Pesquisadores brasileiros e chineses apresentam num artigo publicado na revista Current Biology alguns dos mais impressionantes fósseis de pterossauros já encontrados. O grupo descreve os restos de cerca de 40 indivíduos de uma nova espécie de réptil voador que viveu no noroeste da China no Cretáceo Inferior, entre 146 e 100 milhões de anos atrás. O bicho tinha envergadura de até 3,5 metros e foi batizado de Hamipterus tianshanensis, em homenagem à região de Hami e às montanhas de Tian Shan, onde os vestígios foram encontrados.
Como os pterossauros tinham ossos extremamente finos, que lhes facilitavam o voo, seus fósseis são extremamente raros. A maioria das espécies desse grupo já descritas é conhecida por restos de um ou dois espécimes apenas. Encontrar dezenas de indivíduos de uma mesma espécie, como foi o caso, é extremamente raro. Os autores acreditam que o número de espécimes encontrados pode chegar às centenas.
Um dos autores do trabalho é o brasileiro Alexander Kellner, pesquisador do Museu Nacional, ligado à UFRJ. Conversei com ele sobre o trabalho alguns dias atrás, antes que ele embarcasse para o Irã, onde está em viagem de campo. O paleontólogo destacou então a quantidade de fósseis encontrados – o número pode passar de mil – e seu estado de preservação. “O material é maravilhoso”, definiu.
Outro aspecto notável do achado é o fato de os fósseis incluírem ao menos um crânio quase completo de um macho e outro de uma fêmea, o que ajuda a entender o dimorfismo sexual nessa espécie. Mas o detalhe mais impressionante do achado é que, junto com os ossos, foram encontrados nada menos que cinco ovos – os primeiros desse grupo de animais preservados em três dimensões. Antes disso, apenas quatro ovos de pterossauros haviam sido encontrados, três na China e um na Argentina – todos achatados, preservados em duas dimensões apenas.
Os cientistas notaram semelhanças entre os ovos encontrados e os de algumas espécies de cobras modernas. Os achados permitiram aos autores formular novas hipóteses sobre o comportamento reprodutivo dos répteis alados, sobre o qual se sabe muito pouco. O fato de dezenas de indivíduos e ovos terem sido encontrados juntos sugere que os animais dessa espécie viviam em bandos. “O Hamipterus provavelmente fazia seus ninhos à beira de lagos de água doce ou rios e enterrava seus ovos na areia ao longo da margem, para impedir que ressecassem”, afirma o artigo.

O trabalho apresenta os primeiros ovos de pterossauro preservados
em três dimensões já encontrados (foto: Maurilio Oliveira)
O trabalho foi conduzido pelo paleontólogo Xiaolin Wang, da Academia Chinesa de Ciências. Além de Alexander Kellner, a paleontóloga Taissa Rodrigues, ex-aluna de Kellner e pesquisadora da Universidade Federal do Espírito Santo, também assina o trabalho, que tem ainda outros nove autores da China.
Um dos principais pesquisadores de pterossauros no mundo, Kellner vem trabalhando em parceria com a equipe de Wang há mais de dez anos. A colaboração com os chineses já rendeu a descrição de dez espécies de pterossauros encontradas na China – o Hamipterus é a décima-primeira.
Em 2009, um fóssil achado naquele país, também em extraordinárias condições de preservação, permitiu ao grupo descrever em detalhes a estrutura das asas dos répteis alados. O achado deu força à ideia de que alguns desses animais tinham o corpo coberto por uma pelagem espessa pouco parecida com a que recobre os mamíferos – os paleontólogos chamam esses pelos de “picnofibras”, usando o termo proposto por Kellner e colegas.
A edição de junho de piauí traz um perfil de Alexander Kellner que passa em revista alguns de seus achados mais importantes e relata os percalços enfrentados por ele em suas pesquisas – recentemente, o paleontólogo chegou a ser preso, acusado de transportar fósseis ilegalmente. Espero voltar ao assunto no blog ao longo do mês. A piauí 93 chega às bancas esta semana. Por enquanto, o texto completo pode ser lido por assinantes.
Para ver o post original, clique aqui.
Veja também matéria do Notícias da ABC sobre o trabalho em conjunto dos paleontólogos brasileiros e chineses.
Leia, ainda, matéria do jornal O Globo sobre o achado na China.