A Academia Brasileira de Ciências promoveu o 2º Encontro Nacional de Membros Afiliados nos dias 28, 29 e 30 de agosto, no Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), sediado em Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro. O evento reuniu quase cem cientistas, proporcionando a interação entre os jovens e deles com cientistas seniores da ABC, com especialistas convidados e ainda com gestores e autoridades da comunidade científica brasileira.
Encontros Nacionais de Membros Afiliados da ABC
Também conhecidos por jovens acadêmicos, os membros afiliados são cientistas escolhidos em todo país por se destacarem nas suas áreas de pesquisa num curto tempo de carreira. Ou seja, eles não são uma promessa e sim uma certeza no presente e uma aposta para o futuro.
Esses jovens cientistas participam das atividades da ABC por cinco anos e reúnem-se a cada dois anos nos Encontros Nacionais de Membros Afiliados da ABC, nos quais discutem propostas para que o Brasil supere os desafios relacionados ao avanço da ciência, tecnologia e inovação nas diversas áreas do conhecimento. Com o tema Ciência & Tecnologia no Brasil: Para onde queremos caminhar?, a segunda edição do encontro debateu Internacionalização da ciência brasileira, Integridade científica e Desenvolvimento de CT&I na Amazônia. O 1º Encontro, realizado em 2011 na sede da ABC, deu origem ao documento Ciência, Tecnologia e Inovação: Visões da Jovem Academia.
Muitas vozes e olhares
O evento congregou uma diversidade de áreas, sotaques, gerações e ocupações só vistas em países com as dimensões do Brasil, o que se traduziu na exposição de pontos de vista distintos sobre os temas abordados, desde a cerimônia de abertura até a de encerramento.
Responsável por fazer o discurso de abertura em nome dos membros afiliados, Andrea de Camargo, professora da Universidade de São Paulo e representante do Comitê Científico do evento, disse expressar um sentimento geral ao relatar o seu entusiasmo com a ABC e o evento: “Ser membro afiliado da ABC certamente nos abre muitas portas neste importante estágio inicial de nossas carreiras, mas também nos dá valiosas oportunidades de contribuir com discussões e sugestões para a promoção do desenvolvimento científico e tecnológico de nosso país”. Jacob Palis, presidente da ABC, retribuiu esse entusiasmo ao explicar a presença dos membros afiliados na ABC: “Eles expressam o talento científico e refrescam a Academia com seu sopro de juventude e ousadia, qualidades fundamentais para as grandes descobertas”.
Cerimônia de abertura: Pedro Leite da Silva Dias, Andrea de Camargo, Jacob Palis, Airton Coelho e Jorge Ávila.
O membro titular da ABC Pedro Leite da Silva Dias, após explicar o que é o LNCC/MCTI, instituição que dirige, deu boas vindas aos participantes: “Debater temas fundamentais para o país por três dias, além de uma boa oportunidade de trabalho, é a chance de contribuir para o futuro da ciência, que é e será feita por nós, um grupo heterogêneo. Divirtam-se.”
Jorge Ávila, presidente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI/MCTI), entidade que é membro institucional da ABC, concordou com Pedro Dias sobre a oportunidade do evento e destacou o papel da ABC em reunir tantos cientistas. “A Academia confirma o seu comprometimento com a ciência brasileira ao reunir tantas pessoas de alto nível de formação para debaterem e proporem alternativas para o avanço da nossa ciência, superando os obstáculos existentes”, salientou.
O secretário de C&T do município de Petrópolis Airton Coelho, representando o prefeito da cidade Rubens Bomtempo, demonstrou uma boa expectativa sobre o evento. Para ele, “esses três dias de trabalho repercutirão no desenvolvimento de C,T&I no país e serão positivos para todos os participantes que, vindos de todas as partes do país, ao retornarem para as suas universidades e centros de pesquisa levarão uma visão mais abrangente sobre os assuntos debatidos”.
Para onde queremos caminhar?
A dinâmica escolhida para os debates se iniciava com provocações – feitas por cientistas especialmente convidados -, seguia com debates em grupos menores – compostos por parte dos participantes mais um provocador e um relator – e se encerrava com a reunião de todos no que se chamou Laboratório de Desafios. Com isso, o caminho apontado pelos cientistas presentes para a internacionalização da ciência brasileira, a integridade científica e o desenvolvimento de C,T&I na Amazônia pode ser debatido e organizado numa fala do grupo.
Marcelo Terra Cunha, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e membro do Comitê Científico do evento, foi relator dos debates sobre a internacionalização da ciência brasileira. De acordo com ele, os participantes pensam que esse processo precisa ser de mão-dupla, levando e trazendo estudantes e pesquisadores brasileiros e estrangeiros, especialmente no caso do programa Ciência sem Fronteiras, que tem privilegiado demasiadamente o envio de estudantes de graduação para o exterior. Os participantes também defendem que as pesquisas científicas precisam ser avaliadas por sua qualidade e não pela quantidade, pois a internacionalização da ciência deve se basear na produção de uma ciência de relevância. Outro ponto importante para a internacionalização é o aumento de investimentos na infraestrutura e na formação de recursos humanos, que, apesar dos avanços nos últimos anos, continua aquém do necessário e tem feito o Brasil perder vantagens competitivas e oportunidades em tecnologia e inovação.
