Leia, abaixo, a entrevista concedida pelo Acadêmico Luiz Pinguelli Rosa ao jornal O Globo. Publicada no dia 9 de março de 2013, a matéria fala sobre a nova cartilha lançada pelo Ministério da Educação (MEC) em parceria com a Controladoria Geral da União (CGU), que visa orientar a gestão dos recursos públicos das universidades federais. “Diretor da Coppe/UFRJ, Luiz Pinguelli Rosa afirma que a cartilha lançada pela CGU e pelo MEC viola a Constituição, faz com que as universidades federais percam autonomia e traz “ranço forte para impedir que as fundações possam ajudar e agilizar determinados processos.”
O senhor crê que a autonomia das universidades federais é atingida pela cartilha?
Muito, e é uma violação da Constituição. Tem que se levar em conta o artigo 207, que é taxativo: “as universidades gozam de autonomia didática, científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”. E onde foi parar essa autonomia? A cartilha trata a universidade como se ela fosse uma fazedora de relatórios, de planilhas. Se entrar em vigor, paralisa, prejudica muito as pesquisas. Já está em jogo a autonomia. Um professor teve a demissão feita em Brasília, sem passar pela UFRJ (professor Geraldo Nunes). Se o sujeito roubar, ele deve ser demitido. Mas existe um regimento que a universidade estabelece. Tem que haver uma comissão de inquérito, essa comissão apresenta seus resultados e depois vai para o MEC. O fim da autonomia vai nos levar também a perder a competência.
Por quê?
Porque a grande questão, além da autonomia, é a questão das fundações. A gente nota o espírito contrário às fundações que aparece na cartilha e também no caso do reitor Aloísio Teixeira, que é inevitável associar (um relatório do Ministério Público Federal apontava irregularidades na gestão do ex-reitor, que chegou a ser acusado de desviar R$ 50 milhões. Em dezembro de 2012, a CGU encerrou o julgamento do processo administrativo disciplinar e não confirmou a tese de desvio. A verba foi gasta através da Fundação José Bonifácio, que é da UFRJ).
E qual é o papel das fundações?
Existe um dispositivo constitucional que diz: “O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas área de ciência, pesquisa e tecnologia. E concederá aos que dela se ocupem meios e condições especiais de trabalho.” O que a gente entende é que as as fundações existem para criar condições especiais de trabalho. A vida acadêmica de pesquisa não é burocrática. E uma das leis mais imbecis do serviço público é a tal da 8666 (A lei estabelece regras para licitação), pela qual tudo sai mais caro e demorado. A lei é manipulada por grupos empresariais. E agora notamos um ranço forte para impedir que as fundações possam ajudar, agilizar determinados processos, permitir que a pesquisa em andamento não pare, porque tem caso de coisas muito específicas, que só o pesquisador entende o que é e vai encontrar o fornecedor. Com a cartilha, a universidade fica amordaçada. Todos são tratados como suspeitos por conta de uma interpretação particular de um conjunto de pessoas.
Que outros pontos devem ser revistos?
A cartilha coíbe os cursos de extensão ao dizer que não se pode cobrar por eles. Imagina pegar professores nossos para dar aula para a Shell sem cobrar nada? O curso é montado e remunerado dentro das regras da fundação. A cartilha também inspira o medo, e ele acaba com a iniciativa. O professor quer criar um laboratório, vai pegar uma verba, colocar o nome dele em jogo e aí vem o auditor saber se ele comprou sanduíche com licitação…
Em um artigo, o senhor dizia que a cartilha impede que o professor com dedicação exclusiva tenha ações ou participe de sociedade privada.
O mau português empregado na cartilha dá essa interpretação. Uma pessoa acessa o Currículo Lattes, vê que o professor é diretor de uma entidade científica internacional e ele é acusado de driblar a dedicação exclusiva. O mérito vira crime. Ou um professor com dedicação exclusiva recebe ações de herança. Ele tem que perder o emprego dele na universidade? Quem escreveu essas coisas? São de outro planeta?
O senhor acredita que a cartilha deve ser revista?
Nossa posição (da Coppe) é que deve ser recolhida. E teria um prazo para reformular não só no MEC, mas envolvendo as universidades e a CGU. O Ministério de Ciência e Tecnologia, que é importante para nós no que diz respeito à pesquisa, não participou. E essa troca podia ser positiva. Já tivemos experiência interessante com o Tribunal de Contas da União. Existiam normas das quais discordávamos e isso foi mudado. Sabemos que a administração pública prevê multas, ressarcimentos e a universidade tem que se submeter. A autonomia não exclui isso. Se houver ladrão, ele tem de ser punido. Mas o ladrão lê a cartilha com muita atenção e descobre novos métodos de roubalheiras. Não é por aí que se pega ladrão.”