Seguindo o formato proposto pelos organizadores do 2º Encontro Nacional de Membros Afiliados da ABC, os trabalhos do dia 29 de agosto de 2013 tiveram início com apresentações curtas de quatro Acadêmicos. Explicando seus respectivos temas de estudo aos presentes, eles enriqueceram a reunião com a diversidade das questões abordadas. A manhã também contou com uma palestra de apresentação da Global Young Academy (GYA, na sigla em inglês).
Carolina Madeira Lucci, professora adjunta da Universidade de Brasília (UnB), foi a primeira palestrante. Acadêmica eleita em 2008 para o período de 2009 a 2013, sua presença “oficial”no quadro de jovens cientistas da ABC finda este ano, após um período avaliado por ela como de “grande satisfação”. Destacando a multidisciplinaridade dos temas tratados como uma das características mais importantes do evento em Petrópolis, ela justificou: “Hoje em dia não podemos ficar apenas no nosso mundinho. Além disso, o controle no tempo das palestras ajudou a manter os temas interessantes, já que uma fala muito longa sobre um assunto que não é da sua área de especialidade se torna cansativa”.
Em palestra intitulada “Criopreservação: Estratégia para conservação de material genético e manutenção da capacidade reprodutiva”, a especialista na área de medicina veterinária analisou criticamente os diferentes métodos de reprodução assistida utilizados na atualidade. A reprodução subentende um encontro dos gametas feminino e masculino – o que, de acordo com ela, já pode ser realizado por meio da conservação de células germinativas de animais e seres humanos que apresentem algum impeditivo e não consigam se reproduzir naturalmente.
Segundo Lucci, a criopreservação de embriões e espermatozoides já é uma técnica estabelecida e utilizada com certa frequência. A conservação de gametas femininos, por outro lado, ainda conta com dificuldades. Alguns aspectos precisam ser estudados para que se obtenham resultados positivos na manutenção de material genético para o futuro, podendo inclusive ajudar na conservação de espécies ameaçadas de extinção. “E, no caso de humanos, preservando a fertilidade de mulheres jovens que tenham que se submeter a algum procedimento que possa deixá-las inférteis, como é o caso da maioria dos tratamentos contra o câncer”, explica. A ideia é que, após o término dessas intervenções, as células congeladas sejam devolvidas ao organismo dessas pacientes, devolvendo-lhes também a capacidade de ter filhos.
Nanomedicina e toxicologia: duas faces de uma mesma moeda
Por sua vez, Valtencir Zucolotto resumiu desafios e potencialidades das aplicações da nanotecnologia na medicina. Coordenador do Laboratório de Nanomedicina e Nanotoxicologia da Universidade de São Paulo (LNN/USP), o conferencista explicou que apesar de ser uma ciência relativamente nova, a nanotecnologia já conta com aplicações em vários ramos do conhecimento, dentre eles a informática, a eletrônica e a engenharia. “Seu estudo permite um controle – quase a níveis atômico e molecular – das propriedades dos materiais”, explica, ressaltando que o viés da medicina na nanotecnologia diz respeito a diagnóstico e tratamento.
De acordo com o palestrante, é possível fabricar certos materiais capazes de auxiliar na detecção de doenças ainda em estágio inicial, como tumores que não seriam diagnosticados em uma ressonância magnética tradicional. Alojando-se ao lado dos tumores, essas nanopartículas os evidenciam e facilitam, na hora do exame, a descoberta de cânceres ainda em fase inicial, quando as chances de tratamento são maiores. Já sobre a aplicação da nanomedicina à fase de terapia, Zucolotto afirma: “Todo mundo conhece as quimioterapias, que matam os tumores, mas matam também as células saudáveis do corpo e deixam os pacientes extremamente debilitados. Se essas nanopartículas estiverem recheadas com o fármaco quimioterápico, elas podem se localizar ao redor do tumor e só ali liberarem remédio, fazendo com que as células saudáveis sejam bem menos afetadas.”
