A sessão da Reunião Magna da ABC sobre “Inovação em Energia”, coordenada pelo Acadêmico Jailson Bittencourt de Andrade, químico da Universidade Federal da Bahia (UFBA), reuniu pesquisadores e empresários com foco em novas fontes energéticas.
João Pinho, Richard Moore, Jailson Andrade, Marcos Buckeridge e Gonçalo Pereira
Toda forma de energia tem impactos ambientais
O professor titular da Universidade Federal do Pará (UFPA), João Tavares Pinho, abordou as fontes renováveis de energia. Ele explicou que praticamente toda forma de energia na Terra vem ou veio do Sol e destacou que todos os aproveitamentos energéticos têm impactos ambientais.
Falando sobre as vantagens e desvantagens das fontes renováveis, Pinho listou como vantajosas a diversificação das fontes de energia, o equilíbrio no uso dos combustíveis fósseis, a redução da dependência de combustíveis importados, a redução da poluição dos sistemas convencionais e o fato de serem apropriadas para aplicações de pequeno e grande porte. Como desvantagens, citou os ainda altos custos de investimento e da energia, ainda não competitivos. Pinho observou ainda que depender da natureza significa depender de sua intermitência, referindo-se especialmente ao vento e ao sol.
O pesquisador abordou a diversidade de oportunidades no desenvolvimento da geração de energia com fontes renováveis no Brasil. “A tecnologia fotovoltaica vem sendo usada em sistemas de bombeamento e para a desinfecção de água com energia sola, por exemplo.” Citou ainda a energia eólica de grande e pequeno porte, os geradores hidrocinéticos, a biomassa gerada da utilização de resíduos, a energia oceânica de marés, ondas e correntes marítimas. Em seu ponto de vista, essa variedade deve ser aproveitada, através da criação de sistemas híbridos com mini redes inteligentes, que selecionem a fonte de energia mais adequada a cada circunstância. Um bom exemplo apresentado por Pinho foi um sistema de produção de gelo com energia solar fotovoltaica, projeto que foi finalista do Desafio Google Brasil pelo Instituto Mamirauá.
João Tavares Pinho coordena o Grupo de Estudos e Desenvolvimento de Alternativas Energéticas (Gedae) e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Energias Renováveis e Eficiência Energética da Amazônia (INCT-EREEA). Pinho também é diretor técnico do Instituto para o Desenvolvimento de Energias Alternativas na América Latina (IDEAL) e membro do Conselho de Administração da Sociedade Internacional de Energia Solar.
A caminho do etanol de segunda geração
Marcos Buckerigde tratou dos desafios na produção de bioetanol. Ele é professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e realiza pesquisas em fisiologia, bioquímica e biologia molecular de plantas, com enfoque no funcionamento de espécies tropicais, respostas de plantas às mudanças climáticas globais e bioenergia. É um dos autores líderes do 5º Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) lançado em 2014, e é coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (INCT do Bioetanol).
Buckeridge apresentou sua linha de pesquisa voltada para a segunda geração do bioetanol, produzida a partir da parede celular. “O Brasil tem 400 usinas de açúcar metade do açúcar. A metade do açúcar produzido é para fazer bioetanol e o que sobra no campo é bagaço e palha.” O especialista explicou que o cálculo da energia que existe na planta de cana mostra que 1/3 está nas folhas que ficam no campo, 1/3 no bagaço e o que se consegue retirar e usar realmente é apenas 1/3. Esse material que sobra é constituído, principalmente, de uma estrutura chamada parede celular. “Então sabemos que existe um potencial. Se conseguirmos retirar a energia que está nos açúcares da celulose, da hemicelulose e das pectinas que ficam nessa parede celular, poderíamos teoricamente triplicar a produção de etanol no Brasil.”
