Eventos promovidos por instituições científicas costumam ser freqüentados por pesquisadores de ponta. Essa constatação, que até certo ponto parece um pouco evidente, se torna ainda mais sólida quando, em um encontro nacional promovido pela Academia Brasileira de Ciências, três cientistas laureados com o Prêmio Nobel – todos eles no século XXI – ministram palestras sobre suas diferentes linhas de pesquisa. Foi esse o caso da Reunião Magna deste ano: de 6 a 8 de maio de 2013, a ABC foi palco de palestras do químico Kurt Wüthrich e dos físicos Dan Shechtman e Serge Haroche.
O conjunto de painéis foi orientado a partir de um tema central: o “Desenvolvimento Científico e Tecnológico: Rumo a Novos Patamares”. Em meio a interessantes discussões que abordaram desde a estrutura do ensino superior no país até os desafios de pesquisa e desenvolvimento nas empresas, a Assessoria de Comunicação da ABC conversou com os premiados com o Nobel sobre temas de interesse da sociedade brasileira.
Desmitificando o Prêmio Nobel
Sem dúvida, ter seu trabalho reconhecido por meio de uma distinção de tamanho peso e importância é uma experiência única. Bem humorado, o israelense Dan Shechtman (na foto ao lado) afirma que ser laureado com o Prêmio Nobel é o mesmo que “ganhar uma espécie de licença que te permite fazer o que quiser”. Quanto a isso, os três cientistas foram unânimes: segundo eles, após suas respectivas premiações, as pessoas passaram a ouvir com mais atenção o que eles tinham a dizer.
É impossível não levar em consideração a excelência acadêmica que propiciou a esses pesquisadores suas respectivas premiações. Wüthrich foi agraciado, em 2002, pelo desenvolvimento de métodos de ressonância magnética nuclear (RMN) para o estudo de macromoléculas biológicas. Shechtman, por sua vez, recebeu o Prêmio Nobel de Química no ano de 2011, graças a importantes descobertas no âmbito dos quase-cristais. Por fim, premiado em 2012, Haroche ganhou destaque no meio científico por liderar uma equipe que conseguiu, de maneira inédita, “espiar” sistemas quânticos sem afetá-los. Vale ressaltar que sua pesquisa contou com a colaboração do brasileiro Luiz Davidovich, vice-presidente da ABC.
Inclusive, foi grande a veemência de todos eles a respeito do motivo pelo qual, apesar de todo o progresso alcançado durantes os últimos anos, o Brasil não possui nenhum cientista ganhador de Prêmio Nobel. Suas respostas a essa pergunta, outra unanimidade durante as entrevistas, não diferem daquilo que qualquer cidadão atento já está ciente há certo tempo: é preciso investir na educação. No entanto, levando em conta sua apreciação internacional não só como cientista, mas também como educador, as palavras de Shechtman são capazes de exercer uma influência bem mais significativa: “O Prêmio Nobel e muitos outros prêmios científicos são concedidos não por quantidade, mas por qualidade. Para aumentar a qualidade, você precisa focar no talento das pessoas e encorajar os jovens a estudarem ciência e a pensarem de um modo inovador.”
Um tanto quanto surpreendente foi o testemunho do francês Serge Haroche (na foto ao lado): “Eu não acho que as pessoas devam ter o Prêmio Nobel como foco.” Para explicar, ele afirma que a distinção depende de muitos fatores que não podem ser controlados. De acordo com o físico, se o país elevar significativamente o nível de seu ensino, aumentará também o número de jovens com acesso ao ensino superior e à pesquisa científica. Desse modo, será maior a probabilidade de alguém realizar descobertas merecedoras do Prêmio Nobel – em sua visão, portanto, a outorga é apenas uma conseqüência. E ainda acrescenta: “Eu sempre fico um pouco incomodado quando penso que as pessoas estão dando muita ênfase ao Prêmio Nobel porque conheço muitos cientistas que deveriam ter sido premiados e nunca foram, então é muito difícil julgar e responder a essa pergunta.”
Kurt Wüthrich também falou sobre a necessidade de um apoio constante e substancial à ciência, destacando que um Prêmio Nobel não é concedido após cinco ou seis anos de estudos. Ele, por exemplo, só foi agraciado 18 anos após obter o resultado pelo qual recebeu sua distinção. Nesse sentido, o professor enxerga no financiamento – e, conseqüentemente, no aumento da infraestrutura de pesquisa – a única saída para que a ciência brasileira se desenvolva permanentemente.
