Quando se é criança, qualquer mudança de bairro pode parecer o fim do mundo. E quando sua família tem que mudar de cidade ou até mesmo de país? Filha de pai militar, essa foi a realidade enfrentada por Juliana Manso Sayão durante toda a sua infância. Aos onze anos, ela já tinha morado em cinco cidades de três países diferentes. Sua mãe, que à época trabalhava no caderno de cultura do Jornal do Brasil, teve de abandonar a carreira para se dedicar à família e acompanhar o marido. Mas, ao invés de se ater aos aspectos negativos dessa rotina, a menina optou por enxergar o lado bom do contato com tanta diversidade de línguas e costumes. Sua curiosidade foi despertada e, a cada novo lugar, era maior a vontade de conhecer aquilo que ainda não havia visto.
Em meio a tantas mudanças, o balé clássico acompanhou Juliana durante todo esse tempo. Após 16 anos de aulas e treinos, a dança parecia o caminho natural até, no ensino médio, ela ter o seu primeiro contato com a biologia. E aí tudo fez sentido: anos antes, sua brincadeira predileta era procurar animais na lagoa de São Pedro dAldeia, um dos locais onde morou. “Minha turma também adorava encontrar conchinhas na areia e fazer campeonatos para ver quem conseguia a mais diferente”, recorda.
Ainda no colégio, foi a Caxambu participar de uma reunião da Federação das Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe). A viagem fazia parte do programa piloto de Iniciação Científica Júnior (Pibic Júnior), hoje consolidado em muitas escolas brasileiras, e permitiu a Juliana uma grande interação com graduandos em biologia. Além disso, o contato com a Acadêmica Belita Koiller, mãe de um dos melhores amigos de Juliana, despertou nela a vontade de seguir para a pesquisa.
Outro membro da ABC também exerceria papel fundamental em sua trajetória: o paleontólogo e editor dos Anais da Academia Brasileira de Ciências, Alexander Kellner. Ainda durante seu segundo período como aluna de ciências biológicas da Universidade de Santa Úrsula, Sayão tornou-se estagiária de Kellner no Setor de Paleovertebrados do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que há pouco havia chegado de uma temporada de estudos nos Estados Unidos (EUA).
A única responsabilidade de Juliana era limpar os fósseis de uma importante – e há anos intocada – coleção paleontológica. Após seu primeiro dia, ela saiu de lá com a roupa toda empoeirada e o cabelo duro. “O professor Kellner achou que eu nunca mais voltaria, mas voltei no dia seguinte e no outro. Trabalhei com ele durante toda a graduação e fui sua orientanda de mestrado e doutorado. Hoje, somos colegas de profissão e parceiros em diversas publicações”, conta.
Seis meses após o início do estágio, a estudante começou a desenvolver um projeto de iniciação científica – que, em 2000, lhe renderia sua primeira publicação. “Seguir no meio acadêmico parecia ser o desdobramento natural dos anos dedicados ao trabalho no laboratório, mas o real marco da minha escolha foi o 58º Encontro Anual da Sociedade de Paleontologia Vertebral, em Utah”. Como o real estava bastante valorizado naquela época, a passagem para os EUA foi paga com o dinheiro de sua bolsa Pibic. De acordo com Juliana, foi encantador ver, ao vivo, tantos trabalhos incríveis que conhecia apenas pelos livros e artigos científicos.
Ao graduar-se, Juliana logo iniciou um mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Zoologia do Museu Nacional. As horas de trabalho, segundo ela, eram muitas. “Eu chegava cedo e saía tarde, mas tinha um grupo forte e bastante unido de amigos no laboratório, o que aliviava a carga horária”, explica. A total imersão no mundo da pesquisa científica – que incluiu muitos trabalhos de campo, publicação de artigos e ida a congressos dentro e fora do Brasil – a levou a defender sua dissertação três meses antes do previsto. Isso possibilitou que a zoóloga emendasse, no mesmo programa, seus estudos de doutorado.
Embora algumas fases tenham sido difíceis nesses anos de formação, sua mãe sempre fez o possível para ajudá-la. “Uma vez, ela organizou um evento cultural para arrecadar fundos para que eu participasse do 61º congresso da Sociedade de Paleontologia Vertebral, no México”, diverte-se. E tanto investimento surtiu efeito: hoje, Juliana é professora adjunta do Núcleo de Ciências Biológicas do Centro Acadêmico de Vitória, na Universidade Federal de Pernambuco.
Sua dedicação à carreira também está lhe rendendo cargos de reconhecimento. Este ano, por exemplo, ela inicia seu mandato como membro afiliado da ABC e opina: “Este é o maior prestígio que um jovem cientista pode ter no Brasil. Mais do que tudo, significa que minhas escolhas valeram a pena”. Até 2018, Juliana Sayão pretende atender às demandas da organização, colaborando para o desenvolvimento científico nacional e sua divulgação, além de participar ativamente dos encontros organizados pela Academia.
Mas tanto amor à profissão não impede que Juliana tenha inúmeros hobbies. Inquieta e apaixonada por conhecer novos lugares, ela conta que viajar se tornou uma necessidade. Até mochilão pela Europa a paleontóloga já fez. Outra diversão é a fotografia. “Gosto de olhar o mundo pela lente da minha Canon. Junto a outros colegas, eu inclusive criei uma disciplina na graduação chamada Fotografia Aplicada a Biologia“. E, como quebrar estereótipos parece ser comum para a nova Acadêmica, seu tempo livre ainda se divide entre galerias de arte e séries de TV.
Embora goste muito de obras ficcionais, ela insiste que paleontologia não se resume ao que mostram os filmes de Hollywood. Em sua visão, o tema atua no imaginário das pessoas, pois desvenda o passado do planeta e traz perspectivas para o futuro. Seu ramo específico de trabalho é a paleohistologia, o estudo dos tecidos fossilizados. De acordo com Juliana, são estudados os padrões desses tecidos e suas quantidades a partir de pequenas amostras retiradas dos ossos.
Isso permite que sejam descobertas a faixa etária daquele animal, algumas evidências sobre seu modo de reprodução e, ainda, se seu metabolismo era rápido ou lento e como se dava seu crescimento. “Quando se trata de animais extintos, essa é a única maneira de conhecer mais sobre seus hábitos de vida, já que não podemos mais encontra-los na natureza”, credita.