Cadeias produtivas locais, educação contextualizada e muito mais ciência e tecnologia. Para o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e membro titular da ABC Adalberto Val, estes três ingredientes são fundamentais para o desenvolvimento sustentável da região.
Apesar dos avanços feitos nos últimos anos, ainda há um déficit muito grande de informação sobre a Amazônia, consequência de um esforço ainda tímido de pesquisa. “Temos, em toda a região, que representa 60% do território brasileiro, um pouco mais de 4 mil cientistas, quando o país está formando 11 mil doutores por ano”, assinala Val, que participa do 6º Fórum Mundial de Ciência, esta semana, no Rio de Janeiro.
Reverter esses números e aumentar o investimento em ciência, tecnologia e inovação na região, não apenas nas áreas ambientais, mas também nos segmentos de engenharia, comunicação e ciências sociais, deveria ser, na avaliação do pesquisador, a principal recomendação do Fórum no que diz respeito à Amazônia.
O presente e o futuro da região foram discutidos em sessão paralela do evento mediada por Val, na qual foram abordados eventos hidrológicos extremos ocorridos recentemente na Bacia do Amazonas, a importância das terras alagadas da Amazônia – que representam 30% do país e seguem desprotegidas – e questões relativas à biodiversidade e sustentabilidade da região.
Nesta entrevista, o diretor do Inpa retoma alguns pontos do debate, destacando a importância de o Brasil assumir efetivamente a Amazônia como prioridade nacional.
– Quais as questões mais urgentes a serem enfrentadas pela Amazônia hoje?
Em primeiro lugar, precisamos investir bastante em encontrar alternativas, no coração da floresta, para o desenvolvimento sustentável da região, sem destruir a floresta. Não adianta a gente pensar em agricultura, em criação de gado ou plantação de soja ou cana-de-açúcar na Amazônia. Acho que esse é um ponto fundamental.

A informação que temos hoje, que foi acumulada pela pesquisa científica, já permite várias ações nesse sentido. O que precisamos fazer é organizar o sistema em torno de cadeias produtivas para viabilizar essas ações. Um exemplo disso é o peixe. Temos tecnologias para criar o peixe, para usar a carne do peixe, para usar o couro do peixe e para usar as sobras na produção de ração destinada à criação de outros tipos de organismos. Ou seja, temos aí um processo bastante bem definido. Mas precisamos investir em infraestrutura de armazenamento, transportes etc.

O segundo ponto que para mim é vital nesse processo é a questão da educação. Precisamos de um sistema educacional que respeite a cultura local, que respeite as características da região. Precisamos incluir no material didático que circula na Amazônia informações sobre o ambiente em que as crianças estão vivendo e não sobre outros sistemas. É fundamental contextualizar o estudo.
Como o senhor vê a atuação do Brasil em relação às demandas da região?
Hoje os olhos do mundo se voltam para a Amazônia em uma proporção que a gente nunca viu na história. Mas estamos aproveitando muito mal essa atenção. Temos, em toda a Amazônia, que representa 60% do território brasileiro, um pouco mais de 4 mil cientistas, quando o país está formando 11 mil doutores por ano. Precisamos tomar uma providência rápida nesse sentido e fazer com que a Amazônia seja uma prioridade do governo brasileiro. Afinal, a maior parte da região está dentro do território brasileiro, por isso o país precisa ser protagonista no desenvolvimento sustentável da Amazônia, atuando junto com os países vizinhos e exercendo seu papel de forma efetiva.
– Ainda falta esforço de pesquisa na região?
Sem dúvida nenhuma. Eu diria que a gente conhece apenas a pontinha do iceberg do que há na Amazônia. O que a gente vê no dia a dia são montes de organismos, de plantas, de flores, de formas diferentes, mas o que tem por trás disso tudo a gente sabe muito pouco. Precisamos estudar mais a região para obter as informações necessárias para manejá-la. O que não podemos mais é fazer as intervenções todas que precisam ser feitas sem o uso do conhecimento científico. A informação científica que está aí não é definitiva, vamos produzir mais informações, mas são as verdades que prevalecem no momento e devemos usá-las, inclusive, para avançar mais.

