O impacto das mudanças climáticas na sociedade e na economia promete ser intenso em todo o mundo nos próximos anos, e a mídia tem um papel essencial na informação e conscientização das pessoas sobre esse fato. Por isso, a ABC, em parceria com a UNIC-Rio (Centro de Informação das Nações Unidas – ONU) e o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), promoveu uma coletiva de imprensa para apresentação da segunda parte do novo Relatório do Painel Interamericano de Mudanças Climáticas (IPCC), que aborda a adaptação e vulnerabilidade.

Osvaldo Luiz Leal de Moraes, Jacob Palis e Everton Lucero

O presidente da ABC, Jacob Palis, abriu a coletiva ressaltando que os jornalistas também fazem parte desse projeto, já que têm o papel de comunicar à sociedade o que vem acontecendo no clima do planeta. Osvaldo Luiz Leal de Moraes, da Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, participou do evento e lembrou que, recentemente, o Brasil se juntou ao seleto grupo de países que desenvolveram um simulador de mudanças climáticas – o Modelo Brasileiro do Sistema Terrestre (BESM).

O chefe da Divisão de Clima, Ozônio e Segurança Química do Ministério das Relações Exteriores, Everton Lucero, afirmou que o governo brasileiro defende a importância de estudos dedicados à adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, e que o relatório do IPCC é um exemplo disso. Os dados inéditos foram apresentados pelo chefe do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), José Marengo, autor do trecho sobre as Américas Central e do Sul, que é membro titular da ABC. Confira aqui a apresentação de Marengo.

Um cenário temível

“Não precisamos mais esperar – as mudanças climáticas já estão acontecendo e afetando a população”, alertou Marengo. “Queremos evitar que elas sejam irreversíveis e, se não dá para reduzir a ameaça, podemos diminuir seu impacto.” O cenário previsto é sombrio: excesso de chuvas em lugares como o sudeste do Brasil e Argentina, aumento do nível do mar em áreas costeiras, redução da oferta de água potável em regiões subtropicais secas, gerando disputas, extinção de espécies, queda na produtividade de arroz, trigo e milho, entre outros.

O Acadêmico José Marengo é entrevistado por repórteres

É importante se adaptar às mudanças, o que já vem sendo feito por alguns países. “Mas não podemos pensar em adaptação sem fazer nada para reduzir as mudanças climáticas, pois o impacto delas permanece”, reforçou o pesquisador. O desafio não é fácil: para evitar que a média global de temperatura aumente 2°C até 2100, por exemplo, é necessário zerar a emissão de gases de efeito estufa no mesmo período.

Acompanhado dos pesquisadores Carolina Dubeux e Marcos Buckeridge, também membros do Grupo de Trabalho 2 do IPCC e autores do relatório, o cientista do INPE respondeu às perguntas dos jornalistas. Reproduzimos algumas abaixo:

Aítor Alvarez, Agência EFE – Como as mudanças climáticas afetam a Espanha, país onde o turismo é a primeira fonte da economia?

Marengo: A Espanha é um dos países mais vulneráveis a mudanças climáticas. Passa por um problema de “africanização” do clima, que diminui a precipitação e provoca a elevação do nível do mar, dois efeitos muito preocupantes. O país já sofre com a falta de água.

Renata Brito, Associated Press – E em relação à seca no Brasil?

Marengo: O governo brasileiro considera como questões prioritárias a segurança hídrica, energética e alimentar. Esses eventos extremos que o Brasil tem sofrido, como a seca em São Paulo e enchentes no Norte, podem aumentar no futuro. Por isso falamos em adaptação: construção de usinas, transposição de rios. O país tem reagido a esses extremos, mas eles podem ser mais frequentes.

Buckeridge: E esses eventos extremos, como a enchente, apesar de curtos, podem influenciar a safra. Agricultores já estão falando em perdas de 20, 30%.

Dubeux: Temos que pensar também na economia da adaptação. É preciso ver o lado da demanda, para que esta se adeque à oferta do recurso. Não se pode pensar apenas em formas de aumentá-lo. É preciso uma regulação econômica e políticas de preço que reflitam a escassez, já que não tem para todo mundo.

José Marengo, Carolina Dubeux e Marcos Buckeridge em coletiva de imprensa

Priscila Moraes, CBN – O que o governo pode fazer em relação a orientar a adaptação?

