Em referência à matéria publicada em O Estado de S.Paulo, no dia 26 de abril, os membros afiliados da ABC contemplados pela Google, Marcos André Gonçalves e Jussara Almeida, do Departamento de Ciência da Computação da UFMG, contaram suas experiências para as Notícias da ABC.
Gonçalves contextualizou, relatando que a Google tem uma tradição de financiamento de projetos de pesquisa em áreas de seu interesse. Mas relata que esses programas, geralmente, costumam ser voltados para as universidades americanas e europeias. Essa é a primeira vez que a empresa investe diretamente em projetos no Brasil num aporte considerável, dado o número restrito de projetos financiados nessa primeira edição do programa. “Isso é interessante, pois mostra que a gigante da tecnologia da informação acredita que no Brasil está sendo desenvolvida pesquisa de qualidade comparável àquela desenvolvida nas melhores universidades do mundo, que merece financiamento compatível”, ressaltou Gonçalves.
Nessa edição do programa, a Google selecionou cinco propostas – três da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), uma do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ) e outra da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) – dentre os inscritos numa chamada feita aos principais pesquisadores brasileiros que trabalham em áreas de interesse da Google. Segundo Gonçalves, o aporte foi de cerca de US$ 1 milhão, convertidos em formas de bolsas para alunos e professores e outros tipos de financiamento.
Um diferencial em relação a outros tipos de financiamento de órgãos de fomento tradicionais como o CNPq, a Fapemig ou até mesmo de outras empresas, de acordo com o Acadêmico, é o fato da Google pretender acompanhar bem de perto o desenvolvimento dos projetos. “Já tivemos reuniões na sede da empresa na América Latina, que fica em Belo Horizonte, com a presença do diretor de Engenharia do Google para as Américas, Stuart Feldman, na qual os projetos foram apresentados e discutidos com os engenheiros deles, que fizeram comentários e sugestões para os vários projetos”, relatou Gonçalves. Outras reuniões similares estão planejadas.
Critério é o potencial de inovação
Todos os projetos selecionados têm um grande caráter experimental. Marcos André destacou que o foco da Google é na pesquisa em si e não diretamente no desenvolvimento de produtos ou serviços. “Inclusive, nas palavras do próprio Feldman, o foco é na contribuição acadêmica, em projetos que representem o futuro, na visão da Google”, ilustrou o Acadêmico. E representar o futuro significa ter potencial inovador. Gonçalves esclareceu que as técnicas que estão sendo desenvolvidas em todos os projetos têm potencial para gerar patentes, produtos ou serviços inovadores, no médio prazo.
Como avaliar a qualidade de uma página da web?
O projeto de Daniel Hasan, orientando de Gonçalves, intitula-se “Aferição Automática de Qualidade de Conteúdo Colaborativo Gerado na Web 2.0”. Ele se propõe a desenvolver novos algoritmos e técnicas computacionais que possam automaticamente inferir ou “aprender” a qualidade de um determinado conteúdo, a partir de vários tipos diferentes de evidência que podem ser automaticamente extraídos por programas de computador. “Nosso foco inicial foi a Wikipedia. Mas pretendemos estender essas ideias para outros ambientes. A hipótese é que podemos transferir, em termos dos modelos matemáticos gerados, algum conhecimento aprendido nesses ambientes sobre a qualidade das páginas e aplicá-lo, por exemplo, para a melhoria da qualidade do ranking de máquinas de busca, como a da Google.”
Gonçalves exemplifica. “Uma página com poucas referências externas ou imagens, pode indicar falta de cobertura e precisão do conteúdo; uma página que atualmente está sendo editada por muitos usuários ao mesmo tempo pode indicar que seu conteúdo ainda não estabilizou.” Ele diz que a ideia é combinar e explorar essas múltiplas visões ou critérios de qualidade através de técnicas par que as máquinas possam “aprender” a melhor forma de combinar tais critérios e gerar um modelo matemático capaz de produzir um score final de qualidade. “Já temos resultados nessa linha que hoje representam o estado-da-arte nessa área de pesquisa”, entusiasma-se.
Como um vídeo se torna popular na web?
Jussara Almeida também é membro afiliado da ABC e orientou o projeto “Predição de Popularidade de Vídeos Gerados por Usuários: Caracterização e Aplicações”, um dos aprovados pela Google. Ela explica que a proposta de seu aluno Flávio Figueiredo é entender a importância de diferentes aspectos relacionados aos usuários da internet, às suas redes sociais, procurar saber como eles chegam até um determinado conteúdo – por exemplo, os links mais utilizados para acessá-lo – e ao conteúdo em si – por exemplo, tags associadas para a evolução da sua popularidade.
Esse entendimento, segundo Jussara, pode despertar percepções interessantes, sob várias perspectivas. Por exemplo, como um vídeo de um cantor coreano aparentemente desconhecido consegue atrair mais de 1,5 bilhões de visualizações do mundo inteiro? Como as pessoas do mundo todo chegaram até este vídeo? Qual o papel da rede social estabelecida entre usuários do YouTube nesta divulgação? E até que ponto o conteúdo em si é responsável por tamanha popularidade?
A pesquisadora explica que a compreensão dessa dinâmica pode oferecer subsídios valiosos para produtores de conteúdo e anunciantes de serviços e produtos. “Por exemplo, anunciantes online podem explorar este conhecimento para realizar a colocação de suas propagandas de forma mais eficaz e rentável”, esclarece. Por outro lado, desenvolvedores e gerentes de sistemas podem explorar este conhecimento para projetar mecanismos de busca, recomendação e filtragem mais eficazes, o que é importante para reduzir o impacto da sobrecarga de informação nestas aplicações, assim como métodos de replicação de conteúdo para reduzir o tempo de acesso e melhorar a experiência do usuário. “E esses conhecimentos envolvem, ainda, padrões de comportamento e de interações entre usuários que são relevantes do ponto de vista social”, conclui Jussara.
Em suma, Jussara e Flávio pretendem desenvolver modelos que permitam prever, tão cedo quanto possível, como a popularidade de um conteúdo irá evoluir ao longo do tempo e investigar os benefícios de tais previsões para maior eficácia de mecanismos específicos, particularmente propaganda online. “O foco da pesquisa são os vídeos do YouTube, pela grande popularidade desta aplicação atualmente, mas as técnicas que estamos desenvolvendo podem ser estendidas para outras aplicações”, explica a pesquisadora. E acrescenta que estão gerando, ainda, conhecimento fundamental sobre como usuários da Web 2.0 se comportam, o que é valioso para o projeto de novas aplicações.
Para a professora, o Google Brazil Focused Research Grants Program é uma excelente oportunidade de estabelecer uma colaboração efetiva – pois envolve a participação de técnicos da Google dando feedback e sugestões – com uma empresa de liderança reconhecida. “Este retorno é muito valioso pela experiência prática deles, que têm que enfrentar diariamente muitos dos problemas que estamos investigando.”