Membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras, José Murilo de Carvalho é doutorado em ciência política pela Universidade de Stanford, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador emérito do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Leia o artigo dele publicado no jornal O Globo em 13/2:
“Os Black Blocs, ao minarem o apoio público às manifestações de junho de 2013, prestaram um serviço ao governo e um desserviço à democracia. A reação aos Black Blocs, que poderíamos chamar de White Bloc, com o perdão do Ancelmo Gois, pode acabar fazendo a mesma coisa. As evidências desse perigo estão por todo lado. A mais recente é a reação à morte do cinegrafista atingido por um rojão no Centro do Rio de Janeiro. Testemunhas visuais informaram que o artefato (creio que a palavra é esta agora), vendido aliás livremente, era destinado aos policiais e não ao jornalista, tendo este sido tragicamente vitimado pela irresponsabilidade de um desastrado ativista, ao menos pelo que consta até agora.
O que se viu, no entanto? Uma gritaria generalizada, que envolveu até o Palácio do Planalto, contra as ameaças à liberdade de imprensa, coisa que não estava em causa. É mau jornalismo e mau agouro. Na esteira do clamor, ressurgem propostas de leis drásticas que classifiquem como terrorismo os atos de violência nas passeatas. Baixou o espírito de George Bush sobre os proponentes dessas leis. Os que apoiam o governo talvez estejam em pânico com o que possa acontecer na Copa e nas Olimpíadas.
Não há terrorismo nenhum. Os Black Blocs são conhecidos desde a década de 1980, quando surgiram na Alemanha (Der Schwarze Block) e se espalharam por vários países. Foram e são combatidos por ação policial adequada e pequenas alterações em regras de comportamento em manifestações. No Brasil são uns gatos pingados, que nas grandes capitais se aproveitam das manifestações para, em aliança com outras pessoas interessadas em perturbações, porem em prática seus métodos violentos.
Nada que a ação de uma polícia preparada e pequenas adaptações no Código Penal não resolvam. O despreparo da polícia é reconhecido pelos próprios policiais, como mostrou pesquisa recente. Só quem não reconhece isso são os governantes e os secretários de segurança. No Brasil, o despreparo tem uma dimensão que ninguém menciona: a separação entre polícia ostensiva e repressiva (militar) e polícia investigativa (civil). Em aberração própria do Brasil, elas não só não trabalham em conjunto como se hostilizam mutuamente. Melhoria na ação da polícia e proibição do uso de máscaras e capacetes em manifestações públicas, como já foi feito em outros países, seriam suficientes para enfrentar a ação do grupo.
Mais do que isso – legislação antiterrorista, gritos de democracia ameaçada – pode ter o efeito causado pelos Black Blocs: prestar um serviço ao poder e um desserviço à consolidação de uma democracia que consiga lidar com o protesto, preservados a integridade física das pessoas e o patrimônio público. Contra a tática Black Bloc não se deve usar sua equivalente, a tática White Bloc. Não somos um país em preto e branco, nem a democracia o pode ser. Com permissão para usar um lugar comum, não se preserva a liberdade com medidas liberticidas.”