O sistema de inovação brasileiro foi tema de uma discussão polêmica no segundo dia da Reunião Magna da ABC. A mesa foi coordenada pelo Acadêmico Alvaro Prata (à esquerda), secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que ressaltou a qualidade da ciência feita no Brasil, mas afirmou que ela não é convertida em benefícios econômicos e sociais.
Segundo Prata, temos o desafio de difundir a cultura de inovação. “O empreendedorismo tecnológico é incipiente, os pesquisadores e cientistas estão apenas nas universidades, há pouca interação entre estas e as empresas, e o setor industrial investe pouco em pesquisa e desenvolvimento (P&D)”, destacou. Para o Acadêmico, é preciso conquistar uma ciência grande, universidades e instituições globais, e gerar produtos e empresas inovadoras.
Mais valor ao conhecimento natural
O presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Glaucius Oliva, também membro titular da ABC, enfatizou que, apesar dos desafios mencionados por Prata, a ciência brasileira cresceu em termos de número de estudantes no ensino superior e de doutores, por exemplo. “Mas estamos muito atrás no que se refere a patentes, à relação de pesquisadores por habitantes e a dispêndios públicos e privados em P&D.”
Ainda assim, Oliva demonstrou uma visão otimista e reforçou que o Brasil tem exemplos de sucesso e do impacto positivo de ciência, tecnologia e inovação na economia do país. Ele citou casos bem-sucedidos, como os do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós Graduação e Pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ) e do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello (Cenpes) da Petrobras.
João Carlos Ferraz, Glaucius Oliva e Glauco Arbix
“Com nosso complexo de vira-lata, às vezes achamos que o que fazemos é muito pior que o que os outros fazem”, comentou. “Mas se hoje vamos a dois mil metros de profundidade de água e cinco mil de rocha para colher petróleo de graça, se produzimos aviões competitivamente, se exportamos grãos, é porque temos gente formada em boas escolas, aperfeiçoadas em bons laboratórios, que contribuíram para chegarmos nesse ponto.”
Nessa linha, Oliva defendeu que não se pode desprezar a liderança do Brasil nas ciências agrárias e na economia do conhecimento natural, estabelecidas ao longo de 60 anos. O país produz 9% dos artigos científicos do mundo em agricultura transdisciplinar. Da mesma forma, a Rússia detém 6.8% da produção científica em relação às ciências espaciais, e a Índia, 6.4% em relação à química. São campos de estudo em que cada nação desenvolveu uma tradição específica. “Portanto, eu não penso no grão de soja apenas como exportação primária”, disse.
O Acadêmico reiterou que não se pode basear a ciência brasileira apenas em trabalhos publicados, lembrando que somos o 14º em produção científica, mas estamos em 64º lugar no ranking da inovação. No entanto, a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e também membro da ABC, Helena Nader, completou, ao fim das palestras: “Só estamos na 64ª posição justamente por causa da ciência.”
As Plataformas do Conhecimento
O presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Glauco Arbix, falou sobre os programas da instituição para incentivar a inovação, entre eles o Inova Empresa, um plano para investimento direto, lançado em 2013. Seu objetivo é elevar a produtividade e a competitividade através do estímulo ao desenvolvimento de P&D nas empresas e projetos de maior risco tecnológico.
Até março, a Finep já havia investido quase R$ 33 bilhões pelo Inova Empresa, que teve uma demanda inicial de R$ 93,4 bilhões.”Estamos rejeitando projetos, o que é algo novo para a Finep, mas de forma muito transparente. Temos orgulho em fazer bom uso do dinheiro público”, afirmou Arbix.
Outro programa de sucesso é o Finep 30 dias que, em sete meses, já teve 1890 empresas cadastradas e 302 projetos submetidos. Ao todo, 114 já foram aprovados, o equivalente a R$ 8,6 bilhões. O objetivo é simplificar os processos e aumentar a transparência, rapidez e a qualidade dos pareceres concedidos, reduzindo de 112 dias, tempo médio de resposta, para 30 dias. Há dois anos, esse total era de 458 dias. O próximo passo é estender o plano para universidades e centros de pesquisa.
Arbix lembrou que, apesar da produção científica relevante do Brasil em relação ao mundo, seu impacto é baixo, e a solução é, além da inovação, o investimento maior em recursos humanos e infraestrutura. O sociólogo falou sobre a proposta das Plataformas do Conhecimento: complexos compostos por grandes laboratórios de ponta, capazes de conectar INCTs [institutos nacionais de ciência e tecnologia], outros institutos de pesquisa, parques tecnológicos, incubadoras e empresas.
As plataformas agruparão inteligência e lideranças científicas e tecnológicas para garantir gestão e cooperação, reunirão os melhores profissionais e atrairão cérebros do exterior, concentrarão recursos e viabilizarão pesquisa de fronteira por dez anos, entre outros. “A ideia é aprofundar a interação com centros internacionais porque, sozinhos, não vamos conseguir fazer a ciência florescer de forma mais articulada, do jeito que os economistas gostam”, explicou Arbix. “É uma proposta bastante sofisticada.”
A visão da economia
Também com uma percepção otimista, o diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) João Carlos Ferraz buscou explicar a situação de CT&I pelo lado econômico da demanda. Para ele, o Brasil passa por um processo de transformação estrutural, que implica em desequilíbrio, tensões e descompassos.
Ferraz citou Albert Hirschman, economista norte-americano do século XX, que introduziu o conceito de “crescimento desequilibrado” ao olhar o estabelecimento de uma siderurgia nos anos 50. “Pense nas manifestações do ano passado: o aumento da renda das pessoas leva a mais aspirações e desejos – melhor transporte público, por exemplo. Nós estamos em um processo de diversificação das nossas fontes de dinamismo.”
O economista falou sobre a relação entre o aumento do consumo e a exportação de commodities, em que o Brasil continuará se destacando. Alertou, ainda, que para prover a segurança alimentar mundial, será cada vez mais necessário investir em CT&I associadas aos minerais.
O diretor do BNDES também relacionou a importância da inovação à melhoria nas condiç
ões de habitação: “Nós achamos que os japoneses moram apertados, mas nas casas deles têm tudo de que eles precisas. Aqui, a gente mora apertado sem infraestrutura”. Ele reforçou a ideia de que, nesse processo de diversificação das nossas fontes de crescimento, haverá tensões. “O sucesso do país vai estar definido pela capacidade de cada cidadão em negociar essas tensões que surgirão por conta do crescimento diversificado.”
O tema apresentado pelos palestrantes gerou algumas críticas por parte da plateia. O Acadêmico João Batista Calixto disse ser importante saber o que ainda será feito. “Há 20 anos estamos ouvindo essa mesma discussão”, opinou. “Se eu publicar 400 papers, o que muda além de o meu umbigo ficar maior? Temos que pensar em nossos filhos e netos, no que a sociedade espera de uma ciência bem financiada. Além disso, não conseguimos avançar se não pudermos errar.” Em resposta, Glaucius Oliva concordou que é importante olhar para frente, mas enfatizou que “ninguém escreve o futuro apagando o passado”.
Também Acadêmica, Yvonne Mascarenhas acrescentou: “Nenhum desenvolvimento será feito se perdermos os melhores cérebros entregando a educação dos nossos filhos a um sistema que não funciona. A escola pública é um desestimulo à ciência”. Ela opinou, ainda, que deve haver uma maior permeabilidade entre os ministérios.