa área de pesquisa.
Títulos e prêmios
Os alunos e colegas de Diogenes Campos de todo o mundo o homenagearam várias vezes, com inúmeras espécies dedicadas a ele. A mais recente foi a Camposipterus nasutus, um pterossauro do Cretáceo inglês, publicado em 2013. Do Governo brasileiro, recebeu o título de Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico. É membro titular da Academia Brasileira de Ciências, da Academia de Ciências da América Latina, é membro correspondente do Museum Nationel d Histoire Naturelle, em Paris, e pesquisador associado do American Museum of Natural History, em Nova Iorque.
E a esses títulos foi acrescentado, na ocasião, o de Doutor Honoris Causa, outorgado pela UFRJ, em reconhecimento a tudo que Diogenes de Almeida Campos fez pelo desenvolvimento científico no ramo da geologia e paleontologia no nosso país.
O vice-reitor da UFRJ entregando a Diogenes Campos o diploma
de Doutor Honoris Causa, sob aplausos da plateia,
da diretora do Museu Nacional e de Alexander Kellner