A vida pós-premiação
Embora seja notável a simplicidade com que os três conferencistas da Reunião Magna da ABC 2013 falam sobre terem sido agraciados com o mais importante prêmio científico do mundo, é também evidente que suas vidas sofreram muitas mudanças após a premiação. Wüthrich é um ótimo exemplo disso: dois anos antes de receber o Prêmio Nobel, preocupado com a possibilidade de ser obrigado a parar de trabalhar assim que atingisse a idade de aposentadoria na Suíça, o professor abriu um laboratório nos Estados Unidos (EUA). “No entanto, depois de ser laureado, o Parlamento da Suíça me deu a oportunidade de não me aposentar e criou uma lei que leva o meu nome. Em tese, eu deveria ter me aposentado há dez anos, mas continuo atuando em meu país de origem e também nos EUA”, conta o pesquisador, que hoje é professor visitante da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O químico Kurt Wüthrich fala sobre a experiência de receber um Prêmio Nobel
Haroche conta que a premiação também facilitou seu contato com membros do governo e outras pessoas com atuação relevante no que diz repeito à quanto dinheiro deve ser alocado para a pesquisa científica. Por outro lado, notou um significativo aumento no interesse da mídia e do público em geral em seus trabalhos. “Para começo de conversa, eu não concedia entrevistas como essa antes de ser premiado”, brinca. Com uma agenda lotada – que se baseia não só em entrevistas, mas também em inúmeras solicitações de palestras – ele afirma sentir-se bastante realizado, ainda que uma quantidade tão grande de compromissos desloque tempo de outras atividades profissionais e pessoais. Sobre sua presença no Brasil para o encontro organizado pela ABC, ele afirma: “Eu aceitei participar da Reunião Magna porque, há alguns anos atrás, fui nomeado membro correspondente da ABC e essa foi uma excelente oportunidade de agradecer às pessoas que me elegeram antes mesmo que eu recebesse o Prêmio Nobel. Isso significa que eles foram capazes de reconhecer o valor da minha pesquisa sem terem o Prêmio Nobel como critério.”
Depois de contabilizar todas as mudanças ocorridas em sua vida após 2011, Shechtman optou por viajar ao redor do mundo para conversar com jovens sobre a importância da ciência, do ensino de qualidade e do empreendedorismo tecnológico – os quais, para ele, são a chave para a paz mundial e para a prosperidade. Guiado por um lema pessoal – “I aspire to inspire before I expire”, que em português significa “Eu aspiro a inspirar antes de expirar” – o químico acredita que o futuro da ciência está nas mãos da nova geração. Além disso, Shechtman defende que crianças pequenas são extrem
amente brilhantes: de acordo com ele, quanto mais cedo entrarem em contato com a ciência, mais gosto pelo campo irão adquirir posteriormente.
Mídia, um ator fundamental na divulgação científica de qualidade
As entrevistas também trataram de um assunto de suma importância para pesquisadores de todo o mundo: a divulgação científica. Levando em conta a grande influência exercida pelos meios de comunicação na atualidade, a mídia foi apontada como um ator fundamental para que a interlocução entre ciência e sociedade aconteça de modo eficaz. Para Wüthrich, é fundamental que os cientistas aprendam a se relacionar com a mídia. Em contrapartida, é necessário que eles possam confiar nos jornalistas científicos para reportarem fielmente seus trabalhos.
Haroche, por sua vez, comparou a realidade de países como Brasil e França à de nações como a Inglaterra e os EUA. De acordo com ele, o primeiro grupo não direciona esforços suficientes para o estabelecimento de uma televisão com programas científicos de qualidade. Nos países do segundo grupo, no entanto, existe uma vasta gama de canais televisivos – a exemplo da BBC e da PBS – exibindo conteúdos científicos de qualidade e adequado ao público leigo. “Além disso, também são necessários bons artigos e seções dedicadas à ciência nos jornais”, completa, ressaltando a importância de oferecer aos jovens um panorama fiel do que é a ciência para que eles se sintam estimulados a seguir carreira no campo científico.
Por fim, Shechtman destacou o papel essencial da mídia em reuniões científicas de grande porte como o Fórum Mundial de Ciência (FMC), que, no ano de 2013, acontecerá no Rio de Janeiro. O encontro – sediado pela Hungria desde sua criação, em 1999 – terá sua primeira ocorrência fora do país neste ano. Para que seja um sucesso, o professor afirma: “Os meios de comunicação devem prestar atenção a esse evento para que todos fiquem sabendo dele, pois isso pode produzir mudanças na cabeça dos jovens. Eles perceberão como a ciência pode, realmente, ser divertida. Portanto, trazer a ciência para o primeiro plano da mídia – e, portanto, para o primeiro plano do interesse público – é uma coisa ótima principalmente no contexto do FMC.”
Dentre os benefícios provenientes do Fórum, Shechtman cita a interação e provável colaboração entre os cientistas de excelência que aqui se reunirão, as visitas dos pesquisadores estrangeiros às instituições de pesquisa nacionais e a influência que os debates exercerão sobre os formuladores de políticas públicas no Brasil. Assim, o vencedor do Prêmio Nobel de Química de 2011 acredita se tratar de uma oportunidade única para que sejam criadas novas referências de cidadania no senso comum dos brasileiros: “É com tristeza que eu afirmo que, na maioria dos países do mundo, a mídia não serve bem à nação e corre atrás de sensacionalismo, criando heróis que não são bons exemplos para o público. O ideal é que a população tenha como modelos pessoas capazes de levar o país ao futuro, e não indivíduos que sejam alvos constantes de fofoca. A mídia nacional, a meu ver, deveria prestar atenção a eventos como o FMC e demonstrar algum orgulho nacional na promoção de causas científicas mundiais para o futuro do Brasil.”