Leia a entrevista com o Acadêmico Eduardo Krieger – vice-presidente da Fapesp e coordenador do conjunto de palestras “Ciência, tecnologia e inovação na saúde” incluído na Reunião Magna da ABC – sobre a importância de se aproximar a pesquisa científica da prática médica para o desenvolvimento da saúde no Brasil.
O Brasil ingressou no novo milênio com a saúde pública em um estado crítico. A dura realidade dos hospitais e da assistência médica oferecida à população tem sua gravidade demonstrada com a notícia de que conquistamos o sétimo maior Produto Interno Bruto (PIB) do mundo e que, no entanto, o país ocupa apenas a 72º posição em uma pesquisa produzida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o investimento percentual do PIB em saúde, realizada em todos os países.
Esta realidade não mudou a contento e continua afetando a vida de milhões brasileiros, para prejuízo do bem-estar e do desenvolvimento social. Entre os cientistas, está cada vez mais difundida a ideia de que a aproximação da pesquisa científica com a prática médica é uma forma eficaz de desenvolver a área da saúde, tanto no cumprimento das demandas sociais requeridas do médico e do pesquisador, quanto para o desenvolvimento de indústrias da área. Nesta prescrição, bem-estar social, progresso científico e desenvolvimento econômico são aliados da saúde no Brasil.
A Academia Brasileira de Ciências defende que só haverá mudança com forte investimento em ciência, tecnologia e inovação em saúde, de forma a aumentar o número de profissionais na área, continuar a qualificar aqueles que já trabalham, melhorar a infraestrutura de todos os ambientes relacionados à saúde, desenvolver pesquisa científica, estabelecer parcerias com indústrias e estimular a criação de outras. É necessário analisar a saúde como uma cadeia que inclui promoção, proteção, reabilitação e tratamento, e que envolve universidades, centros de pesquisa, indústrias e hospitais.
Como este não é um pensamento isolado, a Reunião Magna da ABC terá o conjunto de palestras Ciência, tecnologia e inovação na saúde, coordenado pelo Acadêmico Eduardo Moacyr Krieger, que é vice-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e ex-presidente da ABC. Haverá palestras de Carlos Morel, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Luiz Eugênio de Souza, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e Ogari Pacheco, da indústria Cristália.
Eduardo Krieger é um dos cientistas que tem defendido a aproximação entre a pesquisa científica e a prática médica, através da medicina translacional, explicando a importância disto na entrevista a seguir.
Notícias da ABC O senhor é um dos principais defensores da proximidade entre a pesquisa e a prática médica. Por que isto beneficiaria as ações de promoção, proteção, reabilitação e tratamento das doenças?
Krieger A aproximação da pesquisa e da prática médica é essencial para a melhoria da qualidade da assistência médica prestada à população, tanto no tratamento das doenças e, muito especialmente, na prevenção das enfermidades. Neste último item, os conhecimentos recentes da genética, da biologia molecular e dos fatores ambientais que afetam a saúde (alimento, exercício, estresse etc) vem desempenhando um papel importantíssimo para aumentar a expectativa de vida e, principalmente, para prolongar os anos que vivemos com saúde, prevenindo o aparecimento de doenças.
NABC Da prevenção ao tratamento, o cuidado com a saúde do ser humano requer pesquisa científica. Sendo assim, como o senhor avalia a passagem de conhecimento do laboratório para a clínica hoje no Brasil?
Krieger Na última década, intensificou-se nos países avançados o esforço de transferir rapidamente o conhecimento obtido no laboratório para a clínica, como parte do ciclo virtuoso da interação entre a geração e a aplicação do conhecimento que promove o desenvolvimento socioeconômico dos países. Também no Brasil, cresce a conscientização da necessidade de fazer a integração interdisciplinar para obter o conhecimento mais rapidamente e com melhor qualidade, para que então o produto do conhecimento seja rapidamente aplicado em benefício da sociedade. Um exemplo dessa iniciativa é a criação dos Institutos Nacionais de Pesquisa da Rede de Pesquisa dos Hospitais Universitários e de diferentes programas de pesquisa integrados, financiados pelas nossas agências – como o Cepide, projetos temáticos da Fapesp, por exemplo.
