Representação esquemática dos nanotunos de carbono, material emblemático da nanotecnologia. Com cerca de 1.300 produtos no mercado, a área deverá movimentar trilhões de dólares nos próximos anos. (imagem: LQES)

O governo brasileiro aposta fichas altas nas nanotecnologias – sistemas e processos que envolvem a manipulação da matéria na escala atômica. Em verdadeira cruzada pela inovação, acaba de lançar um conjunto de ações estratégicas para o fortalecimento do setor, agrupadas na chamada Iniciativa Brasileira de Nanotecnologia (IBN). O intuito é fazer dessa área protagonista do desenvolvimento econômico do país e, para isso, estão previstos investimentos da ordem de R$ 440 milhões no programa até o final de 2014.

Na avaliação do Acadêmico Oswaldo Luiz Alves, professor da Universidade Estadual de Campinas e um dos principais especialistas em nanotecnologia do país, a proposta do governo tem tudo para tornar o Brasil competitivo na área e impulsionar de vez a inovação no país.

Mas, a seu ver, é fundamental que se construa o quanto antes um marco regulatório para o setor, sintonizado com o contexto internacional e que leve em conta tanto os benefícios da nanotecnologia quanto seus potenciais riscos para a saúde e o meio ambiente. Além disso, destaca Alves, “será preciso fazer escolhas”.

Em entrevista à CH On-line, o químico, que é membro do Conselho Consultivo da Nanotecnologia do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e coordena um dos 26 laboratórios integrados ao recém-criado Sistema Nacional de Laboratórios em Nanotecnologias (SisNano), analisa a trajetória da área no país, as ações governamentais no setor e a participação da comunidade científica na sua estruturação.

Alves discute também a complexa questão da regulamentação do campo, tanto no Brasil quanto no exterior, e fala sobre suas expectativas em relação à efetiva atuação brasileira no mercado trilionário da nanotecnologia.

CH On-line: Como o senhor avalia as recentes iniciativas do governo no sentido de impulsionar a nanotecnologia no país?

Oswaldo Luiz Alves: Não resta a menor dúvida de que sejam relevantes para o setor, tanto do ponto de vista de sua organização, quanto do ponto de vista de recursos. No que diz respeito ao SisNano, o aspecto que julgo importante é sua clara proposta de criar mecanismos que permitam que instalações de vários laboratórios sejam compartilhadas com o setor acadêmico e produtivo, de modo efetivo e estruturado. Acredito que a sinergia proposta tem tudo para impulsionar a nanotecnologia brasileira, de forma consistente, propiciando o estabelecimento de importantes canais de diálogo, não só no que diz respeito à realização de serviços técnicos, como também, e principalmente, às atividades de pesquisa e desenvolvimento, as quais, se bem conduzidas, abrem perspectivas de ciência nova, novos produtos, processos e serviços de base nanotecnológica. Vale salientar, até por sua importância no conjunto dessas ações, a criação do Comitê Interministerial de Nanotecnologia, formado por representantes de 10 ministérios, que tem por finalidade assessorar essas pastas na integração da gestão e na coordenação, bem como no aprimoramento das políticas, diretrizes e ações voltadas para o desenvolvimento das nanotecnologias no país.

CH On-line: De que forma a comunidade científica vem participando da estruturação do setor? Há uma boa interação entre os pesquisadores da área e o governo?

Oswaldo Luiz Alves: Primeiramente, é importante pontuar que, sem uma substancial atividade e bases científicas e tecnológicas pré-existentes, essa estruturação não poderia ter ocorrido. A nanotecnologia no Brasil, desde o início dos anos 2000, já apresentou avanços e recuos, ou seja, as coisas não estão começando agora. A atividade científica nacional na área é bastante significativa e possui uma característica marcante: contempla quase todas as grandes tendências internacionais. Diversos casos de sucesso foram registrados, tendo dado origem ao surgimento de lideranças que vêm, ao longo do tempo, orientando as instâncias governamentais sobre a importância das nanotecnologias e de seu impacto sobre a atividade industrial brasileira. Tal situação formalizou-se por meio do Conselho Consultivo da Nanotecnologia, no qual os membros da comunidade científica têm um papel importante. Em síntese, eu diria que as recentes medidas são fruto de esforços de todas as partes interessadas, visto que a nanotecnologia não é uma temática somente afeita a pesquisadores, e que a interface governo-comunidade científica passa por um excelente momento.

CH On-line: Nesse amplo programa nacional, que importância tem sido dada a pesquisas sobre a segurança dos nanomateriais para a saúde e o meio ambiente?

Oswaldo Luiz Alves: Esta é, sem sombra de dúvida, uma questão-chave. Nos primeiros momentos da nanotecnologia no Brasil, ela foi tratada, na minha opinião, de forma altamente apaixonada. Existiam os favoráveis e os contrários à nanotecnologia e, sobretudo, pouco diálogo, pouca construção consistente. Acredito que muito disso era motivado por experiências complicadas relacionadas à introdução de novas tecnologias na agricultura. Não se sabendo muito bem naquele momento o que era a nanotecnologia e quais eram seus potenciais benefícios e eventuais riscos para o meio ambiente e para o homem, observávamos em certas circunstâncias quadros claros de demonização.