As medidas e políticas atuais que dizem respeito à Amazônia se baseiam adequadamente no conhecimento científico disponível hoje?
Eu diria que a gente avançou bastante nesse sentido, mas às vezes damos uns tropeções. O código florestal, por exemplo, foi um tremendo de um tropeção. A gente tinha a chance de realmente ter uma legislação moderna, mas ela esqueceu, por exemplo, que 30% do país são constituídos por áreas inundáveis. Isso é muito ruim dentro do contexto atual. Em síntese, a gente avançou bastante, a gente tem uma consciência diferente com relação à importância da ciência, mas damos alguns tropeções que são difíceis de explicar.

Na aprovação do novo código florestal, alguns interesses da bancada ruralista acabaram prevalecendo em detrimento de evidências científicas. O senhor diria que o poder político da bancada ruralista é uma barreira para o enfrentamento dos problemas amazônicos?
Eu diria que não se trata desta ou daquela bancada, se trata dos interesses específicos de cada grupo. Quando se tratar de questão ruralista, a bancada ruralista estará lá, mas se passamos para a questão das mudanças climáticas, uso de combustíveis fósseis, outras bancadas vão se arvorar. Na realidade, acho que a gente tem que começar a pensar no bem-estar da humanidade como um todo, porque as fronteiras políticas são meras demarcações do homem, não da natureza. Pássaros, plantas, peixes, não respeitam fronteiras. Temos que pensar em um contexto mais amplo e tomar posições seguras para que possamos avançar no sentido de proteger o ambiente em que viemos.

Dados recém-divulgados apontam um aumento de 28% do desmatamento na Amazônia entre agosto de 2012 e julho de 2013. O senhor vê esse aumento como um evento pontual em meio à tendência de redução dos últimos anos ou é possível que ele inicie uma nova tendência?
Como eu disse ontem, acho que temos que ver o desmatamento como um entre vários índices, que reflete também a questão da educação, da economia, da pressão internacional, que resulta de uma equação complexa. Qualquer elemento dessa equação que esteja variando, acaba interferindo nesse índice. Quando todos os índices vão bem, o desmatamento diminui, mas se, de repente, há alguma variação econômica, educacional ou climática, esta pode provocar um pulso de aumento. Penso que esse aumento que teve agora é pontual e que a gente tem uma tendência futura de baixa. De todo modo, temos que continuar trabalhando forte no sentido de reduzir o desmatamento. Temos que ter como meta desmatamento zero.
– A seu ver, que recomendações deveriam sair deste Fórum no que diz respeito ao desenvolvimento sustentável da Amazônia?
Na
Amazônia, não há espaço para copiar e colar. Não adianta pegar a ciência feita no Rio de Janeiro ou em São Paulo e levar para a Amazônia. Precisamos desenvolver na região a ciência necessária para a região, porque os fatores-chaves que levaram à diversidade biológica, ambiental e cultural na Amazônia são específicos de lá e funcionam lá. Então, qual seria a recomendação? Sem dúvida nenhuma a ampliação da capacidade de pesquisa sobre a região, não só na Amazônia brasileira, mas também nos países vizinhos. Ciência, tecnologia e inovação – porque é preciso inovar a partir do coração da floresta – são de fundamental importância para a região, e não apenas nas áreas ambientais, mas também nas áreas das engenharias, comunicação, saúde, ciências sociais. Na Amazônia brasileira vivem 10% da população do país, são mais de 20 milhões de pessoas e mais de 180 povos indígenas. Então é uma área fundamental para o desenvolvimento sul-americano. A gente precisa de mais informação para uma intervenção cada vez mais segura na região.