O professor também estuda a toxicologia de nanomateriais. “Nós pesquisamos se eles são ou não tóxicos, se podem ser utilizados e quais problemas podem ocasionar na saúde humana e no meio ambiente”, relata. Eleito membro afiliado da ABC para o período de 2010 a 2014, Zucolotto conta que apenas algumas práticas da nanomedicina já entraram na fase de ensaios e experimentação com humanos, a maioria delas nos Estados Unidos. “Há ainda muito a ser feito para que se consiga a aprovação dos órgãos do governo e para que esses tratamentos cheguem à clínica médica cotidiana”, aponta.
Na visão de Zucolotto, a iniciativa da ABC relativa aos eventos de membros afiliados foi muito proveitosa e o novo formato proposto, bastante interessante. “É perceptível que há nos eventos da Academia um sinergismo muito grande entre os presentes. Isso é muito bom para todos, principalmente para a ciência do país de uma maneira geral”, afirmou.
Estudando a Amazônia Azul
Membro afiliado da ABC desde 2010, Letícia Veras Costa Lotufo afirma que os “brainstorms” proporcionados pelos eventos da Academia são muito estimulantes, sempre renovando as energias dos pesquisadores para seguirem em frente com suas respectivas linhas de pesquisa. Professora associada da Universidade Federal do Ceará (UFC), ela falou sobre a Amazônia Azul, termo que surgiu como um alerta para a importância estratégica e econômica do ambiente marinho nacional. “Meu campo de estudos não é a exuberante Amazônia Verde, mas uma área de mesma relevância que conta com aproximadamente 3,5 milhões de quilômetros quadrados de extensão”, explica.
De acordo com Lotufo, cuja palestra intitulava-se “Biodiversidade e Potencial Biotecnológico da Amazônia Azul: Estudos no Litoral Cearense”, a diversidade química aumenta as chances de desenvolvimento de uma série de bens de consumo, inclusive os medicamentos. Para exemplificar, a coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Farmacologia da UFC cita que 70% da química utilizada no tratamento do câncer é proveniente de produtos naturais. Além da pouca familiaridade com o cenário marinho de modo geral, da parte da ciência brasileira, ela ressalta que o litoral cearense dispõe de uma fauna muito endêmica. As particularidades da região, que após anos de evolução conta com um ambiente extremamente rico em interações ecológicas, são o foco das pesquisas de Letícia.
Ao mesmo tempo em que são peculiares, as moléculas utilizadas pelo grupo da palestrante são muito difíceis de serem sintetizadas do ponto de vista químico. Ademais, para que sejam possíveis a condução de ensaios clínicos e sua posterior comercialização, a coleta de material deve ser feita em elevadas quantidades. “Sendo assim, algumas dessas experiências que tiveram finais felizes, no ponto de vista da terapêutica do câncer, infelizmente levaram à extinção de algumas espécies de esponjas”, exemplifica Lotufo. Por esse motivo, ela estuda a utilização de bactérias ao invés de invertebrados marinhos, que config
uram uma fonte mais reduzida e menos sustentável de pesquisa. “A diversidade microbiana geralmente está associada ao sedimento marinho, onde há cerca de um bilhão de bactérias por grama de sedimento, uma riqueza imensa. Cerca de 1% das bactérias são cultiváveis, valor que já é bastante considerável devido à possibilidade de fazer fermentação liquida para produzir o composto. Ou seja, nós estamos colocando um conceito importante na química de produtos naturais marinhos: a sustentabilidade”, conclui.
