A ciência brasileira é capaz de superar as fronteiras nacionais e expandir seus horizontes para o mundo. Está fazendo isto através de investimentos do governo, que não recebe a ajuda do setor privado neste assunto. Mas é preciso introduzir no país padrões científicos internacionais, o que requer um conjunto de mudanças, inclusive uma mudança de postura do próprio cientista. Foi com este espírito que os Acadêmicos Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho, Debora Foguel, Manoel Barral Netto, Marcelo Viana e Stevens Rehen debateram a internacionalização da ciência brasileira, no Rio de Janeiro e em São Paulo, durante os 1ºs Encontros Regionais de Membros Afiliados da Academia Brasileira de Ciências.

Esses encontros ocorreram por todo o país no último ano, fomentando discussões sobre o desenvolvimento científico-tecnológico nacional. Os eventos foram abertos ao público e compostos de palestras e mesas redondas. No Rio de Janeiro, o encontro foi realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), nos dias 15 e 16 de outubro, em São Paulo, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, nos dias 29 e 30 de novembro.

O eixo Rio-São Paulo concentra as universidades do país de padrão científico e tecnológico mais elevado. Por isso, é natural que esse debate motive os pesquisadores da região, os quais apresentaram quatro lições que as experiências de outros países oferecem ao Brasil no processo de internacionalização de sua ciência.

Países que lideram a economia lideram ciência e tecnologia

Os palestrantes expuseram a relevância da ciência no desenvolvimento econômico de outros países, defendendo que o Brasil necessita de uma economia do conhecimento que incorpore ciência e tecnologia na cadeia produtiva, superando a economia de commodities.

No Rio de Janeiro, o Acadêmico Carlos Alberto Aragão de Carvalho, diretor do Centro Nacional de Pesquisa em Energias e Materiais (CNPEM), afirmou que nunca será demais expor motivos para essa expansão e meios para realizá-la. Ele defendeu que a internacionalização é quase que uma condição sine qua non para que se tenha uma ciência de qualidade atualmente. “Temos que interagir com os melhores grupos do mundo, lançar editais em que grupos brasileiros e grupos estrangeiros venham a trabalhar em conjunto e o financiamento seja compartilhado. O país tem condições de fazer isso”, argumentou.

Em São Paulo, o Acadêmico Manoel Barral, diretor de Relações Institucionais do CNPq, seguiu o argumento de Aragão fazendo uma comparação com o que se passa na ciência em outros países. “A China já está em segundo lugar em economia e em CT&I. A Inglaterra e a Itália possuem economias equivalentes a nossa em termos de PIB per capita e produzem 2,6% e 1,7% mais artigos internacionalmente do que nós. O Brasil está entre a 12ª e 13ª produção científica internacional – dependendo da base de dados – e possui a sexta economia mundial”, explicou. Para ele, isto significa que grande parte da nossa economia não depende da produção científica, ao contrário do que ocorre nos países mais desenvolvidos. “O Brasil precisa fazer o mesmo, ainda que aproveitando esse momento de vantagem dos commodities para investir em ciência e tecnologia, investir em conhecimento, para ter chance de continuar com bom desempenho no futuro”, argumentou.

Barral também comparou a situação da ciência no país com as dos demais BRICs: “Temos liderança em biologia, ciências biomédicas e clínica médica, mas estamos em último lugar nas áreas das engenharias e na tecnologia. Passamos a Rússia, que tem tido um desempenho ruim, mas a Índia está cada vez mais à frente, se distanciado de nós e a China nem se fala”. Ele ainda observou que no Brasil, de 1000 pessoas economicamente ativas apenas 1,25 são pesquisadores, menos até do que na Argentina. Além disso, apenas quatro universidades brasileiras estão entre as maiores do mundo, todas depois do 100º lugar. Barral ainda defende que os doutores brasileiros tem que atuar além da academia, precisam ser mais aproveitados pelos diversos setores da indústria. “A produção científica ainda é muito concentrada nas instituições de ensino superior e embora o investimento em C&T seja forte, é centralizado no governo”.

Aragão crê que a relação entre ciência e desenvolvimento também precisa passar pelos profissionais da área, pelo setor privado e população. E acredita que já seja um consenso entre os pesquisadores, gestores e profissionais envolvidos direta ou indiretamente com a ciência, que é preciso investir muito em educação, ciência e tecnologia. A tarefa agora é expandir esta convicção para todos os setores. “A sociedade tem que entender que a ciência é fundamental para o desenvolvimento do país, para a educação. Os países que produzem menos ciência são aqueles que têm a responsabilidade de educar muito mais gente, então, de novo, a sociedade tem que ter uma compreensão de que isso é fundamental, de que o país não se desenvolverá se não tiver uma forte base científica e tecnológica.”