NABC Para que a pesquisa científica seja bem sucedida, ela precisa de investimento em tecnologia e inovação (T&I). No Brasil, existe uma política pública sólida de fomento à T&I na área da Saúde? Ela tem apoiado centros de pesquisa e laboratórios das universidades, levando este conhecimento ao cuidado da população?
Krieger O moderno conceito de medicina translacional envolve não só a passagem do conhecimento da bancada para a clínica (e vice-versa), mas, também, a passagem do conhecimento obtido na pesquisa clínica para o tratamento da população em geral, incorporado ao sistema de saúde vigente no país. Aí também há que se fazer pesquisa, financiada quase que exclusivamente pelo setor público, para testar o custo-benefício dos diferentes procedimentos, tanto de diagnóstico como de prevenção e tratamento das enfermidades. É um setor ainda pouco explorado em nosso país, com necessidade de maior participação dos hospitais universitários. Há vários projetos de pesquisa clínica financiados pelo Ministério da Saúde/CNPq nesse setor, incluindo o da prevalência e melhor tratamento da hipertensão resistente, envolvendo 26 hospitais universitários coordenados pelo Instituto do Coração (InCor – HC/FMUSP).
NABC A aproximação entre o laboratório e a clínica, além de ser indispensável para a saúde pública, é importante para o desenvolvimento econômico do país. Neste ponto, a presença da iniciativa privada faz diferença. Provam isto os países desenvolvidos, nos quais a área da saúde começa nas universidades, formando mão-de-obra qualificada, desenvolvendo pesquisas de ponta, se estende pela produção industrial de alta tecnologia, resultando em países competitivos na área de saúde dentro do contexto global. Esta atuação em cadeia está em curso no Brasil?
Krieger O grande desafio neste momento no nosso sistema de CTI é aproveitar o sucesso obtido nas últimas três/quatro décadas na produção científica e na formação de recursos humanos para promover o desenvolvimento socioeconômico do país, incrementando a prática da inovação. Foram criadas normas legais favorecendo e incentivando a parceria universidade/empresa, recentemente foi lançado um plano federal de inovação nas empresas e há vários exemplos da indústria farmacêutica nacional fazendo P&D em colaboração com a Universidade. É um início, mas é indicativo de que há possibilidade de avançar.
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Esta é a última da série de entrevistas da Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências em 2013, que teve a intenção de compartilhar com os leitores a vasta experiência dos coordenadores de sessão da Reunião e sua compreensão da ciência brasileira em seus múltiplos aspectos. A primeira entrevista foi com o Acadêmico Luiz Davidovich, um dos coordenadores gerais do evento, que abordou os rumos da ciência no Brasil. A
segunda entrevista foi com o Acadêmico Sergio Rezende, coordenador do ciclo de palestras Grandes Projetos, que abordou os projetos científicos de ponta em curso no país. A terceira entrevista foi com o Acadêmico Carlos Alberto Aragão de Carvalho, coordenador do ciclo de palestras P&D nas Empresas: Desafios, que abordou a importância da academia e as empresas trabalharem juntas para o progresso econômico, para o desenvolvimento do conhecimento científico e para a sustentabilidade do planeta. A quarta entrevista foi com a Acadêmica Debora Foguel, coordenadora do ciclo de palestras Estrutura de ensino superior comentando políticas públicas para o ensino superior, modelos de universidade e a carreira docente universitária brasileira.
Reunião Magna 2013
Desenvolvimento científico-tecnológico: Rumo a novos patamares
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Inscrições: São gratuitas e abertas ao público, mediante inscrição prévia por e-mail para rmagna2013@abc.org.br.
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