O editor dos Anais da ABC (AABC), Alexander Kellner, iniciou sua fala no 2º Encontro Regional de Membros Afiliados da ABC da Região Sul, realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) no final de abril, comentando a sobrecarga de atividades do pesquisador. “Nós temos que dar aulas, palestras, participar de bancas, comissões, reuniões, atuar em coordenação, em chefias, fazer prestações de contas e… fazer pesquisa”, ilustrou. Em seu ponto de vista, o trabalho do pesquisador brasileiro está preso num emaranhado legal e por isso, entre outras razões, Kellner avalia que os membros afiliados da ABC devem aproveitar as oportunidades de participar, em alguma medida, das decisões das políticas públicas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I). “É uma oportunidade que vocês precisam aproveitar porque diz respeito ao nosso dia a dia e ao de quem virá depois de nós”, ressaltou o paleontólogo.
Voltando ao tema da palestra, Kellner acentuou que para se manter cientificamente ativo o cientista precisa de recursos e, para obtê-los, ele precisa publicar – além de todas aquelas outras atividades que citou no início. E então, se entra numa linha de produção de papers. “É o que pode ser identificado como viver sob o efeito padaria [bakery effect]: a necessidade de ter novas publicações todos os meses, em tempos pré-determinados. Ou seja – que tenhamos resultados sempre!” E isso, segundo Kellner, acaba influenciando as perguntas ou os projetos que são submetidos, pois os pesquisadores passam a priorizar aqueles que terão uma probabilidade maior de resultados em detrimento daqueles mais exploratórios, com resultados nem sempre garantidos. “No entanto, são as vezes esses últimos que podem auxiliar de forma mais efetiva o desenvolvimento da ciência”, defendeu o Acadêmico.
Dentro desse quadro, ainda existe a questão do tempo, que é finito. “Como conseguir ser mais produtivo dentro das exigências apresentadas anteriormente? E como fazer isso mantendo sua integridade científica? Esses são alguns dos principais desafios dos novos tempos. “
Boas práticas
A integridade científica, de acordo com Kellner, é um conjunto de valores relativo às ações tomadas pelo pesquisador no desenvolvimento de seu trabalho, que são avaliados e aferidos pela comunidade científica. Ele citou alguns manuais de boas práticas científicas que se remetem às recomendações fundamentais.
Mas estas boas práticas, muitas vezes, têm limites sutis. O palestrante exemplificou, referindo-se a plágio e autoplágio, que é um tipo de situação em que o pesquisador usa trechos de outros trabalhos seus. E comentou também a questão da autoria coletiva. “Quem pode ser coautor de um trabalho? O coordenador? O chefe do laboratório? Os técnicos? O orientador atual e o futuro? E o pessoal do laboratório?” Kellner referiu-se, ainda, à inclusão “sob pressão” de citações de orientadores ou revisores, assim como de autocitações. “Enfim, são situações nebulosas, que nos fazem questionar quando e como estamos violando a nossa própria integridade.”
Temas desconfortáveis
Kellner citou pesquisas (JME e MJA) e sobre artigos retratados que mostram que a maior parte deles o são por erros metodológicos. Outra pesquisa mais recente, no entanto, apontou que 2/3 dos artigos retratados o são por fraude nos dados. A pesquisa mostra também que os tipos de retratação estão relacionados com os países de origem – a fraude é maior nos EUA e os erros metodológicos são mais frequentes nos países da Ásia. “E quem é que deve avaliar os erros e as punições correspondentes?”, indagou o palestrante.
Referindo-se então à punição e à denúncia de fraudes, Kellner colocou para a plateia algumas perguntas desconfortáveis. “Por exemplo, o que você faz se o seu orientador ou colega está falseando dados e só você sabe disso? E se você é um editor, o que faria para aumentar o impacto da sua revista?” O Acadêmico ressaltou que uma revista científica é considerada boa quando tem fator de impacto alto. E que alguns editores aumentam artificialmente o número de citações para alcançarem um índice de impacto maior. “Seis revistas brasileiras tiveram recentemente um número considerado excessivo de citações ou autocitações e destas, três já tinham sido suspensas pelo JCR [Journal Citation Reports] anteriormente”, relatou.
Kellner citou uma revista diferente – a PLOS One, que aceita 70% dos artigos submetidos, ao contrário da Science e da Nature, que recusam 90% dos artigos recebidos. “É uma revista que se propõe a publicar tudo que seja cientificamente correto, independente do impacto. É uma proposta interessante.” Para Kellner, um dos principais problemas da ciência brasileira é a língua – o código sagrado é a língua inglesa e a qualidade do inglês dos pesquisadores brasileiros nem sempre é boa.
Ética e confiança
As questões relacionadas à integridade científica são muito importantes na relação da ciência com a sociedade. “Isso tudo envolve uma responsabilidade muito grande, para que não desvalorizemos a ciência diante da população. Precisamos que as pessoas compreendam a ciência e, para tanto, precisam confiar nela. Nós, mentores de jovens cientistas, temos que ser cuidadosos e atentos ao orientar nossos alunos com relação às questões éticas.”
Finalizando, Kellner apresentou a revista da qual é o editor-chefe – os Anais da Academia Brasileira de Ciências (AABC). “Atualmente, o fator de impacto dos AABC é 0,85. De 2011 a 2013, o número de artigos submetidos dobrou, assim como o de artigos publicados”, relatou. Convocou os pesquisadores presentes a mandarem artigos para os AABC, que têm como política editorial publicar os artigos de acordo com a sua importância.
“Não tem fila ou lista de espera. Se for um artigo acima da média e que tenha excelentes avaliações pelos pares e pelo editor responsável, podemos publicar a pesquisa…
em até três meses.”