“Empreendedorismo” foi a palavra de ordem da mesa “Inovação na indústria para engenharia”, que abriu o último dia da Reunião Magna da ABC. Coordenado pelo engenheiro químico Pedro Wongtschowski (à esquerda), membro do Conselho de Administração da Ultrapar, o debate teve início com a visão do economista Horacio Lafer Piva, da empresa Klabin, a maior produtora e exportadora de papéis no Brasil.
Os gargalos da engenharia
Piva falou sobre o problema da escassez de engenheiros no país. “Estamos colocando na escola menos do que a demanda do mercado, e parte ainda fica pelo caminho. A evasão é muito grande”, disse o palestrante, explicando que esses estudantes chegam à graduação com deficiências do ensino médio. “Vamos ter que ser muito mais ousados. O Brasil não vai se safar se não enfrentar esse tema da engenharia, inclusive do ponto de vista cultural.” Ele deu o exemplo do Japão, que concentrou esforços na inovação industrial e na formação de engenheiros.
O economista comentou que é muito difícil encontrar pessoas com a habilidade de trabalhar em conjunto, e, consequentemente, montar equipes multidisciplinares. O empecilho para inovar, de uma forma geral, se dá na resistência em querer desenvolver soluções originais, criativas, de modo que as empresas se fecham no corporativismo e querem fazer mais do mesmo. “Sem capacidade de trabalhar com sistemas complexos, perde-se a percepção do mercado.” Para Piva, outro problema dos recursos humanos no Brasil é a falta de domínio da língua estrangeira.
Aumentar a oferta de engenheiros de qualidade implica em trabalhar no perfil deste profissional e na evasão, informa Piva. É preciso estimular o estudo de engenharia e solucionar os gargalos do ensino médio. “Temos que ajudar o engenheiro a se orgulhar de si mesmo e ser mais ousado, além de tornar mais pública a demanda e fortalecer a articulação com as empresas”, alertou. “Os cursos de engenharia são as áreas do conhecimento com maior potencial de inovação tecnológica, e a realidade atual tem pouca aderência com o que é exigido pelo mercado de trabalho.”
Ricardo Felizzola, Fernando Reinach, Horácio Lafer Piva e Gerson Valença
Inovação radical
O Acadêmico Fernando Reinach, gestor do Fundo Pitanga, especializado em venture capital (capital de risco), apresentou a visão de quem trabalha há 11 anos na área e falou sobre a relação entre empresas de base tecnológica, universidades e fundos de investimento. Segundo ele, nesse ramo há dois estados de espírito. Um é o de “melhorar”, ou seja, fazer algo cada vez melhor, em um processo onde tudo é planejado. É a “inovação incremental”, onde o fracasso não é esperado e é visto como uma falha. “Se fizer algo diferente para ver o que acontece, a empresa quebra”, explicou.
O outro estado é o de “inovar” – fazer algo diferente na esperança de que seja melhor, mas que às vezes é pior. É a “inovação radical”, onde o fracasso é esperado e visto como aprendizado. É a cultura, por exemplo, do Vale do Silício. “Uma pessoa desse estado de espírito é alguém que já quebrou três empresas e o investidor pensa esse cara já aprendeu, vou investir nele.” É uma cultura que não foi desenvolvida no Brasil.
Reinach afirmou que companhias maduras têm dificuldade em aceitar ideias que questionam seu modelo de negócio. “Essas empresas são destruídas por inovações radicais”, afirmou. Ele deu o exemplos da Western Union que, em 1876, desacreditou do telefone e continuou usando o telégrafo. Hoje, sua atuação se restringe à transferência internacional de dinheiro. O palestrante acrescentou que foi dentro desse contexto que a Disney comprou a Pixar, a Roche comprou a Genentech, entre outros casos.
Os fundos de venture capital (VC) surgiram nos Estados Unidos, na década de 50, justamente para financiar as empresas que desenvolvem inovações radicais. E a academia, acrescentou Reinach, para gerar esse tipo de inovação, não pode se limitar ao estado de espírito do simples “melhoramento”.
O capital de risco e as caravelas
No entanto, a maior parte das empresas financiadas por VC não dá certo. “Cerca de 10% quebram”, estima o Acadêmico. Então, como esse sistema funciona? Reinach explicou que a ideia de um fundo de capital de risco já era aplicada por Dom Manuel I, “o venturoso”. Ele financiava um grande número de caravelas, das quais 50% afundavam durante a viagem, 30% voltavam com mercadorias de baixo valor e 20% retornavam com novas descobertas e especiarias. O princípio era o seguinte: garantir que caravelas teriam sucesso era impossível, então as bem sucedidas pagavam as que fracassavam. “Para um fundo de capital de risco, cada empresa é uma caravela.”
