Leia abaixo as matérias da revista Ciência Hoje e da Folha de SP, que prestigiam o aniversário do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa). A primeira, da Ciência Hoje, destaca palestra do matemático norte-americano Stephen Smale e a da Folha de SP entrevista seu diretor, o Acadêmico César Camacho.
Matemáticos preocupados com a estrutura de proteínas e biólogos com a análise dos ângulos formados entre seus aminoácidos. Talvez pareça estranho, mas a aproximação entre matemática e biologia tem se tornado mais comum nas últimas décadas e pode até mesmo dar origem a novos ramos da ciência. Em um ciclo de palestras realizado no contexto da comemoração dos 60 anos do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), o premiado matemático norte-americano e Membro Correspondente da ABC Stephen Smale, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, abordou o trabalho de seu grupo e as diversas possibilidades que surgem a partir dessa interação.
Na ocasião, Smale apresentou os fundamentos matemáticos dessa nova abordagem e seu potencial para o estudo das estruturas moleculares e das formas de interação entre algumas moléculas básicas para a vida, como os peptídeos. “As possibilidades são muitas, como o aprimoramento de vacinas e o entendimento dos mecanismos por trás das dobras e do enovelamento das proteínas”, avalia. “Se descobrirmos esse segredo, vamos responder a uma das questões mais fundamentais da biologia.”
O matemático e Acadêmico Marcelo Viana, coordenador de atividades científicas do Impa, lembra que uma das principais inspirações da matemática sempre foi a resolução dos problemas colocados pelas ciências experimentais. “Há algumas décadas, com os avanços na genética e na bioinformática, a biologia já vem obtendo bons resultados com a matemática tradicional em áreas como a epidemiologia e a dinâmica evolutiva”, explicou. “O trabalho de grupos como o de Smale, no entanto, busca mais; procura elaborar fundamentos matemáticos inovadores para as novas questões experimentais.”
Viana compara os esforços desses matemáticos aos de cientistas como Isaac Newton e Gottfried Leibniz, fundamentais para o desenvolvimento do cálculo infinitesimal há quase 400 anos. “Um dos principais motivadores do desenvolvimento do cálculo foi a necessidade de lidar com questões experimentais relacionadas ao estudo da astronomia”, avaliou. “Hoje os problemas e desafios apresentados pela biologia podem estimular uma nova visão da matemática , que também poderá beneficiar outras áreas.”
As novas abordagens matemática s da biologia propostas por grupos como o de Smale podem revolucionar o estudo das estruturas e dos mecanismos da vida e decifrar mistérios como o processo de dobra das proteínas. Entre as bases dessas novas abordagens, chamadas por Smale de novas ciências, estão áreas como a análise combinatória e a topologia – ramo da matemática que estuda as propriedades dos objetos que não se alteram quando eles são torcidos, esticados ou deformados.
No Impa, Smale aproveitou para lamentar o pouco envolvimento dos matemáticos com ramos como a imunologia. “É uma pena, pois áreas como essa ainda podem se beneficiar muito da estatística e da ciência da computação, por exemplo”, ponderou.
A proposta de suas palestras no instituto – realizadas nos dias 3, 4 , 5 e 8 de outubro – era apresentar aos matemáticos presentes novas formas de abordar a biologia por vias matemática s. O evento que deu início à comemoração do aniversário do instituto e reuniu matemáticos de diversas partes do mundo foi encerrado hoje (11/10).
60 anos de aplicação
Um dos centros de matemática mais reconhecidos do mundo, com uma produção científica de grande qualidade, o Impa foi a primeira instituição brasileira criada pelo então Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), em 15 de outubro de 1952. De lá para cá, tornou-se centro de excelência para o pós-doutorado na avaliação da Academia de Ciências para o Mundo em Desenvolvimento (TWAS) e buscou estimular a pesquisa científica na área e difundir o aprimoramento da cultura matemática no país.
“O modelo do Impa serviu de inspiração para dezenas de outras instituições de matemática do país e o instituto funciona como um grande garoto propaganda da qualidade da matemática brasileira no mundo”, diz Viana. “Durante esse tempo, também formamos muitos matemáticos brasileiros e estrangeiros, especialmente da América Latina, que hoje atuam como embaixadores da matemática pelo continente.”
O Impa também se destaca por suas iniciativas de ensino e divulgação da matemática como a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas e os colóquios brasileiros de matemática . “Um dos nossos objetivos é combater a percepção pública da matemática como uma ciência difícil, abstrata e inacessível”, defende Viana. “Para mudar essa imagem, muito propagada pela mídia, é preciso atuar na divulgação e estimular os pesquisadores a apresentar a área de forma mais concreta, mais relacionada ao mundo que nos rodeia.”
Matemática com sotaque
Smale tem uma relação próxima com o Impa e com o Brasil. Na década de 1960, pouco depois da criação do instituto, o matemático passou um ano no Rio de Janeiro, como parte de seu mestrado. Nas praias cariocas, Smale realizou dois de seus trabalhos mais importantes: a ferradura de Smale e a conjectura de Poincaré, fundamental para que recebesse a medalha Fields, maior honraria científica do campo da matemática , em 1966.
Foi uma das épocas mais frutíferas da carreira do matemático, que também apresenta mais detalhes do seu trabalho. Smale visita periodicamente o Brasil e afirmou, em uma das palestras realizadas no Impa: “Voltar aqui é uma experiência reconfortante. Estive no Impa pela primeira vez nos anos 1960 e agora, 52 anos depois, posso ver como o instituto e a matemática brasileira cresceram.”
Centro de matemática busca diversidade
O matemático e Acadêmico César Camacho fala com orgulho da instituição que dirige desde 2003, o Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), mais importante centro de pesquisa de matemática da América Latina, que completou 60 anos em 15 de outubro.
Nascido no Peru e naturalizado brasileiro, Camacho está no Impa desde os anos 1970. Na entrevista abaixo, ele conta como o instituto criou um modelo “sui generis”, que inclui buscar pesquisadores de fora do país e o papel de doadores privados, e fala das dificuldades de trazer mais mulheres para a pesquisa em matemática.
Folha – Nesses 60 anos, quais foram os principais momentos da história do Impa?

