Dentre as diferentes áreas do conhecimento abarcadas pela ABC figuram as ciências da terra, da engenharia, biomédicas e biológicas. Em 30 de agosto de 2013, último dia do 2º Encontro Nacional de Membros Afiliados, elas foram abordadas sob o ângulo das pesquisas realizadas pelos afiliados Luci Cajueiro, Alessandro Garcia, Fábio Klamt e pelo ex-afiliado da ABC Stevens Rehen – cujo mandato foi de 2008 a 2012 -, respectivamente.

O fenômeno La Niña

“Aprendi que o Pará tem litoral”, brincou Cajueiro, compartilhando o estranhamento que sentiu quando convidada a trabalhar na Amazônia, em uma pequena cidade no interior do Pará. Graduada em ciências biológicas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e com título de mestrado em oceanografia abiótica obtido pela mesma instituição, a Acadêmica não se adaptou prontamente ao novo ambiente. A primeira impressão, no entanto, rapidamente caiu por terra e há 11 anos ela estuda a região, tendo publicado inúmeros artigos durante esse tempo. Devido à sua peculiaridade, a professora associada da Universidade Federal do Pará (UFPA) afirmou que tudo o que havia aprendido sobre oceanografia antes de conhecer a Amazônia lá se aplica de modo diferente.

Aprofundando-se no tema de sua palestra – “O que acontece com uma praia equatorial na costa Amazônica quando ocorre o fenômeno La Niña?” – ela lembrou que La Niña e El Niño vêm causando graves problemas ambientais na localidade. Seu grupo de pesquisas realizou coletas em dois períodos diferentes: um durante a ocorrência de La Niña e outro em condições normais. “Os processos hidrodinâmicos baixam suas energias durante esse fenômeno. Por esse motivo, uma onda tem energia muito menor enquanto acontece o La Niña. Além disso, trata-se de um período chuvoso bastante intenso, o que afeta a produção pesqueira das regiões afetadas”, explicou Cajueiro.

Degradação arquitetural em um sistema de software

Em seguida falou Alessandro Garcia, afiliado à ABC desde 2009 e professor assistente da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Sua palestra diferenciou os conceitos de arquitetura real e planejada para, em seguida, explicar as implicações da degradação arquitetural em um sistema de software. “A degradação acontece porque, a cada nova modificação feita por um programador, ele pode introduzir violações às regras da arquitetura pretendida de um sistema”, explicou. Isso diminui a qualidade do projeto desse sistema, dificultando continuamente a capacidade de manutenção e evolução dos componentes das partes do programa em questão. De acordo com ele, são dois os principais fenômenos causadores dessa degradação: a erosão arquitetural e o desvio arquitetural. “Independente disso, o grande desafio para um desenvolvedor de software é detectar esses problemas o mais rápido possível para evitar uma posterior reestruturação que seja muito mais cara para os componentes do seu programa”, afirmou.

Em função da importância do tema – já que existem sistemas com um grande número de usuários que, como o Linux, podem entrar em estágio de degradação – o foco do trabalho de Garcia é pesquisar anomalias estruturais que sejam bons indicadores de problemas arquiteturais. Além disso, muitos dos projetos de sistemas de software envolvem milhões de dólares e, hoje em dia, eles são desenvolvidos para diferentes áreas, como a de sistemas bancários ou a de análise do mercado financeiro.

Cofilina: a nova menina dos olhos das pesquisas sobre o câncer de pulmão

Passando à área das ciências biomédicas, Fábio Klamt tratou de suas pesquisas sobre o câncer de pulmão. “Quero chamar a atenção das pessoas à maneira como lidamos com esses pacientes”, afirmou. Segundo o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a cada 100 pessoas diagnosticadas com esse tipo de câncer, 80 já estão em estados inoperáveis, sendo necessária a utilização de tratamentos alternativos. Nesse contexto, seu grupo de pesquisas descobriu que a cofilina, proteína relacionada à migração das células, é um biomarcador que auxilia na individualização da terapêutica contra a doença e pode ajudar a medir a agressividade do tumor.

No início dos estudos, a equipe de Klamt selecionou os 60 biomarcadores mais citados, estudados e sugeridos para o câncer de pulmão e utilizou seus dados de expressão gênica para tentar discriminar o prognóstico de uma pessoa diagnosticada com a doença. A conclusão, no entanto, foi negativa: nenhum deles conseguiu inferir o desfecho desses pacientes. Isso só mudou quando começaram a analisar a cofilina e, a partir de um banco de células humanas, observaram que os níveis dessa proteína estão diretamente relacionados à maior agressividade dos tumores. “Para melhorar a aplicabilidade do biomarcador, nós buscamos estabelecer as melhores condições para a sua quantificação a partir de uma técnica muito utilizada, a imunohistoquímica”, explicou. O teste utiliza uma amostra já coletada para a biópsia, procedimento necessário ao diagnóstico de qualquer tipo de câncer, e destaca a visualmente a presença da cofilina.

De células triviais a embrionárias

Último palestrante do dia, Stevens Rehen abordou a questão das células-tronco reprogramadas para estudar a esquizofrenia. Logo no início de sua fala, o coordenador da Rede Nacional de Terapia Celular do Ministério de Saúde pontuou que há na ciência um enorme gargalo no tocante aos transtornos mentais. Antigamente, as únicas formas de estudar esse tipo de enfermidade eram através de células cerebrais post-mortem, células do sangue e células de animais. Essa situação começou a mudar com os estudos de Shinya Yamanaka, médico japonês laureado em 2012 com o Prêmio Nobel por desenvolver a técnica utilizada pelo grupo de Rehen. A partir de fragmentos de pele dos pacientes e vírus que continham dentro de si genes capazes de transformar uma celular trivial em uma célula com características embrionárias, Yamanaka criou linhagens de células – conhecidas como células-tronco de pluripotência induzida ou células iPS, na sigla em inglês – que têm o mesmo background genético do paciente, mas com a capacidade de formar qualquer tecido do corpo. “Isso abre uma possibilidade de aplicação em pesquisa que era inimaginável até cinco anos atrás”, pontuou o palestrante, cujo principal interesse é a esquizofrenia.”Trata-se de uma doença do sistema nervoso com déficits cognitivos e sintomas como as alucinações e a depressão”, afirmou. Além de muito complexa, a esquizofrenia afeta 1% da população mundial e é uma das dez principais causas de incapacidade entre seres humanos. Ainda de acordo com dados fornecidos por Re
hen, aproximadamente dois milhões de pessoas sofrem da doença no Brasil, “quase o mesmo número de pessoas com HIV, Parkinson e Alzheimer somados”. Levando esses números em consideração, seu grupo de pesquisas estudou o estresse oxidativo – um dos elementos chave da esquizofrenia – a partir de células reprogramadas. “A intenção do nosso projeto é complementar o que já existe nos estudos dessa doença e até agora nossos esforços têm alcançado bons resultados”, concluiu.