Seguindo a proposta de um formato inovador, o 2º Encontro Nacional de Membros Afiliados da ABC também contou com falas sucintas e dinâmicas durante os dois primeiros jantares do evento. Na primeira noite, o professor Charbel El-Hani tratou da natureza da atividade científica durante reunião na Churrascaria Lago Sul Quitandinha. Já no segundo jantar – após assistiram ao Espetáculo Som e Luz, no Museu Imperial – os pesquisadores se reuniram no Restaurante Luigi e apreciaram a participação de Carlos Alberto Aragão, Acadêmico que falou sobre integridade científica.

Uma tênue linha entre o empírico e o teórico

Coordenador do Laboratório de Ensino, Filosofia e História da Biologia da Universidade Federal da Bahia (LEFHBio /UFBA), El-Hani identifica a construção de modelos sobre a realidade como o verdadeiro papel da atividade científica. Indo de encontro ao que geralmente pensa o senso-comum, sua palestra buscou defender a visão de que os humanos não têm um acesso privilegiado à realidade. “Nossa relação com a realidade se dá através de mediações. Ela funciona por meio da percepção, das expectativas e de nossas teorias anteriores sobre o mundo”, explica pesquisador da área de história, filosofia e ensino de biologia. Nesse sentido, ele ressalta a importância de que sejam estabelecidos critérios não-simplistas de correspondência com a realidade para avaliar esses modelos.

Existem duas importantes correntes de pensamento que tratam dessas questões: o realismo científico e o anti-realismo científico. Embora suas ideias se assemelhem ao pensamento do segundo grupo, El-Hani opina que “anti-realismo” é um termo inadequado. De acordo com o professor da UFBA, como dá a entender que essa corrente não aceita a ideia da existência de uma realidade exterior à mente, o termo desvia o foco do real motivo de discussão. “Achar que o debate é sobre a existência da realidade desencaminha totalmente a compreensão do que está em jogo. Uma vez que questiona a relação entre conhecimento e realidade, é evidente que o não-realista – assim como realista científico – parte do pressuposto de que a realidade existe”, elucida. Bacharel em ciências biológicas, o conferencista também diferenciou os conceitos empíricos dos teóricos, ambos utilizados no entendimento de modelos da realidade. Em sua visão, a distinção entre eles é de grau, não de classe, e uma das maiores dificuldades dos estudiosos é encontrar onde se encontra a tênue linha que os divide.

Nesse contexto insere-se o positivismo, uma filosofia do pensamento científico que tenta limitar o julgamento sobre o estatuto epistemológico das teorias e dos modelos científicos à experiência prática. Da mesma forma, o filósofo prussiano Immanuel Kant estabeleceu que todo conhecimento se dá no domínio da experiência. Compartilhando de sua opinião, El-Hani afirma: “Tudo o que transcende a experiência não se encontra no âmbito da ciência.” Ele ainda explicou que o anti-realismo trabalha com uma “verdade da experiência” ciente de seus limites: sabe-se que os dados que atualmente apóiam uma teoria podem, com o passar do tempo, serem substituídos por outros, alterando todo o cenário de uma análise. Por outro lado, quando o objeto de estudo é abstrato, como no caso de conceitos como quarks, genes e etc., há muito mais inferência do que experiência. “Os realistas científicos acreditam na possibilidade de extrair realidade de conceitos abstratos como esses. O anti-realista, por sua vez, é mais econômico”, brinca.

A rota traçada por um cientista íntegro

Partindo de uma frase de Niels Bohr, físico dinamarquês cujo modelo atômico comemora cem anos em 2013, Aragão tratou da questão da ética na ciência e também classificou a atuação nesse campo como uma eterna busca por verdades. Diretor-geral do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), ele ressaltou que essas explicações devem, para um cientista que respeita as noções de integridade científica, contar com uma base experimental sólida. “O contrário de uma verdade não tem de ser uma mentira. Pode ser uma verdade profunda”, disse Bohr. De acordo com o Acadêmico, essa afirmação foi utilizada em sua fala para enfatizar que a integridade científica faz com que verdades só possam ser substituídas por verdades ainda mais profundas, “alicerçadas em uma compreensão mais abrangente”. Para Aragão, físico e professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisadores nunca estão satisfeitos: há sempre uma necessidade de aprofundar o conhecimento que se tem. “Uma explicação pode dar conta de dados experimentais, mas não ser abrangente o suficiente para englobar outros dados, precisando, portanto, ser aprofundada”, explica. Ele ainda afirma que o importante, nesse contexto, é que o cientista não pode falsear dados ou extrair conclusões que não tenham amparo em evidências sólidas, atendendo ao rigor científico.

O conferencista diz ter enxergado no Encontro Nacional promovido pela ABC um momento de reconhecimento à importância da categoria de membros afiliados – jovens pesquisadores em uma fase extremamente produtiva de suas carreiras. Além disso, ele ressalta que o evento também chamou a atenção para o fato de que a própria Academia acaba de lançar o seu Código de Ética, documento que é resultado de meses de preparação e esforço de um grupo dedicado a esse propósito.

Na visão do ex-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o 2º Encontro Nacional foi extremamente interessante e proveitoso. Tratando de temas de grande relevância para a ciência nacional, contou com um formato inovador que, de acordo com o pesquisador, “foi um desafio bastante original”. Acostumado a ministrar palestras em auditórios a públicos acadêmicos em situações menos descontraídas, Aragão conta que falar durante um jantar possibilita uma abordagem mais interessante dos temas tratados, já que é preciso disputar a atenção do público com uma boa refeição.