César Camacho – O Impa nasceu em torno dos matemáticos Maurício
Peixoto e Leopoldo Nachbin. Logo depois agrega-se ao grupo Elon Lima, retornando do doutorado nos EUA. Nos seus primeiros 15 anos o instituto passou um pouco adormecido, desapercebido. A maneira como esses três matemáticos recebiam seus salários seria inconcebível hoje. Um envelope com dinheiro e só. Nada de recibo, carteira de trabalho. A partir do fim dos anos 1960, o Impa passou a ter a possibilidade de contratar pessoas em um número razoável e tornou-se um lugar atrativo para alguém ter uma carreira de pesquisa.
Como foi a passagem do instituto para o status de organização social?

Isso ocorreu em 2000. O Ministério da Ciência e Tecnologia havia oferecido esse modelo de administração para algumas instituições, dentre as quais o Impa. O instituto se torna um órgão privado que estabelece um contrato de gestão com o governo federal. Cria-se um plano de metas que a instituição tem de cumprir para ter verbas. Tais recursos são administrados pelo Impa com uma liberdade muito ampla. Ao abrirmos nossos concursos internacionais, não temos obrigação de contratar ninguém, por exemplo, a não ser que encontremos o perfil que estamos procurando. Também não é obrigatório que os candidatos saibam falar português. As aulas que um pesquisador dá aqui são dois cursos por ano, com uma carga horária de três horas por semana. Um professor universitário dificilmente dá menos de dez horas/aula semanais.
O Brasil tem, ao mesmo tempo, prestígio na pesquisa matemática e níveis baixíssimos em testes educacionais de matemática básica. O Impa faz algo para melhorar isso?
Esse contraste é porque a ciência brasileira é excelente e foi construída com base no mérito, enquanto a educação brasileira a nível escolar foge da classificação pelo mérito como o diabo da cruz. O conselho da organização social, que contém uma maioria de membros de fora do Impa, nos questionou sobre o papel do instituto na educação. Essa é a origem da Olimpíada Brasileira de Matemática, que coloca o mérito dentro da escola.
O Impa, nos últimos anos, vem recebendo doações de pessoas físicas. Como isso ocorreu?

Essas doações surgiram inicialmente de maneira espontânea. Não é que o Impa estivesse precisando de dinheiro e tenha ido bater nas portas. A primeira se transformou na cátedra Armínio Fraga [por iniciativa do ex-presidente do Banco Central]. E houve outros movimentos.
Por que tão poucas mulheres na história do Impa?
De fato, há só uma pesquisadora no momento e houve outra no passado. No último concurso para vagas de pós-doutorado, dos 175 candidatos, que eu me lembre, havia só três mulheres. Ou seja, não depende só de nós. Outro exemplo: na olimpíada de matemática temos três níveis, de acordo com a idade. No primeiro nível, ente os medalhistas de ouro, cerca de 25% são mulheres; no último nível apenas 9% recebem a medalha. Não sabemos explicar o fenômeno. Mas queremos mudá-lo. No último edital mundial que fizemos, para o programa de pós-doutorado, dizemos que o Impa aprecia a diversidade em todas as suas formas e vê com muita boa vontade a candidatura de mulheres.