A educação superior nos tempos atuais assume uma dinâmica muito acelerada. Estamos na era do choque cultural. Há que implementar mudanças profundas. Barreiras departamentais devem ser rompidas. Dar maior liberdade de opção para os estudantes. Centralização causa mais danos que benefícios especialmente na área da pesquisa. O estudante aprende principalmente porque estuda, não porque assiste aula. Um aluno não deve cursar sete ou mais disciplinas por semestre. E assim por diante: os desafios para a estrutura curricular de uma universidade de excelência podem ser listados, segundo o Acadêmico Luiz Bevilacqua.
Engenheiro civil da Coppe/UFRJ, Bevilacqua foi o primeiro reitor da Universidade Federal do ABC, tendo atuado intensamente na sua proposta curricular, bastante avançada em relação às outras universidades públicas brasileiras. Mas o que sua experiência lhe ensinou, principalmente, foi que não existe uma solução única para o melhor currículo. “Os currículos não têm uma forma única ideal. São construídos a muitas mãos, competências, expectativas e sonhos. É um sistema dinâmico que pode ser estável ou instável. O estudante pode escolher uma formação mais clássica ou procurar novos nichos”, argumentou Bevilacqua.
Em sua visão, excelência requer liberdade de pensamento. “Requer a capacidade de ouvir, de ter a mente aberta para novas ideias e aceitar que boas propostas podem vir dos setores mais inesperados da sociedade”, apontou o Acadêmico. Acrescentou ainda que excelência atualmente requer troca de experiências e não uma busca pela padronização, pela construção de um sistema educacional universal, uniformizado. Em seu ponto de vista, uma boa estrutura curricular de uma instituição de ensino superior deve seguir três princípios básicos, sobre os quais discorreu em seguida.
Aprender mais do que ensinar
Estudantes aprendem porque estudam, não porque assistem aula. Aprendem porque pensam, não porque ouvem. E estudo requer tempo. “Não tem sentido um plano de estudos com 30 horas de aulas por semana. Se houver correspondência de uma hora de estudo para cada hora de aula, são 60 horas por semana. Não é possível, não é proveitoso”, defendeu Bevilacqua.
Sua opinião é de que os estudantes têm que desenvolver autonomia de pensamento e ter liberdade de escolha, com currículos flexibilizados. “O aluno deve construir sua autoconfiança e pensar de forma independente. Ele tem que entrar para a universidade e não para um curso especifico, porque ele não sabe ainda exatamente o que quer e tem que fazer suas escolhas embasado em alguma experiência na universidade.”
Não colocar vinho novo em vasos velhos
A interdisciplinaridade veio para ficar. A organização clássica dos currículos, porém, ainda impera nas graduações. Isso confunde e atrapalha o aluno, na avaliação de Bevilacqua. “Quando cursei engenharia há 63 anos, o currículo era estruturado em disciplinas – Cálculo I, II, III e IV; Fìsica I, II, III e IV; Química I e II. E como é o currículo regular das faculdades de engenharia hoje, 63 anos depois? Cálculo I, II, III e IV; Fìsica I, II, III e IV; Química I e II”, ironizou o palestrante, defendendo o agrupamento dos conteúdos curriculares por temas. “Faz muito mais sentido para o aluno estudar esses conteúdos dentro de grandes temas, como Estrutura da matéria, Energia, Processos de transformação, Comunicação e informação, e assim por diante.”
A organização clássica que divide as chamadas “ciências duras” em física, química, biologia, ciência da computação e matemática deve ser revista. Bevilacqua avalia que a criação de cursos com outro perfil contribui para a interação entre pessoas com diferentes formações e visões de mundo, estimulando a pesquisa colaborativa e interdisciplinar. Os cursos, para o Acadêmico, devem apresentar mais questões do que conhecimentos consolidados. “Pesquisa não é uma fase avançada da educação universitária: deve fazer parte de todo o programa de curso”, argumentou. “Temos que educar para o futuro. O aluno tem que ousar, assumir riscos, pensar criativamente.”
Primeiro descobrir, depois publicar
Desde o início de sua formação o estudante deve estar exposto a um ambiente onde o foco principal é a busca de novos caminhos para fazer avançar os horizontes do conhecimento. O objetivo central é descobrir, inventar, criticar e não principalmente publicar.
Atualmente há uma inversão entre causa e efeito que, na visão do palestrante, precisa ser corrigida. “Uma condição necessária, mas não suficiente, para que o pesquisador tenha certeza de que tem em mãos uma contribuição valiosa para ao avanço da ciência é tê-la peremptoriamente recusada para publicação, pelo menos uma vez, numa das mais prestigiadas revistas científicas de sua área” ironizou Bevilacqua.
E, mais uma vez no Simpósio para Excelência na Educação Superior organizado pela Fapesp e pela ABC, a conclusão da apresentação foi semelhante. Foi uma voz em uníssono que reconheceu que é de profissionais com alto nível de conhecimento técnico, mas também criativos, ousados e flexíveis, que o país precisa. Pois para que haja inovação – que urge – ela precisa ser estimulada nas escolas, em todos os níveis. E inovação significa invenção, ousadia, criatividade, flexibilidade – valores básicos para se alcançar a excelência.