Universidades precisam planejar a internacionalização

Os palestrantes demonstraram que as universidades estrangeiras utilizam o seu know-how a favor delas, de onde concluem que as universidades brasileiras precisam ter um planejamento estratégico da internacionalização em benefício próprio.

No Rio de Janeiro, a Acadêmica Débora Foguel, pró-reitora de Pesquisa e Graduação da UFRJ, explicou que as universidades estrangeiras não funcionam como as brasileiras, tendo financiamentos e funções distintas em seus países. Ela relatou que “a maioria das universidades internacionais, com a crise, estão enfrentando um sério problema orçamentário. Nesta circunstância, receber estudantes brasileiros é um bom negócio. Com isso, a procura dos comitês de universidades estrangeiras – chineses, japoneses, ingleses, etc. – na Reitoria da UFRJ, em função do programa Ciência Sem Fronteiras, tem sido enorme”.

A Acadêmica distinguiu a questão da internacionalização entre universidades estrangeiras e brasileiras. Segundo ela, no exterior, a internacionalização valoriza a universidade, classificando-a como de excelência. Com isso, ela angaria mais recursos, o que explica por que entre 15 e 20% dos estudantes de universidades de excelência são estrangeiros. O mesmo não ocorre no Brasil, onde as universidades ainda precisam aumentar a quantidade de ingressos no ensino superior, por que somente 18% dos jovens de 18 a 24 anos estão nas universidades. “Como combinar a internacionalização com a nossa necessidade de aumentar o número de brasileiros estudando? A sala é única, o professor é único, a universidade é única e, ao mesmo tempo, tem que dar conta de mais de uma missão”, questionou.

Em São Pau
lo, Barral questionou outra dificuldade enfrentada pelas universidades brasileiras: “Devemos pensar porque as nossas universidades não têm uma relevância internacional maior. Em termos de pesquisa científica, o maior entrave no país é a burocracia. Há muita dificuldade para manusear os recursos nas universidades brasileiras. As universidades do exterior têm muito mais mobilidade, tanto para uso de pessoas quanto para o uso de recursos do que aqui”.

Por isso, Foguel considera que a internacionalização da ciência brasileira deve ser sempre um meio e não fim. “Esta expansão deve ser vista como um meio de desenvolvimento do ensino superior. É preciso muito planejamento para aproveitar integralmente este processo. É importante que a universidade saiba quem deve mandar, para onde, por que, para que, quando, em que áreas”, afirmou. Neste mesmo processo, ela acredita que as universidades precisam encontrar uma maneira para o seu próprio crescimento, pensando quem devem trazer, de onde, e assim sucessivamente. Barral concorda com Foguel: “As universidades brasileiras precisam elaborar uma proposta que aponte quais departamentos de cada universidade realmente querem se internacionalizar, quais são os planos e a sequência de pessoas que participarão deste processo. Cada instituição conhece as suas potencialidades e suas necessidades, então pode elaborar esse tipo de planejamento”, afirmou.

Pesquisadores estrangeiros devem ser atraídos

Os palestrantes enfatizaram que o Brasil deve trazer pesquisadores estrangeiros; para isto, tem que investir em temas de relevância internacional e em outros meios de atração. E, se o principal locus de intercâmbio da ciência no país é mesmo a universidade, é impossível não abordar o programa Ciência sem Fronteiras mais detalhadamente. Isto explica por que ele foi mencionado pela maior parte dos palestrantes, que reconheceram seus méritos em levar estudantes para o exterior, embora defendam que o contrário também seja benéfico.

Aragão reconheceu o que programa tem feito em prol da internacionalização da ciência brasileira. Mas, ele pensa que “a porta de saída está muito maior do que a porta de entrada e o momento atual do país é adequado para atrair gente. A Europa está em crise, nos Estados Unidos há um nítido declínio. Nós vivemos um momento particularmente interessante porque o país está muito popular, sendo considerado um país emergente. Temos que aproveitar o momento”, explicou. Em sua opinião, um caminho para isto seria aproveitar as potencialidades que o país oferece para a pesquisa. “Atrair mais cientistas estrangeiros, vindo para trabalhar em biodiversidade, por exemplo, seria ótimo. É um tema importante e que, obviamente, tem um enorme poder de atração atualmente”, argumentou.

Um dos palestrantes do Rio de Janeiro, o Acadêmico Marcelo Viana, pesquisador titular do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, acredita que as universidades brasileiras precisam se preparar para atrair pesquisadores estrangeiros. “Oferecer programas dos quais pesquisadores relevantes e importantes da área queiram participar por ser bom para a pesquisa deles, ou disponibilizar para as universidades sites inteiramente em inglês e atraentes para os estrangeiros, por exemplo, são medidas com graus de dificuldade distintos, mas necessárias. Chegou a hora de nós partirmos com ambição para colocar as nossas instituições, os nossos grupos de pesquisa em um patamar diferente”, afirmou.

