Confira abaixo, na integra, o artigo publicado por Wanderley de Souza, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro titular da ABC, no dia 10/4, no Jornal Monitor Mercantil:
“Há algumas semanas visitei a cidade de Vitória da Conquista, uma das mais importantes e com maior taxa de crescimento no interior da Bahia. Como tinha esquecido o colírio que uso, fui à uma farmácia localizada próxima ao mercado central. Encontrei uma grande fila, o que por si já é um indicador preocupante.
À medida que se aproximava a minha vez, passei a prestar atenção aos diálogos travados entre os clientes e o vendedor, que sempre pedia a receita médica. Fiquei surpreso com o fato de que os três clientes que me antecederam estavam comprando, entre outros medicamentos, alguns usados para tratamento de verminoses e protozooses.
Iniciei uma conversa com um dos clientes procurando saber um pouco mais sobre a receita. Apresentei-me como médico e perguntei se ele tinha o resultado do exame de fezes dos familiares que iriam ser tratados. Respondeu-me que não havia sido necessário fazer tal exame, já que os “vermes tavam saindo com as fezes”.
Saí da farmácia triste ao constatar, com este exemplo, a realidade da saúde pública do país, lembrando da minha infância quando este era um quadro corriqueiro no início da década de 1960, no interior da Bahia. Neste intervalo de 50 anos, o país avançou muito em vários setores, estando hoje entre as dez potências econômicas, mas vem colocando, em segundo plano, questões básicas e de solução relativamente simples, de saúde pública.
O controle de verminoses depende, essencialmente, de educação básica, onde os princípios primários de higiene são ensinados, associados ao esclarecimento de toda a população e melhoria das condições sanitárias. Está última desempenha papel fundamental. E como o Brasil se posiciona neste campo?
Nas últimas semanas, vários jornais divulgaram a situação do Brasil na área do saneamento. Ocupamos a 112ª posição no ranking do índice de desenvolvimento de saneamento nos 200 países analisados. Na América Latina, estamos atrás do México, Cuba, Uruguai, Argentina, Chile e Equador. A análise da situação, nas várias regiões, mostra que ela é mais crítica na região Norte, mas é também sofrível nas demais regiões.
Como explicar esta situação vexaminosa? Primeiro, podemos alegar que a grande concentração de recursos oriundos dos impostos entra no cofre do Governo Federal dificultando a ação dos municípios na área do saneamento. Alguns prefeitos alegam a necessidade de elaboração de projetos detalhados que seguem uma via crucis burocrática até os recursos serem liberados.
Já setores da sociedade apontam que, mesmo quando os recursos chegam às prefeituras, na maioria das vezes estes recursos são utilizados para outros fins. Afinal, são “obras que ficam enterradas, e que o eleitor não pode ver e sem retorno eleitoral”. Em geral, estes recursos desaparecem deixando rastros que só são detectados por denúncias feitas por associações de classe, membros da oposição, Ministério Público ou quando os Tribunais de Conta entram no circuito.
O triste é constatar que um país que pretende ocupar uma posição de liderança econômica e ter participação destacada em organismos internacionais, como o conselho de segurança da ONU, não faz o mais elementar dever de casa, deixando suas crianças a continuar eliminando vermes.”