Irmã mais velha de três crianças vivendo no interior de Minas Gerais, Lílian Guarieiro sempre foi curiosa e aventureira. Certa vez conseguiu passar cola nos olhos – e para piorar, era Super Bonder. Seus pais eram bancários e trabalhavam fora, em agências e bancos diferentes, porém o contato com os filhos foi sempre muito próximo. Qualquer problema que tivessem, ligavam para seus escritórios. Ou, em episódios como o da cola, iam até lá. Nesse dia, após a brincadeira com seus primos ser interrompida por um furo na bola que usavam, a menina pensou que seria possível consertá-la. Lílian só não imaginou que, em função do ar que saía, a cola espirraria para todos os lados, inclusive na direção de seu rosto.

Além de presentes no dia-a-dia dos filhos, seus pais eram também exigentes em sua formação. No colégio, Lilian tinha facilidade em matemática. No terceiro ano do ensino médio, teve seu primeiro contato com a química orgânica, um “amor à primeira vista”, segundo ela. Neste momento, delineou um caminho a ser seguido: unir duas paixões, a química e a habilidade como cabeleireira. Algum tempo mais tarde, Lílian abriria um salão de beleza, cujo lucro ajudou a pagar as mensalidades da faculdade, pois não havia curso de química na Universidade Federal de Lavras e ela teria que estudar numa instituição particular, o Centro Universitário de Lavras (Unilavras).

Embora hoje Lílian colha os frutos de tanto esforço, a época da graduação foi de grandes dificuldades. Para conseguir estudar a noite, trabalhava durante o dia; por indisponibilidade de tempo, não pôde desenvolver uma iniciação científica. Com muita dedicação, contudo, conseguiu um estágio voluntário no Departamento de Fitoquímica da Universidade Federal de Lavras para as horas em que conseguia se ausentar do salão.

A influência na escolha de Lílian não veio de familiares – diferentemente de sua irmã mais nova, que seguiu seus passos – e sim dos professores com quem teve contato após a entrada no ensino superior. A mais importante talvez tenha sido Maria Edwiges, a exigente orientadora de sua monografia de conclusão de curso. “Cada cobrança dela foi fundamental para meu desenvolvimento acadêmico”, reconhece. Além disso, Edwiges a incentivou e encaminhou para o Programa de Pós-Graduação em Química do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Vivendo agora longe de casa, a estudante contou com a orientação do Acadêmico Angelo da Cunha Pinto. Após longas conversas com ele, Lílian decidiu especializar-se em química analítica. O campo permitiria, no desenvolvimento das pesquisas, a inclusão de todas as suas áreas de interesse. A linha de estudos proposta por Ângelo Pinto, e co-orientada pela então doutoranda Núbia Moura Ribeiro, tratava da síntese de biodiesel. “A colaboração, amizade e experiência de ambos foram fundamentais para que eu obtivesse o amadurecimento científico necessário para continuar minha vida acadêmica”, credita.

O tema deu à química a oportunidade de ser bolsista da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Também permitiu que ela obtivesse, além do título de mestrado, o de especialista do petróleo. Após a defesa da dissertação, foi convidada por seu orientador a cursar um doutorado na Universidade Federal da Bahia. Outra mudança de ambiente, outra mudança de orientador. Dessa vez, Lílian começou a trabalhar sob a orientação de Jailson Bittencourt de Andrade, membro titular da ABC.

Além do apoio em seus estudos a respeito das emissões de poluentes na queima de biocombustíveis, ela conta que Andrade lhe confiou algumas responsabilidades bastante motivadoras. Muitas vezes elaborou propostas de pesquisa para submissão a editais, revisou artigos científicos e participou de projetos paralelos. “Também partiu dele o estímulo para que eu fizesse um doutorado sanduíche no exterior”, conta. E mais uma vez a pesquisadora viajava para complementar sua formação: Lílian Guarieiro foi para os Estados Unidos e lá ficou por seis meses, estudando modelagem atmosférica na Virginia Tech, em Blacksburg. Analisando sua trajetória, a afiliada da ABC acredita que ter tido uma carreira acadêmica desenvolvida em diferentes instituições de ensino foi muito significativo e enriquecedor.

Mais significativa ainda, em sua opinião, é a oportunidade de fazer a diferença para que se construa um mundo melhor. Para ela, essa é a principal finalidade da ciência. “Na minha área, tenho a oportunidade de contribuir verificando os impactos que as novas propostas de combustíveis e tecnologias veiculares podem estar gerando para o ambiente em que vivemos”, explica. Professora adjunta do Centro Integrado de Manufatura e Tecnologia do Senai, na Bahia, Lílian hoje estuda os processos de produção e qualidade de biocombustíveis e avalia os impactos que as novas propostas de combustíveis e tecnologias estão trazendo para a sociedade. A partir de modelos matemáticos e experimentos em laboratório, sua linha de pesquisa também pode prever os impactos de um possível aumento de biocombustíveis na matriz energética nacional.

Seus esforços agora geram bons frutos a serem colhidos: ano passado, foi indicada a uma das vagas de membro afiliado da ABC pela Regional Nordeste & Espírito Santo. De acordo com a pesquisadora, a titulação equivale a uma “injeção de energia” para continuar trilhando seu caminho profissional. É também uma clara prova de que ela se encontra no rumo certo. Quanto a suas expectativas, ela afirma: “Terei a oportunidade de difundir, discutir e apoiar mais ativamente programas que engrandeçam a ciência brasileira através de políticas relacionada à ciência, tecnologia e inovação.”