Caracterizando a topologia do cérebro a partir das redes complexas
“Neuroimagem: observando a anatomia e função do cérebro humano”. Foi esse o título da palestra de Dráulio Barros de Araújo, professor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). De acordo com o Acadêmico, eleito para a posição de membro afiliado da ABC de 2010 a 2014 pela regional São Paulo, estado em que desenvolveu sua formação, é evidente que nos últimos anos os pesquisadores alcançaram relevante crescimento no que se refere à compreensão dos sistemas complexos. Para que se chegue a um entendimento satisfatório do que são esses sistemas, é preciso que os conceitos de sistemas simples e complicados já estejam bem definidos. “Um sistema simples é composto por poucos elementos e pode ser descrito a partir de equações simples, as quais possibilitam uma previsão bastante apurada da evolução desse sistema”, explica. Segundo Araújo, o principal exemplo da física nesse caso é o pêndulo, sendo possível inclusive prever seus movimentos. Um sistema complicado, por sua vez, compõe-se de um número muito grande de elementos e cada um deles ainda é composto por vários outros elementos: “Quando colocados em conjunto, eles acabam desempenhando uma função específica.” Para exemplificar, o conferencista citou o avião, que tem cerca de 150 peças e cada uma delas opera de maneira sinérgica para um objetivo maior: fazer com que aquele objeto voe. “Vale ressaltar que, se qualquer uma dessas peças apresentar algum problema, todo o sistema entrará em um modo de inoperância”, observou o cientista.
Chega-se, por fim, aos sistemas complexos. Apesar de apresentarem uma série de características que se assemelham aos sistemas complicados, eles têm um comportamento global que não é dedutível a partir de uma análise local de seus componentes. Surge, então, a ideia de “redes complexas”, compostas por nós, cada um dos elementos da rede em questão, e links, o modo como eles estão ligados e interagem entre si. Araújo explica que há vários modelos cotidianos que se caracterizam como sistemas complexos, dentre os quais as redes sociais e as redes de proteínas. “Como neurocientista, meu trabalho é entender o cérebro e caracterizar sua topologia com base no conceito de redes complexas. Nessa rede, existem de dez a 100 bilhões de unidades de nós, os neurônios, e cada um deles se liga a aproximadamente dez mil outros neurônios”, explica.
Esse tipo de pesquisa, quando aplicada a seres humanos, impõe uma limitação a mais: é necessário que sejam utilizadas estratégias não invasivas, como ressonâncias magnéticas. Para trabalhar com as imagens provenientes desse exame, existe um atlas anatômico que divide o cérebro em 106 regiões a partir de critérios citoarquitetônico ou funcional. “O interesse do meu grupo é saber como esses 106 nós da rede interagem funcionalmente. Para fazer isso, eu me baseio em uma técnica conhecida como Imagem Funcional de Ressonância Magnética, que tem ganhado muita visibilidade nos últimos anos e dá a possibilidade de inferir indiretamente o aumento ou a redução de atividade elétrica do cérebro”, explica. O professor trabalha principalmente com três temas: a esquizofrenia, a epilepsia e a droga alucinógena ayahuasca.
Global Young Academy: dando voz aos jovens talentos
Após afirmar que a GYA vem sendo bastante efetiva em discussões travadas em âmbito global – utilizando-se de sua participação no cenário da Rede Global de Academias de Ciências (IAP) como exemplo – o palestrante elogiou o tom apaixonado das sessões do 2º Encontro Nacional de Membros Afiliados da ABC e convidou a pesquisadora Tatiana Duque Martins, única brasileira membro da GYA – para compartilhar com os presentes um pouco de sua experiência. Tatiana é química da Universidade Federal de Goiás, onde coordena o Laboratório de Espectroscopia e Nanomateriais (LENano).
“A GYA apresenta muitos objetivos em comum com a ABC. O desenvolvimento da carreira dos jovens cientistas a nível mundial, a democratização da educação e o desenvolvimento de políticas governamentais que foquem nas especificidades do desenvolvimento da ciência são apenas alguns exemplos”, disse Tatiana. De acordo com ela, a instituição conta com 11 frentes de trabalho e cada membro lida com o tema que mais lhe interessar. A maior parte dos contatos é feita online – via e-mail ou Skype – mas há também uma reunião anual na qual materiais e documentos são produzidos. Aproveitando a oportunidade para convidar os Afiliados da ABC a conhecerem um pouco mais sobre a organização, ela divulgou que as inscrições para novos membros estão abertas até o dia 29 de setembro.