“O consumo de energia, além de funcionar como parâmetro de qualidade de vida, é fundamental na sustentação de hegemonias geopolíticas mundiais”, afirmou Guilherme Estrella, conferencista convidado para abrir, no dia 14 de agosto de 2013, as discussões ocorridas na ABC sobre recursos energéticos de origem mineral. Em sessão mediada pelo Acadêmico Umberto Cordani, o debate – que fez parte do simpósio “Recursos Minerais no Brasil: Problemas e Desafios” – contou também com uma conferência ministrada pelo Acadêmico Luiz Pinguelli Rosa, diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe/UFRJ). No papel de debatedores estavam Aquilino Senra (INB), Colombo Tassinari (ABC/USP), Edison Milani (Petrobrás), Gilmar Bueno (Petrobrás), John Forman (J. Forman Consultoria), José Goldemberg (ABC/USP), José Israel Vargas (ABC/UFMG), Maurício Tolmasquim (EPE), Paulo Heilbron (CNEN) e Roberto Villas-Bôas (Cetem).

Aumento da demanda global por energia e o Shale Gas

Apesar do expressivo crescimento de outras fontes primárias de energia, Estrella disse acreditar que petróleo e gás natural continuarão a participar com significativa relevância da matriz energética mundial nas próximas décadas. Em termos das razões que levam à elevação do consumo total de energia no século XXI, o ex-diretor de exploração da Petrobras ressaltou não só o crescimento populacional do planeta e a transferência das pessoas para os grandes centros urbanos, mas também o desenvolvimento sócio-econômico e a melhoria da qualidade de vida em países como China e Índia. Geólogo formado pela Escola Nacional de Geologia, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele informou que o atual consumo de 88 milhões de barris de óleo por dia deverá subir, no ano de 2030, para algo próximo dos 110 milhões de barris diários. Enquanto isso, o consumo de gás natural irá mostrar um crescimento relativo ainda maior. “Importantes descobertas desse recurso energético vêm sendo realizadas em países da antiga União Soviética e, segundo a Agência Internacional de Energia, suas atuais reservas são mais do que suficientes para atender ao crescimento da demanda das próximas décadas”, explicou.

O Acadêmico Colombo Tassirani e Guilherme Estrella

Nesse contexto, o debate passou à questão do Shale Gas norte-americano, também conhecido como gás não convencional. A denominação advém de sua localização em reservatórios não convencionais, os próprios geradores. De acordo com Estrella, estima-se que, em 2020, 50% da demanda mundial de gás natural será suprida por produção oriunda desse tipo de reservatório. Também para Colombo Tassinari, vice-diretor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP) e debatedor do painel, esse recurso assumirá papel de grande relevância em um futuro próximo. Sendo assim, ele ressaltou que o Brasil tem reservas que ainda não estão bem caracterizadas, mas, segundo estimativas da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), são relativamente grandes, maiores até do que as de gás convencional disponíveis.

Existem, no entanto, alguns problemas nesse processo produtivo que não podem ser deixados de lado. Dentre eles estão o curto período de produção dos poços – o que, consequentemente, leva a problemas na financiabilidade do investimento – e os riscos ambientais. “A metodologia utilizada, o fraturamento hidráulico, tem provocado tremores de terra na superfície e a perfuração de muitos poços em áreas pequenas gera também um enorme problema social”, relatou. Por esses motivos, a prática já foi proibida em algumas regiões dos Estados Unidos (EUA).

Por outro lado, Tassinari – integrante de um grupo da USP que trabalha com projetos vinculados a pesquisas de gás não convencional – opinou que a comunidade científica deveria se prontificar a estudar essa oportunidade: “Não é simplesmente porque houve uma contaminação nos EUA que nós devemos abandonar uma matriz tão importante do ponto de vista energética.” Em sua visão, também seria interessante se o Brasil contasse com um poço experimental no qual as universidades pudessem desenvolver pesquisas para, caso o Shale Gas venha a ser explorado no país, isso seja feito com conhecimento de causa e técnicas apropriadas. Por fim, ele destacou a necessidade de que se elabore uma legislação ambiental específica para o gás não convencional.