No caso do Brasil, Reinach afirmou que a inovação ainda está sendo tratada em seu primeiro estágio – a relação entre universidade e empresa. “O que eu acho importante é a segunda parte, em que as empresas grandes compram as menores.” Explicou, então, como funciona o ramo, informando que o volume de capital deve ser maior para os processos de inovação incremental e menor para a inovação radical. “Assim, ideias de alto risco podem ser testadas e descartadas com pouco investimento.”
São três os riscos em um projeto de inovação radical: o retorno financeiro menor que o esperado, o tempo e o custo do desenvolvimento maior que o esperado e a probabilidade de sucesso menor que o esperado. Não é um processo simples: “Estamos há anos nesse ramo, avaliamos 800 empresas e investimos apenas em uma. Mas ela está indo muito bem.”
O exemplo da Natura
O vice-presidente de inovação da Natura, Gerson Valença, falou sobre o papel das grandes empresas nessa área, mas lembrou que a companhia começou pequena, em 1969, e hoje é líder em cosméticos no Brasil, presente em 58,5% dos domicílios. Foram importantes para o sucesso os valores da empresa, tanto pelo lado ambiental (carbono neutro, utilização de refil, uso de materiais recicláveis e reciclados, extração sustentável)
quanto social (geração de valor para a consultora, repartição de benefícios com comunidades extrativistas).
“A inovação está na nossa essência e permeia todos os pilares estratégicos da companhia”, ressaltou Valença. São mais de 250 colaboradores em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e 223 parceiros formais de inovação. “As grandes empresas são agentes fundamentais para impulsionar esse sistema, criando parcerias com a academia para o desenvolvimento da ciência e absorvendo talentos das universidades.”
Valença deu exemplos de iniciativas da Natura para incentivar a inovação, como o projeto Natura Campus, um espaço de colaboração com universidades, empresas e institutos de ciência e tecnologia (ICTs) que já conta com quatro mil especialistas cadastrados e que teve 13 projetos selecionados em dois editais.
A companhia tem, ai
nda, um centro de pesquisa em bem estar e comportamento humano, em parceria com ICTs e órgãos de fomento, voltado para as neurociências e psicologia positiva associados à biologia molecular e às ciências sociais aplicadas.
nda, um centro de pesquisa em bem estar e comportamento humano, em parceria com ICTs e órgãos de fomento, voltado para as neurociências e psicologia positiva associados à biologia molecular e às ciências sociais aplicadas.
O foco está no mercado
Sócio fundador da Altus Sistemas de Automação S/A, Ricardo Felizzola afirmou que sempre houve inovação no mundo, e que hoje ela está virando uma commoditie devido ao ambiente conectado global. “A inovação é um fenômeno econômico, não tecnológico. Não está na academia nem na empresa, e sim no mercado, e é fundamental para a competitividade.”
O engenheiro eletrônico deu exemplo de ambientes inovadores, como Coreia do Sul e Israel, que têm essa cultura desenvolvida nas escolas e facilidades de financiamento. “No Brasil, falta capital humano e não temos uma prática empreendedora”, disse. Felizzola observou que, enquanto Israel tem 4.800 start-ups e 7,9 milhões de habitantes, o que significa uma start-up para 1.600 pessoas, o Brasil tem 2.580 start-ups, ou seja, uma para 71 mil pessoas. “Conhecimento em si nós temos, mas em relação a geração de riqueza, a transformá-lo em PIB, ele não é competitivo.”
Felizzola ironizou a forma que se dá a ideia de empreendedorismo no Brasil: “Aqui, a pessoa tenta passar no concurso público e não consegue, então, de repente, decide criar uma empresa. Não dá para toda a população brasileira passar em concurso público e ter estabilidade, então precisamos estimular a cultura do risco.” Ele também criticou o fato de, no país, não haver oportunidade para a falha, além da burocracia. “As leis trabalhistas e ambientais tolhem a iniciativa de fundar uma empresa. E se não tiver empreendedor, não existe inovação.”
Por isso, destacou Felizzola, é muito importante a consciência do governo de que o país está “na contramão da inovação, e o mundo está dando todas as oportunidades para nós”. “Em um país capitalista, o capital tem que ser submetido ao risco”, declarou.
Veja a matéria da Agência Fapesp sobre a sessão.