Os modelos de universidades no Brasil e no mundo e as relações que eles guardam com a sociedade foram debatidos pelos Acadêmicos Simon Schwartzman, Jailson Bittencourt de Andrade e Debora Foguel no painel Estruturas de ensino superior, coordenado por Foguel, no dia 6 de maio, durante a Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências.
Há décadas a educação tem sido incorporada nas leis dos países. No Brasil, a Constituição de 1988 classifica a educação como um direito de toda a população. No mundo, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas de 1966 afirma que o acesso à educação superior é um direito de todas as pessoas, cabendo aos países organizarem os meios para alcançarem esta determinação. Mas, se estas diretrizes não são recentes, nem por isso foram efetivamente postas em prática. Sinal de que o debate sobre a função das universidades continua em aberto.
O papel de coordenadora e palestrante – devido à ausência justificada do Acadêmico Wanderley de Souza – deu a oportunidade para a Debora Foguel introduzir o debate, ressaltando a importância das universidades: “Elas são locais privilegiados de se estar porque fazem parte da busca pelo conhecimento a qual nos lançamos há muitos séculos e, por isso, sempre será oportuno refletir sobre o seu passado, presente e futuro”. O painel mostrou a transformação das universidades no decorrer do tempo, os seus modelos atuais e também questionou o papel que a universidade brasileira cumpre atualmente.
Os modelos de universidade no mundo
Simon Schwartzman, presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), traçou um vasto panorama. O Acadêmico defendeu que há três séculos as universidades mudam sem cessar, acompanhando os rumos políticos e econômicos de cada período. “O conhecimento massificou-se devido ao aumento do número de pessoas que ingressaram nas universidades e a diversidade das classes sociais das quais provinham. Em seguida, uma globalização difundiu os modelos universitários europeus e norte-americanos para outros países, inclusive para o Brasil, levando os valores de que eram imbuídos para outros povos. Mais recentemente, um processo mercantilista nas universidades equiparou o ensino a um tipo de serviço pelo qual é preciso pagar para receber. Hoje em dia, a incorporação de novas tecnologias no ensino geraram as universidades digitais ou virtuais, através da vida online da internet, o que trouxe uma expansão do acesso ao conhecimento em uma velocidade sem precedentes”, explicou.
Indo adiante, Schwartzman mostrou os modelos de universidade atuais e as funções sociais que eles cumprem. De acordo com o palestrante, há universidades que são instrumentos de agendas políticas nacionais e que, por isso, sofrem a influência de fatores externos; há outras que funcionam como uma democracia representativa circunscrita, na qual a comunidade acadêmica têm objetivos e normas distintos entre si, mas resguardando sua autonomia com relação ao ambiente não-acadêmico. Há aquelas universidades que funcionam como uma empresa de serviços, na qual os objetivos e normas são diferentes e a sua dinâmica depende de fatores externos; há ainda universidades que funcionam como uma comunidade acadêmica auto-gerida, onde os valores são compartilhados e a dinâmica universitária é determinada internamente. “Seja em qual país for, cada um desses modelos evidencia para quem o conhecimento é destinado, por quem é realizado e como a sua transmissão é feita”, afirmou.
O papel da universidade brasileira
A esta altura, o painel se encaminhava para a função das universidades no Brasil. E já havia sido compreendido que um modelo de universidade não é um “método de aprendizagem” e sim um “modo de funcionamento complexo”, pelo qual se organiza a estrutura do ensino superior de um país e pelo qual o seu impacto na sociedade pode ser avaliado. No Brasil, por exemplo, o modelo de universidade pública costuma ser pautado em ensino, pesquisa e extensão, que, respectivamente, indicam as missões da universidade brasileira de construção do saber, investigação científica e intervenção sobre a realidade.
Jailson de Andrade, professor titular da UFBA, acredita, no entanto, que haja um dissenso entre governo, setor privado, comunidade científica e sociedade sobre qual é o papel das nossas universidades, o que faz com que ela fique eventualmente desorientada ou orientada por mais de um projeto, por vezes conflitantes. “Hoje a opção brasileira tem sido fazer com que as universidades promovam a inclusão social através da democratização do acesso ao ensino superior. Isto deixa o investimento na área de pesquisa e da formação acadêmica de alto nível, assim como outros interesses universitários, como o investimento em aparato tecnológico, por exemplo, em segundo plano”, explicou. Este mesmo fato explica a defasagem da universidade brasileira na parceria com o setor privado, “isto que em outros países já é tratado como mais uma missão das uni
versidades”, e também o fortalecimento das carreiras técnicas e docentes, “sem as quais uma universidade não funciona”. Para demonstrar como outros modelos universitários estão se desenvolvendo mundo afora, o Acadêmico exibiu o vídeo Research Universities and the future of America, no qual o Congresso do Estados Unidos decidiu perguntar a comunidade científica e gestores da educação, ciência e tecnologia daquele país como era a universidade que eles desejavam. “Para o Brasil, um bom instrumento para considerar os interesses de todos e arbitrá-los com destreza seria a formação de um observatório das universidades brasileiras, integrado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, empresários, movimentos sociais organizados, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciências, entre outros”, concluiu.