Ex-diretor da ANP, John Forman concordou com o ponto de vista defendido por Tassinari. Segundo o debatedor, algumas pessoas não incentivam a produção de Shale Gas porque o Brasil não possui gasodutos. A esse tipo de afirmação ele responde, enfático, que só há gasodutos quando se tem produção de gás. “Outro dia me disseram que não é vantagem investir em gás não convencional porque se a perfuração de um poço custa cerca de U$ 5 milhões de dólares nos EUA, aqui o preço seria absurdamente maior. Sinceramente, se fosse pelo preço, nós não iríamos nos vestir, andar ou comer no Brasil, pois é tudo mais caro do que lá”, brincou.

Produção energética versus produção alimentícia

Para Estrella, outro ponto que assume destacada importância é a necessidade de que níveis mínimos de dignidade humana sejam alcançados para quem vive abaixo da linha da pobreza, índice que alcançou a marca de um bilhão de pessoas em âmbito mundial. “Aqui estão incluídos não somente os aspectos sociais gerais, mas principalmente demandas básicas, dentre as quais a fome e a subnutrição, que surgem como as mais trágicas demandas de urgentes e efetivas ações mitigadoras”, ressaltou. A utilização de terras agriculturáveis na produção de energia ao invés de alimentos torna-se, portanto, altamente questionável. Assim, as fontes energéticas que não competem com a produção alimentícia passam a ser vistas com outros olhos, aspecto esse que afeta diretamente o Brasil por seu destaque na produção mundial de etanol de cana de açúcar. Enfático em suas opiniões, o geólogo ainda sustentou que as indústrias brasileira e mundial de etanol contam com o apoio das elites sociais e econômicas, o que imprime ao assunto uma importante dimensão política.

Um dos debatedores do painel, Maurício Tolmasquim discordou de Estrella e afirmou que não existe no Brasil essa competição entre energia e alimentos graças à grande quantidade de terra disponível em seu território. “O gado brasileiro é o gado mais confortável que tem no mundo”, brincou o Acadêmico José Goldemberg, concordando com a visão de Tolmasquim. De acordo com o ex-reitor da USP, que também atuou no papel de debatedor da sessão, há dados da Secretaria de Agricultura de São Paulo que mostram que a produção alimentícia do estado aumentou porque a cana só cresce durante seis meses por ano, sendo possível dedicar o restante do tempo ao plantio de alimentos.

O debatedor e Acadêmico José Goldemberg

Ainda tratando-se do etanol, Estrella falou sobre a crise do álcool ocorrida no Brasil em 2011. “Nessa época, vimos novamente a Petrobrás ser obrigada a enfrentar esse problema de abastecimento a partir da importação de gasolina a preços muito elevados”, recordou. Além dos problemas de abastecimento pelos quais o Brasil já passou, 30% das usinas de fabricantes de etanol no país são estrangeiras e a previsão é de que, em 2020, esse número suba para algum valor entre 80 e 100%. De acordo com o conferencista, essas empresas não compram terras porque existe uma recomendação da Advocacia Geral da União que limita a propriedade do estrangeiro a cinco mil hectares. No entanto, trata-se apenas de uma recomendação. Até o momento, pelo menos. “Há uma lei tramitando no Congresso Nacional para que essa recomendação seja transformada em lei. Isso, na minha opinião, é um fato gravíssimo. Se nós não prestarmos atenção, vamos ser transformados em um canavial na mão de interesses estrangeiros e passaremos a produzir álcool para uma sociedades que, como a estadunidense, desperdiçam muita energia”, alertou o conferencista.

O Acadêmico José Israel Vargas, outro dos debatedores do painel, trouxe à pauta do debate a questão nuclear. “Eu acho que nós estamos com um futuro razoavelmente definido em termos de suprimentos de energia, particularmente em relação ao petróleo do pré-sal. Entretanto, não posso evitar um certo sentimento de que nós estamos dirigidos para o passado, para a utilização de algo cujos inconvenientes ambientais são óbvios e conhecidos”, opinou. Apesar do grande potencial do país no tocante à utilização de fontes renováveis, como a hidroelétrica, o professor catedrático da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) enxerga nas usinas nucleares uma possível solução a longo prazo.

Fontes alternativas de energia

Principalmente em razão da hidroeletricidade e do biocombustível, o Brasil apresenta percentuais bastante elevados no uso de energias renováveis, o que o coloca à frente da média global no quesito sustentabilidade. De acordo com o conferencista Luiz Pinguelli Rosa, diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), 80% do consumo de energia primária mundial é resultado da soma de petróleo, gás natural e carvão mineral.