À medida que o tempo foi passando, com o aumento da atividade científica, do interesse industrial, do financiamento governamental, do intercâmbio internacional e das informações em geral, as questões ligadas à regulamentação começaram lentamente a ser introduzidas nas discussões. Hoje, para as principais lideranças da nanotecnologia no Brasil, está absolutamente claro que grande parte do futuro da nanotecnologia, e não só da brasileira, depende do encaminhamento consistente da questão da regulação.

CH On-line: E, para ser consistente, como deveria ser esse encaminhamento?

Oswaldo Luiz Alves: Não se trata de uma questão simples. Temos que considerar a emergência da nanotoxicologia, ou seja, uma jovem disciplina que vem trabalhando para resolver muitos problemas dos quais a toxicologia convencional não dá conta. Isso passa pelo desenvolvimento de novas metodologias, pela validação de procedimentos, por grandes e complexos programas interlaboratoriais internacionais. Diferentemente das moléculas, os “objetos nanotecnológicos” mudam suas propriedades em função do seu tamanho, morfologia, método de preparação, nível de impurezas etc., o que quase transforma cada um deles num objeto único. Tal situação mostra a grande dificuldade de se comparar os resultados de toxicidade em materiais em nanoescala.

Essa percepção fez com que o Comitê Consultivo da Nanotecnologia do MCTI criasse, em 2011, uma rede nacional de nanotox
icologia. Vários estudos estão sendo realizados na direção dos problemas apontados, devendo ser apresentados numa reunião de avaliação a ser realizada no princípio do próximo ano e que deverá trazer subsídios importantes para o desenvolvimento da área e apresentar sinalizações dentro da perspectiva da regulamentação. É importante mencionar que há no momento, em todo o mundo, uma fortíssima atividade nessa área. Em 2012, tivemos o lançamento de significativa quantidade de documentos, recomendações e normas mandatórias, sobretudo nos Estados Unidos e na União Europeia.

CH On-line: No Brasil, algumas tentativas já foram feitas no sentido de regulamentar a nanotecnologia, mas os dois projetos de lei que chegaram ao Congresso Nacional – PL 5076/2005 e PLS 131/2010 – foram rejeitados. Qual a dificuldade de se criar no país um marco legal para essa área?

Oswaldo Luiz Alves: É normal que a questão da regulamentação surja num segundo momento. Isso não acontece só no caso da nanotecnologia. Mesmo nos países mais avançados, e com mais experiência no trato das questões relacionadas com o impacto das tecnologias, o quadro não foi diferente. Em um primeiro momento, vários deles sugeriram às suas empresas que fizessem uma declaração voluntária de suas atividades nanotecnológicas. Depois disso, foram analisadas as atividades de maior impacto sobre o meio ambiente e o homem e, a partir daí, cotejadas as regulamentações para os diferentes setores, no sentido de se verificar quais pontos já estavam cobertos, quais os que deveriam ser incrementados e os novos aspectos que necessitavam ser tratados.

O trabalho que vem sendo feito pelas diferentes agências da União Europeia é um ponto de partida fundamental. Em alguns países, o aspecto voluntário já deu lugar a legislações mandatórias. Nesse momento, minha percepção é de que o quadro esteja bastante favorável para avançarmos na questão da regulação no Brasil. Há vontade política governamental nessa direção, basta ver o empenho de algumas agências, tal como a Anvisa, que está se envolvendo em profundidade nessas questões, propiciando o treinamento de seus quadros funcionais, bem como iniciando cooperações internacionais e amplas discussões sobre o assunto, com apoio da comunidade científica ligada ao tema. Mas é preciso que avancemos com o passo certo, sobretudo de modo harmonizado com o contexto internacional, para que não criemos situações que nos impeçam de participar como atores efetivos da atividade econômica trilionária prevista por várias consultorias internacionais para as nanotecnologias.

Como mostram diversos índices, o Brasil tem dificuldade para inovar. No ranking da Organização Mundial de Propriedade Intelectual, o país ocupa atualmente a 64ª posição. Na sua avaliação, a nanotecnologia pode impulsionar a inovação no Brasil?
Um dos aspectos intrínsecos das nanotecnologias é a verificação de que a matéria na escala nanométrica apresenta propriedades muito diferentes daquelas quando no estado normal, macro. Essa situação gera a possibilidade de acessarmos vários tipos de propriedades e funcionalidades até então impensáveis. Essa é a motivação que tem feito com que as empresas busquem as nanotecnologias e, numa linha de consequência direta, a inovação. Tal situação não está ligada somente a produtos, mas também ao desenvolvimento de processos industriais nanotecnológicos e serviços que incorporam as nanotecnologias. Nesse momento, no Brasil, temos uma verdadeira cruzada pela inovação. Certamente temos grande potencial para nos tornarmos competitivos na área, mas temos que fazer escolhas, escolhas que permitam a realização de projetos que façam avançar a ciência, que sejam estruturantes, que levem em conta nossos potenciais competitivos, que respeitem as questões ambientais, de impacto sobre o homem, e que, efetivamente, sejam seguras, competitivas e capazes de gerar renda e riqueza.