Durante o 2º Encontro Regional de Membros Afiliados da ABC da Região Nordeste e Espírito Santo foi realizada a mesa-redonda intitulada “Pesquisas sobre biodiversidade brasileira e os subsídios para sua conservação”. O coordenador da mesa foi o membro afiliado da ABC Mirco Solé, biólogo doutorado pela Universidade de Tübingen, na Alemanha, atualmente professor do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação da Biodiversidade da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), na Bahia.
Ampla potencialidade para novas descobertas
Solé conta que em seu quintal na Bahia se encontra mais biodiversidade do que na Alemanha inteira. Mas essa riqueza vem diminuindo: as taxas de extinção de espécies estão 1.000 a 10.000 vezes maiores atualmente do que as causadas por processos naturais dos últimos 100.000 anos. Junto com Felipe Siqueira Campos e Daniel Brito, Mirco Solé estuda os padrões de diversidade e tendências de pesquisa relacionadas à conservação de anfíbios no Brasil, avaliando a contribuição das pesquisas herpetológicas realizadas durante a década de 2001 a 2010, frente ao cenário mundial.
As maiores ameaças, segundo o cientista, são a fragmentação de habitats, a contaminação ambiental – que causa doenças infecciosas – e as mudanças climáticas. “A variação de temperaturas está reduzindo realmente as espécies de anfíbios que não aguentam o calor”, explica Solé, destacando que as estratégias conservacionistas para anfíbios ainda estão direcionadas para regiões de baixa diversidade e com espécies não ameaçadas.
O número de publicações dedicadas à conservação de anfíbios, segundo Solé, tem aumentado consideravelmente nos últimos anos. Em sua pesquisa, ele identificou autores de 19 países que, em sua grande maioria, publicaram em parceria com pesquisadores brasileiros. A maior parte das pesquisas é dedicada à taxonomia (20%) e descrição das espécies. Os temas menos investigados são a fisiologia, ecologia de populações e farmacologia.
Em seu ponto de vista, a herpetologia brasileira deve prestar mais atenção às famílias que são pouco conhecidas e estão mais ameaçadas. “As espécies amazônicas são muito diferentes das demais. Existe uma alta diferenciação nos padrões de distribuição e composição específica de anfíbios entre os biomas brasileiros. Nestes dez anos, foram identificadas 37 espécies novas no país. Existe uma ampla potencialidade para novas descobertas em relação à biologia de anfíbios neotropicais”, exalta Solé.
Apesar do aumento no número de artigos publicados nos últimos anos sobre anfíbios do Brasil, eles ainda são pouco conhecidos. Solé avalia que ainda há uma grande necessidade de ampliar a pesquisa, principalmente quanto a espécies ameaçadas, dinâmicas populacionais e relações interespecíficas. “Uma vez que tenhamos identificado tais fatores, precisamos estabelecer prioridades para avaliar se a atual distribuição de áreas protegidas incluem a abrangência geográfica das espécies-alvo de anfíbios para a conservação.”
Valorizando economicamente a biodiversidade amazônica
Pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) há dez anos, Noemia Kazue Ishikawa comentou que, na década de 90, ficou entusiasmada quando viu imagens de animais passarem a ilustrar as notas de dinheiro do Brasil. “Achei que isso era um sinal positivo com relação à conservação das espécies.” Mas agora, 20 anos depois, ela está preocupada com a situação da biodiversidade brasileira, que está estacionada ou sendo reduzida.
Ainda assim, ela pensa estar no melhor lugar do mundo para desenvolver pesquisa em micologia, que é o estudo de fungos. “Estimativas apontam que há mais de um milhão e meio de espécies de fungos desconhecidos. A riqueza na Amazônia é impressionante, já coletei espécies surpreendentes”, comenta a cientista, eleita membro afiliado da ABC para o período de 2009 a 2014. Ela trabalha em taxonomia, bioprospecção, fungicultura, biologia e fisiologia de fungos e diz que o negocio é saber o que procurar. “Estamos publicando espécies novas coletadas no próprio campus do INPA”, conta Noemia.
A Acadêmica também tem pesquisado cogumelos comestíveis nativos do Brasil, motivada pelo fato de só se encontrar nos supermercados espécies asiáticas e europeias. “Encontrei na literatura 34 cogumelos consumidos pelos índios e populações amazônicas, então fui conhecê-los”, relata. E foi um tiro certo: suas pesquisas sobre os cogumelos amazônicos despertaram o interesse dos chefs Alex Atala e Felipe Schaedler. Este último, inclusive, saiu na última revista Forbes como uma das pessoas com menos de 30 anos mais promissoras do mundo, já comentando suas experiências com cogumelos da Amazônia. Ambos os chefs começaram parcerias com a equipe de Noemia.
Pratos do chef Felipe Schaedler com cogumelos amazônicos
Na outra ponta da cadeia produtiva, o grupo liderado pela Noemia firmou parceria com o proprietário da Fazenda Aruanã, na região de Manaus, onde recentemente foram iniciados testes de produção de uma espécie de cogumelo (Lentinula raphanica) do mesmo gênero do shiitake (Lentinula edodes). “Os cogumelos são considerados alimentos funcionais da gastronomia brasileira e japonesa. Esse interesse culinário pode se tornar uma boa fonte de renda para as populações amazônicas”, entusiasma-se a cientista.
Noemia diz que está gostando de mudar um pouco de foco da pesquisa básica sobre a biodiversidade amazônica para pesquisas aplicadas. “Além de ajudar o povo da região, é importante criar meios de valorizar a biodiversidade da Amazônia, de modo que ela seja mais bem aproveitada do que simplesmente como ilustração das notas brasileiras.”
O estudo da biodiversidade do Semiárido
O coordenador geral do Programa de Pesquisa de Biodiversidade (PPBio) do Semiárido, Luís Fernando Pascholati Gusmão, da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), apresentou o programa de govern
o que integra atividades de pesquisa em biodiversidade em 18 instituições – 17 universidades da região e a Embrapa.
Contextualizando o programa, Gusmão explicou que o semiárido é uma região de poucas chuvas, distribuídas irregularmente no ano. Envolve nove estados, perfazendo um total de 900.000 km2, que correspondem a 8% do território do Nacional. É composto por caatinga, campo rupestre e cerrado, onde vivem 20 milhões de pessoas, ou seja, 10% da população brasileira, com baixos índices de qualidade de vida. Ele apontou os principais desafios regionais: é preciso que haja desenvolvimento mas evitando o desmatamento e a desertificação, ameaças acentuadas pelo aquecimento global.
Campo rupestre, caatinga e cerrado
As atividades de pesquisa que integram o PPBio do Semiárido são bastante variadas. Envolvem, por exemplo, uma rede de inventários que busca catalogar as espécies do semiárido, determinando as espécies endêmicas e o “status” de sua conservação, assim com indica áreas prioritárias para conservação, assim como uma rede de acervos biológicos, tratando da manutenção, ampliação e informatização das coleções. O programa prevê ainda o desenvolvimento de áreas temáticas, como a conservação da fauna, a bioprospecção de microorganismos, fitoquímica e conservação de plantas, e o estimulo à pesquisa inovadora, assim como a formação e fixação de recursos humanos especializados. “Hoje temos mais de 100 participantes, dos quais 40 são bolsistas”, conta Gusmão.
Os resultados do programa têm sido também muito ricos e variados. Incluem a disponibilização e informatização das coleções, além do apoio a diversos simpósios e eventos. Foi criada ainda uma exposição itinerante, intitulada “(Re)conhecendo a biodiversidade do semiárido”, que está visitando 25 municípios, com distribuição de nove mil kits e cartilhas. “Em termos de produção acadêmica, o PPBio do Semiárido já gerou 68 artigos, 56 resumos e apresentações, 26 dissertações, 20 monografias, nove teses, oito palestras, um livro e cinco capítulos de livro”, enfatiza Gusmão.
O pesquisador reafirma a importância de se estabelecer uma agenda de pesquisa em biodiversidade no Brasil que propicie um ambiente favorável ao desenvolvimento de novos bioprodutos e bioprocessos, voltados à conservação e ao uso sustentável da biodiversidade.
Por um planejamento sistemático da conservação