Mas ainda não se produz etanol a partir desse material, porém, em função da dificuldade de quebrar os açúcares, principalmente da celulose. O pesquisador apresentou todas as etapas de sua pesquisa que levaram ao estágio atual do conhecimento. Após várias tentativas de estabelecer um processo para a quebra dos açúcares, seu grupo está trabalhando no sentido de usar biotecnologia para que a planta se auto amoleça. “Já chegamos a um modelo usando proteínas e enzimas. Estamos construindo o conhecimento científico para fazer com que a parede celular amoleça sozinha e fique preparada pra fazer a hidrólise, de modo a chegar ao etanol de segunda geração. Esse é o nosso objetivo”, concluiu Buckeridge.
O açúcar será o novo petróleo
Professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o engenheiro agrônomo Gonçalo Amarante Guimarães Pereira falou sobre a importância de se conectar ciência e tecnologia. Agora diretor-científico da empresa GranBio, da qual é co-fundador, ele atua na estratégia tecnológica corporativa e coordena a empresa BioCelere, dedicada ao desenvolvimento de biomassa de alta produtividade e biologia sintética. Pereira diz que, como empresário, tem aprendido a fazer contas. Comparando o Brasil com os EUA, ele apresentou números que demonstram que a maioria dos cientistas norte-americanos está nas empresas e não fazem ciência de segunda linha. “Eles não são líderes por acaso. Nosso ambiente acadêmico está longe de ser bom para a produtividade, não só empresarial, mas científica.”
Pereira avalia que o cientista brasileiro ingressa na universidade por concurso e tem salários isonômicos – o que não estimula a produtividade, a proatividade nem a inovação. Seu foco é na produção de artigos o que, na visão de Pereira, significa entregar informação de bandeja. “Vai contratar um consultor nos EUA pra ver quanto custa”, desafia o palestrante. Aponta, ainda, que o cientista em nosso país busca segurança, tem baixo interesse por patentes, baixo interesse por criar empresas, pouco contato com capital de risco e pouco relacionamento com empresas.
Ele aponta que hoje o Brasil produz 2,8% do conhecimento mundial. “Até produzimos muito, mas pouca gente lê ou cita os trabalhos feitos aqui, nossa produção científica tem impacto baixo. Consequentemente, estamos mal em inovação tecnológica”. Para Pereira, porém, a lista de problemas é também uma lista de oportunidades. “Exportamos commodities, que podem ser transformadas em algo de muito mais valor, como fazem os chineses.”
Comparando com o Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), os números são espantosos. A instituição já gerou 25 mil empresas que empregam um milhão e 600 mil pessoas, com 1,5 trilhões de dólares de faturamento anual – valor correspondente a 50% do PIB brasileiro. Esse resultado é baseado em excelência acadêmica, num ambiente multicultural, numa intensa relação entre academia e indústria e numa forte proteção de propriedade intelectual. “E isso tudo numa instituição do tamanho da Unicamp. Isso é o que se pode chamar de liderança tecnológ
ica”, destaca Pereira.
ica”, destaca Pereira.
Para o pesquisador, o Brasil deve aproveitar sua extraordinária vocação agrícola, que envolve uma quantidade de área cultivável maior do que o dobro da existente nos EUA e a liderança que já tem na produção de álcool de cana. “Na medida em que a tecnologia se desenvolva, o açúcar será o novo petróleo. Mas nossa produção de etanol está caindo. Agora, precisamos de cérebros para produzir açúcar de segunda geração, que vem da biomassa.” Para tanto, segundo o especialista, é preciso ter uma biomassa de alta produtividade, assim como a tecnologia de produção necessária para converter açúcar fermentescível em produtos químicos.
Pereira diz que a cana é de açúcares e não de açúcar. Dependendo do cruzamento, se pode produzir a cana de açúcar que acumula sacarose, que é a que conhecemos, ou a cana-energia, uma espécie de dinossauro vegetal, que tem uma produtividade bem maior por hectare. “Ela tem uma resistência muito maior, dá em solos pobres, requer menos água. É como plantar petróleo. Mas não é simples como usar sacarose de cana de açúcar. É preciso abrir as estruturas e trabalhar com as enzimas. Requer muito conhecimento científico em biologia sintética. É a hora de pegar essa ciência de alta qualidade que já existe no Brasil, converter em tecnologia e produzir dinheiro.”