Stevens Rehen, membro afiliado da ABC no período 2008 a 2012 e coordenador do Laboratório Nacional de Células-tronco Embrionárias, comentou duas experiências de intercâmbio no encontro do Rio de Janeiro. A primeira foi de uma aluna sua que voltou do intercâmbio através do Ciências sem Fronteiras que vai ao encontro das opiniões dos palestrantes. “A estudante fez um relatório no qual registrava a importância daquela oportunidade em sua vida, destacando, porém, que gostaria de ver mais cientistas estrangeiros no país, por acreditar que isto seria mais proveitoso do que enviar tantos estudantes para o exterior, pois a troca de ideias e valores e a prática de outro idioma formariam uma via de mão dupla.” A segunda experiência é do próprio Rehen, que recebeu estudantes da Eslovênia e da Sérvia em seu laboratório. “Com eles aqui, todos os seminários do nosso laboratório passaram a ser em inglês, o que foi um desafio, mas um grande avanço para os nossos alunos brasileiros”.

Pesquisadores brasileiros precisam ter postura globalizada

Os palestrantes destacaram o papel do próprio cientista na internacionalização. Esteja ele na graduação ou no pós-doutorado, precisa ter o pensamento globalizado, possibilitado pelo intercâmbio e também pelas novas tecnologias, superando as barreiras do idioma e acessando conteúdo científico global.

Marcelo Viana é a favor da experiência internacional cedo para os jovens estudantes brasileiros, mas acredita que a língua seja um obstáculo. “Muitos estudantes fazem boa ciência, mas não têm bom inglês. Por isso, 1/4 dos bolsistas do Ciência sem Fronteiras está escolhendo ir para Portugal”, explicou. Para ele, os jovens brasileiros, após décadas e décadas de isolamento, simplesmente não estão preparados para a experiência internacional na proporção que o programa exige.

Barral corrobora esta opinião com dados da situação atual e projeções para o futuro. “O programa demonstra que o Brasil é um país extremamente monolíngue. 50% dos candidatos não atingem os níveis de proficiência requeridos em inglês e os padrões cobrados pelas universidades estrangeiras não estão altos”. Ele acrescentou que o ensino exclusivamente em português dificulta a vinda de alunos de fora. “Isso significa que se quisermos internacionalizar realmente, teremos que ter mais ensino em inglês. Pensando nisso, ter de 50 a 70% das disciplinas oferecidas em inglês é uma meta”, afirmou. Da graduação ao doutoramento, a situação não melhora como poderia ser imaginado. Barral destacou que na Universidade de São Paulo, somente 3% dos alunos de doutorado são de fora do Brasil, ou seja, mesmo em uma das maiores universidades do país existe pouco dinamismo na questão da internacionalização.

Além disso, na opinião de Foguel, ao conhecerem outras culturas, aprenderem outros idiomas, espera-se que os estudantes também reflitam sobre o aprendizado nas universidades estrangeiras e brasileiras. “É importante que eles tragam isto na bagagem. O que se espera é que ao voltar para o Brasil os estudantes reflitam sobre as grades curriculares e as cargas horárias daqui. É um expectativa sobre esses alunos que, por vezes, não se cumpre”, afirmou. Como gestora, Foguel diz que espera os alunos dizerem: “Eu fiz Cálculo I e fiquei duas horas na sala e dezoito fazendo dever em casa. No exterior, a carga horária desta disciplina é de dez horas e aqui quarenta, com conteúdo equivalente. Por que eu não posso receber o tempo que eu fiquei em casa estudando na forma de créditos?”.

Independentemente do investimento do governo e das universidades, Rehen defende que os estudantes precisam acessar o conteúdo científico global por conta própria, o que pode ser feito através das novas tecnologias e das redes sociais que os estudantes integram. “Hoje em dia, artigos científicos importantes podem ser identificados através do
Twitter da Nature, da Plos One e de outras revistas. E esta é uma tecnologia ao alcance de todos os estudantes universitários”, afirmou.

Em resumo, a internacionalização da ciência brasileira não pode ser feita somente levando pesquisadores para o exterior. É preciso elevar o país aos padrões científicos internacionais. Em outras palavras, é preciso “internalizar a internacionalização”, absorvendo as lições que os países estrangeiros oferecem e aprendendo sozinho a superar as demandas específicas do país. Até porque, se olhar para dentro do país for o meio de internacionalizar a ciência, também será percebido que as assimetrias do desenvolvimento científico-tecnológico existentes no Brasil são enormes e aguardam uma solução.