Enquanto não resolve seus maiores desafios – tais como emissões de gases, degradação ambiental e envelhecimento populacional (até 2050 mais de 25% terão acima de 65 anos) -, a China investe na educação para alcançar o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza. Nas regiões mais pobres, como a zona rural do noroeste do país, a evasão escolar chega a alcançar os 40%. Para investigar as causas do fenômeno e criar possíveis soluções, o governo chinês tem investido em projetos de intervenção.
Um exemplo é o Rural Education Action Project (REAP), coordenado pela economista Lingxu Zhang, professora e diretora adjunta do Centro de Política Agrícola Chinesa. “Quando constatamos que os estudantes de áreas rurais pobres estavam abandonando a escola, buscamos investigar os possíveis fatos que os estariam levando a isso”, disse Zhang na 7ª Conferência e Assembleia Geral da Rede Global de Academias de Ciências (IAP), evento organizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) no Rio de Janeiro.
Em princípio, o projeto passou a subsidiar recursos para os pais manterem filhos na escola. Observou-se que a taxa de abandono escolar dos alunos que recebiam o auxílio – embora se mantivesse – era menor do que daqueles que não recebiam o benefício. O principal motivo para a evasão, segundo Zhang, era a pressão econômica.”Vimos que o problema era a área na qual as famílias moravam”, disse Lingxu Zhang à Agência FAPESP. “As famílias de agricultores tiravam seus filhos da escola para trabalhar nas fazendas. Hoje em dia, na China, 60% das pessoas que vivem nas zonas rurais trabalham em áreas de pequenos cultivos, onde a produção é manual e em pequenas extensões de terra.”
O país, segundo ela, precisa melhorar sua produtividade agrícola. “A ciência agrária precisa ser mais bem desenvolvida. Se não melhorarmos a educação, não conseguiremos desenvolver tecnologia agrícola. A China não alcançará o desenvolvimento sustentável se não tiver pessoas bem educadas”, disse a economista, lembrando que cerca de 20% da população no país vive abaixo da linha da pobreza.
Outro dado verificado no projeto: um terço dos alunos das 30 escolas pesquisadas sofria de anemia, decorrente de uma merenda escolar baseada somente em grãos ou em noodles, composta de poucos vegetais ou carne. Ou seja, sem vitaminas ou proteínas. “Convidamos médicos para examinar as crianças e descobrimos que a incidência de anemia entre elas era alta, o que fazia com que seu rendimento escolar fosse baixo. Passamos então a fornecer suplementos multivitamínicos”, contou Zhang, também pesquisadora do Instituto de Ciências Geográficas e Pesquisas de Recursos Naturais e membro da Academia Chinesa de Ciências, afiliada à IAP. Depois de implantado o programa de nutrição, a situação se reverteu. “Foi a primeira intervenção antianemia do país. Vimos qual era o impacto das vitaminas sobre os alunos, por meio da melhora no rendimento escolar. Quanto melhor a educação, maiores serão as chances de conseguirem melhores empregos e salários”, disse.
Conhecida como terra dos baixos salários, sendo assim atraente para indústrias estrangeiras, a situação da China parece estar mudando, depois de uma sucessão de conflitos trabalhistas que atingiram grandes companhias multinacionais instaladas no país (algumas se mudando para outros países, como Índia e Vietnã) e resultou no aumento da remuneração dos empregados, segundo Zhang. Em relação à oferta de mão de obra, também existe diferença entre os jovens migrantes rurais que entraram no mercado de trabalho recentemente e as gerações anteriores. Mais bem educados e informados, eles exigem melhores condições de trabalho e salários mais elevados.
Tudo isso tem desencadeado um debate que divide opiniões: de um lado os que acreditam no fim da era da mão de obra barata e, de outro, os que sustentam que ainda há um longo caminho a ser percorrido até que a China perca a fama de país de empregados mal pagos. De acordo com Zhang, está chegando ao fim a era dos salários baixos na China, embora lembre que a mão de obra menos qualificada ainda recebe menos que US$ 1,2 a hora. “Para fazer a hora trabalhada chegar a uma média de US$ 10, por exemplo, tem de haver um implemento na educação. Ao lado da questão climática e ambiental, esse é um dos nossos maiores desafios. Mas a China pode superá-lo”, disse.
Fortalecimento das ações das academias
A 7ª Conferência e Assembleia da IAP, que tem como tema “Ciência para a Erradicação da Pobreza e o Desenvolvimento Sustentável”, reuniu mais de 130 cientistas de diversos países no Rio Othon Palace Hotel, em Copacabana, nos dias 25 e 26 de fevereiro. O objetivo do evento, realizado a cada três anos e que ocorre pela primeira vez na América do Sul, é mostrar como a ciência pode contribuir para enfrentar os desafios globais.
No dia 23, a FAPESP recebeu a visita de uma delegação de membros de um comitê consultivo da IAP e do InterAcademy Council (IAC) chamado Development Advisory Committee (DAC). O DAC tem dois co-chairs: Francisco Ayala, da Universidade da Califórnia em Irvine, e Carlos Henrique de Brito Cruz, membro titular da Academia Brasileira de Ciências e diretor científico da FAPESP, que presidiu a reunião. “O objetivo do DAC é auxiliar IAC e IAP a montarem uma estratégia de arrecadação de fundos para as atividades das entidades, que são atividades de aconselhamento baseado em ciência para questões de relevância internacional”, disse Brito Cruz.