Professor do Laboratório de Ecologia e Evolução do Departamento de Zoologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Ricardo Dobrovolski trabalha com globalização, agricultura e conservação.
Ele abordou o impacto da agricultura na história da humanidade, destacando que hoje ela destrói 38% dos habitats da superfície da terra e consome 70% da água doce do planeta. E esse problema tende a piorar com o aumento populacional previsto de 9,3 bilhões de habitantes na Terra até 2050 e o uso de agrocombustíveis. “Já temos um bilhão de famintos e nosso sistema agrícola degrada o solo, a água, a biodiversidade e o clima em escala global”, alerta Dobrovolski.
Para corresponder às necessidades mundiais de segurança alimentar e sustentabilidade, a produção de alimentos precisa crescer substancialmente enquanto que, ao mesmo tempo, a pegada ambiental agrícola requer uma redução radical. Grandes progressos, no entanto podem ser feitos com estratégias adequadas – como parar a expansão agrícola, reduzir o desperdício e modificar a dieta das pessoas, preencher as lacunas de produtividade e aumentar a eficiência dos recursos. Juntas, essas estratégias podem dobrar a produção de alimento e, ao mesmo tempo, reduzir significativamente o impacto ambiental da agricultura.
O cientista aponta que as decisões em relação à conservação estão sendo tomadas de forma um pouco desorganizada. “Deve haver um planejamento sistemático da conservação.” A criação de reservas, apenas, não é suficiente para a conservação da natureza, segundo Dobrovolski, mas é a base sobre a qual as estratégias regionais vêm sendo construídas. “É preciso desenvolver uma abordagem mais sistemática para localizar e desenhar reservas, que têm dois objetivos principais – representar a biodiversidade de cada região e isolá-la de processos que ameacem sua manutenção.” As etapas necessárias para estabelecer a conservação de forma sustentável envolvem ainda, entre outras questões, a revisão das áreas protegidas, a priorização de áreas para a conservação, a prática de ações de conservação e o monitoramento de sua performance.

Áreas prioritárias para conservação considerando o custo agrícola

“Esse é o objetivo do nosso trabalho, que envolve também a globalização da conservação. Ela não significa, apenas, integração, pois vem sendo realizada por um conjunto restrito de interesses e por isso tem tido alguns ganhadores e alguns perdedores – e estes são, como sempre, os mais pobres”, alertou Dobrovolski. Para enfrentar esses desafios, o pesquisador aponta também as mudanças políticas necessárias, como incorporar a agricultura no planejamento e compensar os países pobres afetados. “Para tanto, faz parte do trabalho a identificação e aproximação com os tomadores de decisão.”