A relatora dos debates sobre integridade científica foi a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e membro do Comitê Científico Patrícia Schuck. Segundo ela, os participantes concluíram que o tratamento dado ao tema tem sido seccionado – por exemplo, o CNPq tem um manual de conduta elogiável -, porém é mais adequado que haja uma elaboração conjunta ou a adoção de um código por toda a comunidade científica. Os participantes também ressaltaram o compromisso dos jovens cientistas com o assunto, que inclusive propuseram assumir a elaboração de um documento – a princípio chamado de Carta de Petrópolis – para ser divulgado à sociedade e uma carta à Presidência da ABC pedindo a inclusão dos membros afiliados nas discussões sobre esse assunto na Academia.
O professor da Universidade Federal do Pará e membro afiliado da ABC Luis Carlos Bassalo Crispino foi o relator dos debates sobre o desenvolvimento de C,T&I na Amazônia. De acordo com ele, foi um consenso entre os participantes que esse desenvolvimento pode ser alcançado com um programa de fixação de doutores na região, assim como pela ampliação do programa Ciência sem Fronteiras de modo a permitir a contemplação de pesquisadores fixados no Brasil para atuarem na Amazônia. Na opinião dos participantes, o fortalecimento da educação básica e tecnológica, incluindo a socialização da informação científica, o incremento da infraestrutura, com ênfase na área de Tecnologia da Informação e Comunicação, também são demandas a serem supridas de acordo. Também foi sugerido que a
simetria na cooperação científica nacional e internacional seja mais estimulada.
Tarefas para todos
Na plenária final, representantes das principais entidades financiadoras de ciência, tecnologia e inovação e educação no Brasil comentaram as propostas dos participantes.
Pedro Walfir, Leonardo Teixeira, Patrícia Schuck, Andrea de Camargo, Adriana Fontes,
Alexander Kellner, José Policarpo, Marcelo Terra Cunha, Hernan Chaimovich,
Guilherme Melo, Jacob Palis, Jerson Lima, Emiliano Medei, Adalberto Luis Val, Marcio de
Castro Filho, Janesmar Cavalcanti, José Miguel Reichert e Jorge Huete-Perez
(presidente da Academia de Ciências da Nicarágua).
Alexander Kellner, José Policarpo, Marcelo Terra Cunha, Hernan Chaimovich,
Castro Filho, Janesmar Cavalcanti, José Miguel Reichert e Jorge Huete-Perez
(presidente da Academia de Ciências da Nicarágua).
Hernan Chaimovich, vice-presidente da ABC, representando a FAPESP, onde atua como coordenador dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs), foi enfático no conselho aos jovens cientistas a respeito da integridade científica. Para ele, “códigos de conduta são importantes, já existem e outros estão sendo feitos. Mas, acima da sua elaboração, cada um de nós tem uma responsabilidade pessoal em fazer com que a ética seja mantida”, afirmou.
Outros representantes de fundações de amparo à pesquisa comentaram o desenvolvimento e a internacionalização da ciência brasileira. Para o Acadêmico Jerson Lima, diretor-científico da FAPERJ, que é membro instituicional da ABC, o desenvolvimento de C,T&I precisa acompanhar o crescimento da economia brasileira e a projeção do país no cenário internacional. “Até porque isso assegurará que esse crescimento se mantenha no futuro e, além do mais, pode fazer com que o país aumente a tecnologia das nossas indústrias e com isso a sua competitividade no mercado internacional”.
José Policarpo, diretor-científico da FAPEMIG, outra das entidades que são membros institucionais da ABC, prosseguiu com esse argumento, completando-o com a importância da parceria academia-empresa no exterior. “O país deve internacionalizar-se com a unidade dos seus setores produtivos. Neste sentido, vale incorporar as práticas existentes em outros países. A ciência brasileira, através das universidades e centros de pesquisa, precisa interagir mais com outros segmentos que atuam para o desenvolvimento do país. O empresariado brasileiro é forte; no entanto, se agregar mais ciência à sua produção certamente alcançará resultados surpreendentes, como atesta a trajetória dos países centrais”, afirmou.
A respeito do desenvolvimento de C,T&I na Amazônia, a presidente da FAPEAL Janesmar Cavalcanti acredita que “como já foi apontado em alguns fóruns do Confap [Conselho Nacional das FAPs], os jovens cientistas reconhecem que o desenvolvimento em C,T&I precisa alcançar as regiões e as universidades de todo o país, combatendo as assimetrias existentes e pensando estrategicamente a biodiversidade existente na Amazônia”, afirmou.
José Miguel Reichert, diretor-científico da FAPERGS, estendeu a questão do desenvolvimento de C,T&I para outras regiões do país: “Nós estamos longe da Amazônia, no entanto também existe na região sul uma dificuldade de atrair pesquisadores, fixar pesquisadores no interior ou impedir a vinda delas para a região sudeste, centro da ciência brasileira. Com isso, quero ressaltar a importância de estimularmos um desenvolvimento científico-tecnológico para o conjunto de regiões”.
A formação de recursos humanos também foi abordada como parte do processo de internacionalização da ciência brasileira. Para Marcio de Castro Filho, diretor de Programas e Bolsas da CAPES, “o Ciência sem Fronteiras muda o comportamento dos estudantes de graduação, que têm uma oportunidade de formação mais profunda e completa, acumulando experiências mais enriquecedoras. E um estudante de graduação melhor significará um estudante de pós-graduação melhor que, por sua vez, será um pesquisador melhor”, explicou.
Já a questão da relevância da ciência foi comentada por Guilherme Melo, diretor de Engenharias, Ciências Exatas, Humanas e Sociais do CNPq. “Acredito que a tarefa de produzirmos ciência de relevância é da responsabilidade de todos: cientistas, gestores e lideranças da comunidade científica. Isto porque é preciso planejar e executar. A ciência brasileira precisa ser de grande impacto, tanto para se internacionalizar, quanto para interiorizar”, afirmou.