Dubeux: É preciso gerenciar o risco e trabalhar com a incerteza. Lembrando que adaptação é uma questão local e deve ser trabalhada também com os governos estaduais e municipais. O Rio de Janeiro, por exemplo, tem regiões de baixada, onde o aumento do nível do mar é um problema seríssimo.

Buckeridge: Também é importante a comunicação entre governo, população e mídia. As pessoas não falam “eu preciso de uma adaptação aqui, outra acolá”, e o governo não trabalha assim.

Marengo: Por exemplo, em relação à seca no Sistema Cantareira – e se for permanente? Em 2001, tivemos o racionamento de energia, com redução de 20% no consumo. Aí choveu e todos se esqueceram da economia. Foi uma adaptação temporária.

Fábio Grellet, O Estado de S. Paulo – E esse problema da seca, vai acontecer de novo?

Marengo: Em 2001 a situação foi semelhante, mas choveu muito em maio. Dessa vez, não há previsões. Talvez em agosto. Geralmente as previsões são feitas com três meses de antecedência, mas há a questão da previsibilidade, que é muito difícil no sudeste.

Giuliana Miranda, Folha de São Paulo – E em relação às florestas?

Marengo: O cenário é melhor que antes, mas se continuar aumentando a emissão de CO2, as florestas podem entrar em uma fase de colapso.

Thiago Pimentel, TV Brasil – Como o conhecimento indígena pode contribuir?

Marengo: É muito importante. Os incas, por exemplo, construíram sistemas para levar água de lugares em que chovia muito a outros em que não chovia, e até hoje não entendemos como fizeram isso.

Buckeridge: O conhecimento local é essencial. Índios da região de Machu Picchu decidiam plantar batata ou não com base na visibilidade que tinham da constelação. Posteriormente, estudos na Amazônia mostraram que a evapotranspiração das florestas interfere nesta visibilidade do céu. Os índios na região amazônica sempre fizeram modificações na floresta, vão abrindo clareiras e a mata vai se regenerando atrás. Existe uma dinâmica na forma de interagir, e podemos aprender com eles. O fato é que devemos investir em adaptação – por exemplo, plantas que vivam bem em altas temperaturas e umidade baixa. Isso porque o mundo terá que aumentar no mínimo 70% da produção de alimentos até 2040, e não há área agricultável para suprir essa demanda, apenas no Brasil e na África. A Europa terá um problema seríssimo nesse sentido e demandará de nós.

Renato Grandelle, O Globo – Qual é o papel do relatório nas negociações internacionais sobre clima?

Buckeridge: A COP-20, que acontecerá em Lima, no Peru, em dezembro, vai usar as informações do IPCC.

Dubeux: O mais importante é transmitir conhecimento. Por isso, a imprensa tem um papel fundamental. A mudança virá, mas não da noite para o dia. Temos que evitar que o próximo relatório traga uma situação ainda pior.

Veja as algumas das matérias publicadas pela mídia:

Folha de São Paulo
Impactos mais graves no clima do país virão de secas e cheias

O Globo
Mudanças climáticas ameaçam produtos da cesta básica brasileira

Estadão
Para técnicos do IPCC, seca em SP é situação extrema

Terra/EFE
Clima da Espanha tende a se africanizar, adverte analista da ONU

EBC/Agência Brasil
Brasil já se prepara para adaptações às mudanças climáticas, diz especialista

TV Brasil
Brasil já se prepara para adaptações às mudanças climáticas

Planeta Sustentável/Abril
“A adaptação é a única forma de enfrentar a mudança do clima”, diz José Marengo

Agência Fapesp
Países precisam de medidas urgentes de adaptação às mudanças climáticas, diz IPCC

Exame/Agência Fapesp
Chegou o tempo de agir, diz pesquisador que integra o IPCC

Jornal do Brasil/Agência Fapesp
Mudanças climáticas põem em risco segurança hídrica na América do Sul

CBN I
Relatório do IPCC mostra que situação do meio ambiente se agravará em países mais pobres

CBN II
Áreas tropicais da África, América do Sul e da Ásia devem sofrer com mais inundações

Rádio ONU
Cientista afirma que mudança climática afeta várias partes do Brasil

Siglo21 (Guatemala)/AFP
Agua, alimentos y enfermedades, problemas clave en región

Notícias ao Minuto (Portugal)/Agência Lusa
Clima em Espanha tende a “africanizar-se”