Outra opção, como levantou Vargas, é a obtenção de energia a partir de usinas nucleares. “Essa matriz também apresenta vantagens sobre as fontes não renováveis, uma vez que não emite gases de efeito estufa. Por outro lado, há sempre a preocupação de que ocorram acidentes nucleares, como foi o caso de Fukushima”, contou Pinguelli. O palestrante ainda se aprofundou sobre o desastre ocorrido no Japão, em março de 2011, explicando a falha que levou a essa tragédia. Apesar de o prédio onde estava o reator ter resistido, protegendo-o, o gerador de emergência estava do lado de fora, um erro gravíssimo na concepção do Acadêmico. Voltando à realidade brasileira, ele forneceu um dado relativo à presença da atividade nuclear no país: “Aqui, a energia nuclear representa 2% da potência elétrica nacional em capacidade instalada.”

Pré-sal brasileiro: da concessão à partilha

Passando a uma análise mais específica, Estrella lembrou que o Brasil atualmente busca uma cadeira de membro permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Isso, segundo, demonstra sua tentativa de inserir-se como protagonista na geopolítica mundial e a questão do petróleo e gás insere-se perfeitamente nesse contexto. “Não por outra razão, durante a votação do novo marco regulatório do pré-sal as empresas petrolíferas internacionais exerceram uma fortíssima pressão pela não modificação da lei de concessões e para evitar que a Petrobras fosse definida como operadora única, pois é na operação que novos conhecimentos e tecnologias são adquiridos”, exemplificou.

Para o debatedor Gilmar Bueno, consultor da Petrobras, a empresa enfrentará inúmeros desafios e, para vencê-los, já está tomando algumas decisões estratégicas, entre elas um investimento médio de quase U$ 237 bilhões até 2017. “Nós também diminuímos as operações externas saindo de seis países nos últimos 12 meses. Já fechamos 16 empresas e, até o ano de 2015, fecharemos mais 38. O objetivo é exatamente concentrar todos os esforços na exploração e produção do pré-sal. Por fim, temos o Programa de Otimização de Custos Operacionais (Procop), que prevê uma economia de U$ 15 bilhões até 2016. Sobre essa estratégia adotada pela empresa, Pinguelli atestou: “O lucro da Petrobras caiu, mas isso não significa – como por vezes a imprensa noticia confusamente – que ela deixou de lucrar”

Nesse sentido, Tolmasquim teceu comentários sobre as alterações realizadas na legislação relativa às práticas petrolíferas. Retomando o que havia sido dito por Estrella, explicou que, em um regime de concessão, o petróleo extraído é propriedade da empresa extratora, estando a cargo dela escolher seu emprego futuro. Já em regimes de partilha, uma vez extraído, o petróleo passa a ser propriedade da União. “Isso dá ao país um enorme poder estratégico e faz com que ele seja utilizado em prol dos interesses nacionais”, resumiu. Pinguelli também comentou o assunto, dizendo que o Brasil tomou essa decisão política ao vislumbrar uma diminuição no risco de investimentos na área. De acordo com ele, o cenário ficou mais interessante para que o país assumisse um maior controle de suas reservas.

O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) ainda disse que o fundo social do petróleo brasileiro, quando instituído, inspirou-se no modelo norueguês. A filosofia por trás dessa medida, elucidou o debatedor, é uma espécie de “justiça inter-geracional”. Isso significa que existe uma obrigação moral de, ao utilizar-se de um recurso finito, deixar algo para as gerações futuras. Em tom de crítica, Tolmasquim explicou que, à época, a proposta era que 100% dos rendimentos desse fundo fossem investidos em educação, mas a Câmara vetou a proposta e diminuiu esse valor para apenas 50%. Édson Milani, outro dos debatedores do encontro, enriqueceu o debate afirmando que a segurança energética dessas futuras gerações só estará garantida a partir de uma produção balanceada que privilegie o fator de recuperação, ou seja, a produção em ritmo moderado.

Gerente geral de P&D em Geociências no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (Cenpes) da Petrobrás, Milani também contou que, apesar de não ser economista, sempre se preocupou com a ideia de um Brasil exportador de petróleo. “A partir dos anos 70, época em que o país era um recordista de dívida externa, nós fomos evoluindo, a produção foi crescendo e agora temos uma auto-suficiência nominal, em termo de volume produzido versus a demanda do país. Por outro lado, o Brasil conta também com um desbalanço em seu parque de refino que impede a total auto-suficiência brasileira em derivados”, concluiu.