Essa é a proposta da GranBio, concebida em 2011 na Unicamp, controlada pela família Gradin com participação do BNDESPAR, que detém 15% da companhia. Tem cerca de 400 funcionários em três empresas: a BioCelere, que é uma empresa de tecnologia; a BioVertis, que é a empresa que produz biomassa; e a BioFlex, que abrange usinas de etanol de segunda geração.
Segundo Pereira, a GranBio acredita e investe na capacidade cientifica brasileira. Desenvolve pesquisas em biologia sintética com biomassa cujo objetivo é gerar melhoramentos para sacarose e para lignocelulose, gerando a chamada “cana-energia”. “A interação da Unicamp com a GranBio pode converter 400.000 toneladas de biomassa em 50 milhões de reais”, conclui o cientista.
Projetos reais para resolver problemas reais
O gerente tecnológico do BG Group Richard Moore apresentou as perspectivas de inovação da BG no Brasil. Destacou a liderança de mercado do grupo multinacional de energia, que está entre as 15 principais empresas listadas na Bolsa de Valores de Londres. Presente em 20 países, o BG Group tem produção estimada em 70% de gás e 30% de óleo e líquidos. Suas atividades envolvem cerca de 5.400 colaboradores de 70 nacionalidades.
A BG Brasil é parceira em um dos maiores projetos de óleo e gás da história – o pré-sal da Bacia de Santos. Opera na Bacia de Barreirinhas, tendo investido mais de US$ 7 bilhões no Brasil desde 1994 e prevendo um investimento de US$ 3 bilhões por ano nos próximos cinco anos. Seus projetos envolvem programas sociais focados em educação tecnológica e procuram criar condições sustentáveis para os objetivos do negócio, com estímulo a parcerias de pesquisa de alta qualidade, com foco em desafios com alto potencial de retorno e dando prioridade a soluções com ampla aplicabilidade. “Nossos programas tecnológicos envolvem programas de fundação na subsuperfície e na superfície, assim como em engenharia de poços. Os investimentos são realizados mediante aprovação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).”
O projeto de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em eficiência energética, por exemplo, já promoveu chamada de propostas, visando facilitar o desenvolvimento de tecnologias em conjunto com a indústria. “Esse programa abrange a implementação de novas tecnologias e agregará valor à indústria de óleo e gás. Envolve operadoras, universidades, fornecedores e governos, cada um com sua contribuição essencial para a inovação. É uma grande oportunidade para o desenvolvimento da tecnologia existente no Brasil”, ressaltou Moore.
Com relação à formação de pessoal qualificado, o grupo mantém projetos ou discussões em andamento com uma rede global de universidades na Alemanha, Austrália, Brasil, Canadá, EUA, Noruega e Reino Unido. Aqui, promove o Programa BG Brasil Fellowship, numa parceria com o Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNPq/MCTI) e o apoio da ANP, alinhado ao programa Ciência sem Fronteiras. Com foco em temas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, na sigla em inglês), o programa financia a capacitação de pesquisadores em óleo e gás em nível de doutorado e pós-doutorado. “Esse tipo de parceria público-privado é o melhor modelo para incrementar a economia do conhecimento”, disse Moore, acrescentando que atualmente há oportunidades disponíveis para candidatos nas áreas de geologia, engenharia, engenharia de reservatório e inovações em gás.
Com vistas a inaugurar ainda este ano um Centro Global de Tecnologia no Rio de Janeiro, Moore explica que a cláusula de P&D do BGBrasil requer que 1% do faturamento bruto em grandes campos de petróleo seja investido em projetos de P&D no país e que pelo menos 50% sejam investidos em instituições credenciadas, como universidades. “Em resumo, nossa filosofia é buscar identificar e viabilizar novas oportunidades de crescimento na nossa área de atuação. Todas essas ações têm como objetivo maior desenvolver tecnologias para melhorar a gestão ambiental, de segurança e de riscos”, concluiu.